Tributação de lucros e dividendos
Governo encaminhou proposta de reforma do Imposto de Renda que reajusta tabela de pessoas físicas, reduz imposto de empresas e aumenta carga para acionistas. Há ajustes a serem feitos, mas proposta vai na direção correta de produzir impactos distributivos positivos.
O governo encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma do imposto de renda. A motivação inicial foi reajustar as faixas do imposto de renda, o que não ocorria desde 2015, por conta da proximidade eleitoral. Mas a proposta veio bem mais ampla do que a encomenda inicial.
As principais mudanças estão na tributação sobre lucros e dividendos com isenção de R$ 20 mil para as micro e pequenas empresas, compensada com a redução da alíquota de IRPJ em 5 pontos. Assim, a carga tributária das empresas cairá de 34% para 29% e o país deixará de possuir a carga tributária mais elevada para as empresas, mas ainda continuará acima da média, conforme os dados da Fundação Heritage.
A carga tributária para o acionista aumentará para 43,2% decorrente da aplicação de 20% sobre a parcela do lucro distribuída depois da tributação de 29% (a conta exata é 20%(1-29%)+29%). Ou seja, com a proposta, a carga tributária final dependerá da destinação que será dada ao lucro das empresas.
A tributação sobre lucros e dividendos é positiva pelos seus efeitos econômicos e distributivos. Ao criar uma diferença entre a tributação sobre o lucro da empresa e a sua destinação, tem-se um incentivo para a retenção de lucros ampliando as fontes de financiamento e expansão das empresas.
Consistente com o argumento são as evidências. Na França, a tributação sobre lucros e dividendos foi majorada em 2013 e a reforma desestimulou a remuneração dos acionistas, elevou a poupança das empresas que usaram os recursos em caixa para ampliar seus investimentos e oferecer financiamentos aos seus clientes[1].
Nos EUA, a redução da tributação sobre lucros e dividendos foi adotada em 2003 como uma medida de estímulo econômico para tirar a economia americana da recessão. Os estudos indicam que a política não resultou em nenhum efeito visível sobre o desempenho econômico[2].
Do ponto de vista distributivo, a isenção sobre lucros e dividendos é um fator que resulta na ampliação da desigualdade social no Brasil. Segundo os dados da Receita Federal do Brasil, os rendimentos recebidos na forma de lucros e dividendos respondem por apenas 3% do total da renda no primeiro decil da distribuição dos contribuintes ao passo que respondem por cerca de 50% do total da renda no último centil da distribuição de renda. Os mais ricos no Brasil não pagam imposto sobre sua principal fonte de renda.
Ao longo dos anos, o fenômeno só cresceu de tamanho. O total de renda obtido de lucros e dividendos, incluindo as MPEs, saiu de 4% do PIB em 2007 para 6,5% do PIB em 2019 na tabela da pessoa física. O crescimento real médio no período foi de 7,5% ao ano. A tributação dessa base possui, portanto, ampla capacidade de arrecadação e redistribuição de renda.
O aspecto distributivo da proposta não deve ser minimizado. O Credit Suisse divulgou um relatório sobre a riqueza global mostrando que dentre alguns países selecionados (desenvolvidos e emergentes), o Brasil possui o maior percentual de riqueza concentrada no 1% mais rico da sociedade e a concentração aumentou na última década[3].
O plano não deve ser suficiente para impedir a pejotização, pois existem custos trabalhistas que não serão resolvidos com a tributação, mas fará com que essa renda do trabalho transfigurada em renda do capital pague imposto o que hoje não acontece.
Com essa fonte de arrecadação, o governo pretende financiar o reajuste da tabela do imposto de renda e a ampliação dos programas de transferência de renda em um momento crítico em que o desemprego e a pobreza se elevaram.
A proposta estimula o consumo das classes de renda mais baixa e incentiva o reinvestimento dos lucros das empresas. Por enquanto, essa é a parte conhecida do plano para 2022 que junto com as receitas extraordinárias dos leilões do petróleo, 5G e da Eletrobrás busca melhorar a economia e o social mantendo algum controle de curto prazo para a dívida.
A bola está com o Congresso e a proposta contém outros itens que podem ser discutidos e aperfeiçoados. Mas depois da sua tramitação é que saberemos se isso será suficiente para os planos políticos do governo. Por enquanto, estímulos econômicos financiados com aumento de carga tributária e reeleição parecem compor uma trindade impossível.
Leia também o artigo sobre a reforma do IR no Observatório de Política Fiscal.
Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 07/07/2021, quarta-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Boissel, C. e Matray, A. (2019). “Higher dividend taxs, no problem! Evidence from taxing entrepeneurs in France”. Proceedings of Paris December 2020 Finance Meeting. EUROFIDAI - ESSEC.
[2] Yagan, D. (2015). “Capital tax reform and the real economy: The effects of the 2003 dividend tax cuts”. American Economic Review, vol. 105, no 12, pp. 3531-3563.
[3] Credit Suisse (2021). “Global wealth report 2021”. Research Institute.
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