“Fast Track” legislativo contribui para a incerteza elevada
Nas últimas semanas temos visto uma tramitação acelerada de projetos que, sob o pretexto de promover reformas, podem aumentar a incerteza e piorar as perspectivas de recuperação e crescimento sustentado. Esse “fast track” parece ter motivações de cunho eleitoral.
Nas últimas semanas tem ocorrido uma piora significativa do quadro econômico, com aceleração da inflação e redução do crescimento, tanto no que diz respeito às projeções de mercado para 2022 como em relação aos indicadores recentemente divulgados, como a queda do PIB no segundo trimestre.
Os dados da PNAD Contínua, por sua vez, mostram que o aumento do emprego no segundo trimestre foi principalmente de trabalhadores informais, em particular o trabalhador por conta própria sem o registro formal do CNPJ.
Esses dados são compatíveis com o elevado grau de incerteza. Em abril de 2020, o Indicador de Incerteza da Economia Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE atingiu seu máximo histórico. Desde então teve uma queda substancial até abril deste ano. De maio a agosto, no entanto, o índice tem flutuado em torno de um patamar um pouco acima do nível elevado que prevaleceu entre 2015 e 2019.
Isso indica que não existe clareza sobre a direção da política econômica, o que leva os empresários a postergarem investimentos e contratações formais, com impacto negativo sobre o crescimento econômico e o emprego.
Tanto por razões relacionadas à recuperação da pandemia, como diante da necessidade de superar o baixo crescimento da economia brasileira nas últimas décadas, uma agenda ambiciosa de reformas do ambiente de negócios tornou-se ainda mais premente.
Essas reformas precisam ser complementadas por medidas de fortalecimento do arcabouço fiscal e por um ambiente de estabilidade política. Além disso, é fundamental aprimorar a rede de proteção social diante do provável aumento da pobreza e da informalidade decorrentes da pandemia.
No entanto, o que temos visto nos últimos meses, e especialmente nas últimas semanas, é uma tramitação acelerada de projetos que, sob o pretexto de promover reformas, podem aumentar a incerteza e piorar as perspectivas de recuperação e crescimento sustentado.
A motivação desse “fast track” de proposições legislativas parece estar muito mais relacionada às preocupações eleitorais do presidente e de seus aliados do Centrão do que com o interesse em promover uma melhoria genuína do ambiente de negócios, do arcabouço fiscal e da rede de proteção social. Isso se reflete em inúmeras concessões de natureza política e em baixa qualidade das propostas.
A rápida tramitação do PL da reforma do imposto de renda tem sido emblemática neste sentido. Em vez de procurar corrigir distorções da tributação do imposto de renda das pessoas jurídicas, seu objetivo foi aumentar a faixa de isenção da tabela de imposto de renda de pessoas físicas e tributar dividendos para financiar o novo programa social.
O resultado é que várias distorções não só permaneceram como foram agravadas. Em particular, a isenção da tributação de dividendos para sócios de empresas do Simples e do lucro presumido com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões aumenta o incentivo para a pejotização e para a diminuição artificial do tamanho das empresas. Isso, por sua vez, reduz a progressividade do sistema tributário e eleva a ineficiência alocativa.
Outro problema grave do PL do imposto de renda é a ausência de estimativas confiáveis sobre seus impactos sobre a receita da União e dos entes federativos. Parece no mínimo temerário aprovar uma reforma tributária em momento tão delicado das contas públicas sem uma análise cuidadosa dos seus efeitos na arrecadação.
O debate sobre precatórios está indo na mesma direção. Diante da constatação de que o grande aumento dos débitos judiciais em 2022 consumiria o espaço fiscal do teto de gastos, a discussão sobre seu pagamento tem se dado em torno de duas péssimas alternativas. De um lado, o parcelamento dos pagamentos, o que aumenta a insegurança jurídica. De outro, a retirada das despesas do teto de gastos, o que enfraquece o já combalido arcabouço fiscal.
Após uma reação muito negativa à PEC dos precatórios e sem nenhum debate mais aprofundado no Congresso, surgiu a possibilidade de uma solução intermediada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que envolveria a criação de um limite correspondente ao valor pago das despesas judiciais em 2016 (ano base de cálculo do teto de gastos) corrigido pelo mesmo fator de correção do teto. Os valores que excedessem este limite a partir de 2022 seriam acumulados para quitação em anos seguintes.
Como mostraram Marcos Mendes e assessores da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, esta “solução” tende a gerar um volume crescente do saldo devedor não pago, com consequências muito negativas para a credibilidade da União.
O fato de que um possível estouro do teto de gastos não é suficiente para acionar seus gatilhos, por sua vez, evidencia a fragilidade da PEC Emergencial também aprovada a toque de caixa alguns meses atrás.
O próximo candidato ao “fast track” legislativo pode ser o Auxílio Brasil, o novo programa social do governo. Sua tramitação será especialmente complicada diante do fato de que a medida provisória não estabeleceu os valores dos benefícios. Além dos problemas de desenho do programa que isso representa, existe o grande risco de que a disputa política resulte em valores muito elevados e com grande impacto fiscal.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 03/09/2021.
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