Qual foi o impacto do teto Temer sobre o gasto primário?
Fazendo a conta certa, o teto Temer, que completou cinco anos de vigência em 2021, não reduziu, mas também não aumentou o gasto primário da União em proporção do PIB. A magnitude da mudança varia substancialmente de acordo com o conceito de gasto utilizado.
Criado em 2016, com vigência a partir de 2017, o atual teto de gasto completou cinco anos em 2021. Os defensores da medida dizem que ela foi importante para diminuir o gasto primário da União. Isso de fato aconteceu, mas a magnitude da redução varia substancialmente de acordo com o conceito de gasto utilizado pelo analista. Comecemos pelos números publicados pelo Tesouro Nacional na semana passada.
A despesa primária da União foi de 19,4% do PIB em 2015 e subiu para 19,9% do PIB, em 2016, devido à expansão fiscal adotada antes da adoção do teto Temer (o “banquete em véspera de dieta”). Cinco anos depois, em 2021, o gasto primário da União foi de 18,6% do PIB, ou seja uma redução de 1,3 ponto percentual (pp) do PIB em relação ao verificado em 2016, como apresentado na figura 1. Por esse critério houve grande redução do gasto primário da União. Aplausos ao teto Temer!
FIGURA 1
Alguns defensores mais empolgados do teto Temer chegam a dizer que a redução do gasto teria sido maior se o PIB tivesse crescido mais rápido, mas esse tipo de afirmativa cai naquela piada do economista ideológico que, diante de uma divergência entre a teoria e os fatos, fica sempre do lado da teoria e diz que errado está o mundo.
No mundo dos economistas não ideológicos, cabe perguntar se redução do gasto primário foi mesmo de 1,3 pp do PIB como apresentado na figura 1. Eu acho que não por dois motivos.
Em primeiro lugar, como a expansão fiscal de 2016 foi parte das medidas preparatórias do teto Temer (“primeiro aumenta o gasto, depois coloca o teto”), acho mais correto comparar o gasto de 2021 (18,6% do PIB) com o gasto de 2015 (19,4% do PIB). Nessa base de comparação o gasto caiu 0,8 pp do PIB em cinco anos. Houve redução, mas menor do que os 1,3 pp do PIB apontados na figura 1.
Em segundo lugar, o gasto de 2015 foi inflado pelo pagamento de atrasados de anos anteriores, ou seja, despesas não relacionadas ao orçamento daquele ano e sem impacto econômico em 2015. Quanto foi esse valor? De acordo com determinação do TCU e publicado pelo Banco Central, o gasto com atrasados de anos anteriores atingiu R$ 45,9 bilhões em 2015 e, portanto, a despesa daquele ano foi inferior ao reportado pelo Tesouro Nacional em 0,8 pp do PIB. Dado que a maioria dos defensores do teto Temer concorda com a avaliação do TCU sobre 2015, que depois serviu de base para o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, creio que podemos fazer esse ajuste nas séries do Tesouro Nacional.
A figura 2 apresenta o gasto primário ajustado à determinação do TCU. Além desse ajuste, a figura 2 também exclui o efeito da capitalização da Petrobras e cessão onerosa de Petróleo à Petrobras sobre a despesa primária, pois essas transações não recorrentes elevaram substancialmente o gasto da União em 2010 (Governo Lula) e 2019 (Governo Bolsonaro).
FIGURA 2
Com base nos dados ajustados à determinação do TCU, o gasto primário da União passou de 18,7% do PIB, em 2015, para 18,6% do PIB, em 2021. A redução total foi, portanto, de 0,1 pp do PIB em seis anos, bem menor do que o usualmente reportado pelos defensores do teto Temer. Diante desses fatos, creio que podemos dizer que, do ponto de vista orçamentário, o teto Temer impediu o crescimento da despesa primária da União. Medido em proporção do PIB, o gasto verificado em 2021 foi praticamente igual ao verificado em 2015.
E em 2022? Na prática o teto Temer já caiu, mas falta encerrá-lo formalmente. Enquanto isso não acontece, com base no espaço fiscal “extrateto” de R$ 106,1 bi aprovado pelo Congresso, estimo que a despesa primária da União subirá 0,1 do PIB em relação à 2021. Essa estimativa é muito incerta, pois ainda há muitas dúvidas sobre o desempenho do PIB brasileiro em 2022 e a evolução do gasto do governo Bolsonaro em ano de eleição. Caso ela se confirme e a regra fiscal finalmente mude em 2023, o teto Temer terá mantido o gasto primário da União no patamar de 2015.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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