Desafios para os bancos centrais
BIS alerta para desafios macroeconômicos globais “assustadores”, com possível ponto de inflexão da psicologia inflacionária e riscos que alta dívida pública e privada representa ante alta do juro para combater inflação.
Resultado de uma parceria entre 63 bancos centrais (BCs), o BIS, o Banco de Compensações Internacionais, também chamado de banco central dos bancos centrais, é uma das mais influentes organizações internacionais em temas como política monetária e mercados financeiros. Fim de semana passado [25 e 16/6], o BIS publicou seu relatório anual, cujo editorial traz o sugestivo título de Sem trégua.
O BIS classifica os desafios macroeconômicos ora enfrentados pelas autoridades de “assustadores”, traçando um paralelo com os anos 1970, quando a economia mundial mergulhou em um processo de estagflação que perigaria de se repetir agora. O raciocínio desenvolvido pelo BIS começa por notar que a maioria dos países está experimentando significativa alta em suas taxas de inflação: em abril passado, três quartos deles registravam inflação em 12 meses acima de 5%.
Um processo de alta inflação se diferencia de outro de baixa inflação, como aquele que prevaleceu ao longo das últimas décadas, de diversas e preocupantes maneiras. Em especial, ainda que ambos tendam a se autoalimentar, os “regimes de alta inflação (...) não exibem propriedades de autoequilíbrio, as mudanças de preços são muito mais sincronizadas e a inflação é muito mais um ponto focal para o comportamento dos agentes econômicos, exercendo uma grande influência sobre ele”.
E, na visão do BIS, “podemos estar chegando a um ponto de inflexão, além do qual uma psicologia inflacionária se espalha e se torna entrincheirada. Isso significaria uma grande mudança de paradigma”. Por isso mesmo, é primordial que os BCs não hesitem em apertar a política monetária e trazer logo a inflação para suas metas, sob o risco de uma inflação alta por muito tempo levar os agentes econômicos a mudarem de comportamento.
O próprio BIS, porém, alerta para os riscos que esse processo traz para a estabilidade financeira. Isso porque significa deixar para trás uma fase já longa de taxas de juros historicamente baixas, que levaram a “níveis de dívida — privada e pública — (que) nunca foram tão altos”.
Uma dimensão desse problema é fiscal: uma política monetária restritiva vai piorar tanto o resultado primário, com menores receitas e maiores despesas, quanto elevar as despesas com juros. Isso em um contexto em que, nos EUA bem como na Europa, as dívidas públicas nunca foram tão altas. Um exemplo do que pode estar por vir é o estresse vivido pelos mercados de títulos públicos de Itália e Espanha, quando o Banco Central Europeu começou a subir os juros e anunciou que pararia de emitir moeda para financiar os governos da área do euro. Um passo que, aliás, o Fed, o BC americano, já dera semanas antes.
Também o endividamento privado aumentou muito em reação às taxas de juros reais negativas praticadas pelos principais BCs nas últimas décadas e, em especial, desde a Grande Crise Financeira de 2008-09. As empresas, em especial, terão dificuldade de rolar as dívidas a taxas tão baixas como vinham fazendo, não só porque as taxas básicas subiram, mas também porque o risco de inadimplência aumentou. As famílias, por sua vez, além de também terem de ajustar seus orçamentos, verão seu patrimônio perder valor, conforme caem os preços de ativos como ações e imóveis.
Também os países emergentes vão enfrentar maiores dificuldades nesse ambiente de políticas monetárias mais restritivas. A liquidez internacional vai secar e o dólar se valorizar, o que significa que será preciso reduzir o déficit externo e administrar a pressão inflacionária vinda de um câmbio mais desvalorizado. Em alguns casos, como já se vê, haverá calotes na dívida externa e pedidos de socorro ao FMI.
Implícita nas considerações do BIS está a conclusão de que estamos passando por uma transição de regimes, que só será bem-sucedida se ajustarmos a política fiscal de acordo. O que temos visto nas últimas décadas, porém, é que “por muito tempo, tem havido uma tentação de recorrer à política fiscal e monetária para impulsionar o crescimento, independentemente das causas subjacentes da fraqueza. Para a política fiscal, em particular, o afrouxamento durante as contrações não deu lugar à consolidação durante as expansões. A tentação de adiar o ajuste tem sido muito forte”.
Será que as coisas vão mudar à frente? Eu temo que não e que isso acabe por limitar o espaço para os BCs controlarem a inflação, que pode ficar alta durante bastante tempo.
Este artigo foi publicado originalmente pelo Correio Braziliense em 29/06/2022.
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