Efeitos persistentes de crises econômicas
Pandemia teve de início forte impacto negativo na economia e no mercado de trabalho. Apesar da recuperação vigorosa desde o ano passado, persistem dúvidas sobre possíveis efeitos negativos sobre o crescimento no longo prazo.
A pandemia de Covid-19 teve inicialmente um forte impacto negativo na atividade econômica e no mercado de trabalho. Apesar da recuperação vigorosa verificada desde o ano passado em vários países, persistem dúvidas sobre possíveis efeitos negativos sobre o crescimento no longo prazo, principalmente devido às perdas de capital humano.
Embora não tenha foco na pandemia, um estudo divulgado recentemente por pesquisadores do BIS, Bank of Finland, Yale e King´s College London (“The Scarring Effects of Deep Contractions”) apresenta evidências que podem ser relevantes para a análise dos seus efeitos no longo prazo.
Com base em dados de painel de 24 economias avançadas e emergentes desde a década de 1970, os autores mostram que contrações econômicas profundas têm efeitos persistentes sobre a atividade econômica. Em particular, a taxa de crescimento do PIB no período de 10 anos após uma crise econômica permanece significativamente abaixo da tendência pré-crise. Isso equivale a uma queda do PIB de 4,25% em relação ao nível que prevaleceria em uma economia avançada na ausência da recessão.
Outro resultado interessante é que os efeitos de longo prazo sobre o PIB não dependem da razão pela qual a contração econômica ocorreu. Embora vários episódios estejam associados a crises financeiras, outros decorreram de políticas monetárias restritivas para combater a inflação, e os maiores impactos decorreram de choques de oferta causados por disrupções no mercado de energia.
O estudo também mostra que a severidade dos efeitos de longo prazo depende da magnitude da contração inicial. Em particular, recessões moderadas não têm efeitos persistentes. Além disso, existe uma assimetria no sentido de que expansões econômicas não têm efeitos duradouros sobre a atividade, ou seja, somente contrações significativas têm impactos persistentes.
Com base nessas evidências, como avaliar a probabilidade de que a pandemia tenha efeitos de longo prazo na economia? Em princípio, a rápida recuperação da atividade econômica em várias economias avançadas e emergentes, como o Brasil, parece indicar que os efeitos da pandemia não teriam sido duradouros.
No entanto, essa rápida retomada decorreu em grande medida de enormes estímulos monetários e fiscais, cujas consequências se fizeram sentir na aceleração inflacionária que já sendo combatida por políticas monetárias contracionistas em diversos países. Outro fator que pode ter implicações persistentes é o grande choque nos preços de energia, causado inicialmente pela pandemia e agravado posteriormente pela guerra na Ucrânia.
Outro ponto a ser considerado é que recessões profundas têm efeitos heterogêneos em países, setores e grupos de trabalhadores. Por exemplo, um relatório do Banco Mundial divulgado ano passado (“Employment in Crisis: The Path to Better Jobs in a Post-COVID-19 Latin America”) mostra que crises econômicas na América Latina têm efeitos de longo prazo sobre o mercado de trabalho, afetando principalmente os trabalhadores de menor escolaridade.
No caso do Brasil, enquanto trabalhadores com ensino superior completo são pouco atingidos, as consequências sobre o salário e o emprego do trabalhador típico ainda estão presentes nove anos depois do início da crise. O relatório também mostra que aqueles que entram no mercado de trabalho durante uma recessão profunda têm sua carreira negativamente afetada de forma duradoura.
Essas evidências são particularmente relevantes para avaliarmos o mercado de trabalho brasileiro. Embora a queda da taxa de desemprego este ano tenha sido muito expressiva, ela provavelmente voltará a aumentar ano que vem quando a atividade econômica desacelerar em consequência dos efeitos defasados da elevação da Selic.
Além disso, a taxa de desemprego de longa duração ainda se encontra muito elevada, assim como diversos indicadores de subutilização da mão de obra. Como apontado pelo Banco Mundial no caso de crises passadas, a pandemia atingiu principalmente os trabalhadores de menor escolaridade, cuja reinserção no mercado de trabalho será difícil.
Neste sentido, uma agenda fundamental do novo governo deveria ser minimizar possíveis efeitos de longo prazo da pandemia sobre o mercado de trabalho, com ênfase na melhoria da intermediação do emprego e da qualificação dos trabalhadores. Também será indispensável um redesenho do Auxílio Brasil de modo a aumentar sua efetividade na proteção dos mais vulneráveis.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 28/10/2022.
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