Lula III
Tarefa de Lula será extremamente difícil, pois extrema direita foi muito bem na eleição em 2/10. Resultante programática da configuração heterogênea de forças que venceu deve ser centrista – não pode haver erro nessa questão.
No segundo turno de 30 de outubro, o Brasil optou por outorgar a Lula um terceiro mandato e, assim, dar à democracia uma nova chance. Ele e seu partido, o PT, jamais ameaçaram o regime democrático. Pelo contrário, deram-lhe a mais robusta e disciplinada organização partidária de base popular da história brasileira. Cabe enfatizar que, sem partidos desta natureza, a democracia não funciona bem. A contribuição da direita para a constituição de tais partidos no país é pífia. Não à toa, acabou sempre recorrendo ou a autocratas demagogos ou aos militares para derrotar a esquerda. Como tentou fazer novamente em 2022.
Os erros de política econômica que Dilma Rousseff cometeu e o fato de o PT ter se envolvido em escândalos de corrupção não devem ser confundidos com ameaças à democracia. São graves fiascos com consequências negativas não desejadas para a legitimidade do regime democrático. Entretanto, jamais podem ser igualados a ameaças explícitas à democracia animadas por um projeto óbvio de exercício autocrático do poder, como são as frequentes ameaças feitas por Bolsonaro e seus seguidores. E alegar que o respaldo diplomático dado pelo PT a regimes autoritários no exterior é ameaça à democracia no plano doméstico não é argumento sério. Os regimes democráticos costumam apoiar autocracias por razões de política exterior. Trata-se, sem dúvida, de hipocrisia ou de realpolitik, dois sinônimos. O que dizer do apoio que os EUA, França e Reino Unido têm oferecido a ditaduras no mundo inteiro, há décadas? Por acaso isso os tornou menos democráticos dentro de casa? Claro que não.
Todavia, a tarefa de Lula será extremamente difícil. Isso porque, mesmo com a derrota de Bolsonaro, a extrema direita saiu-se muito bem nas eleições gerais de 2 de outubro. Este agrupamento político consolidou a trajetória ascendente iniciada em 2018, como asseverou Jairo Nicolau, principal estudioso das eleições nacionais[1]. Logo, o bolsonarismo reterá muita influência no Congresso, no Poder Judiciário, em alguns dos maiores governos estaduais, no seio das Forças Armadas e das polícias estaduais, e em relevantes setores sociais e econômicos (evangélicos, agronegócio, empresariado e finanças). Sob o terceiro governo de Lula, a radicalização ideológica protagonizada pela extrema direita permanecerá. Repita-se: jamais se deve subestimar a potência do bolsonarismo, o qual mostrou ter uma base popular extensa, contando também com grandes aliados no campo conservador. Além disso, a situação econômica do país e do mundo continuará também frágil.
Portanto, Lula só tem uma alternativa para reavivar a democracia e conseguir governar de maneira minimamente eficaz: expandir e aprofundar a frente democrática que vem costurando desde a escolha de Geraldo Alckmin como seu candidato a vice-presidente, indo do PSOL até o União Brasil, o PSD e os nacos mais pragmáticos do Centrão. O apoio que Simone Tebet (MDB), o PDT de Ciro Gomes e os setores progressistas do PDSB deram a Lula no segundo turno foi vital para a vitória apertada que teve o candidato do PT. A resultante programática de uma configuração de forças tão heterogênea há de ser necessariamente centrista. Lula não poderá cometer nenhum erro nesse sentido.
Esta coluna foi escrita a partir da atualização do artigo do autor no Boletim Macro Ibre de novembro/2022, escrito antes do segundo turno eleitoral.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Ver “Entrevista com Jairo Nicolau – O bolsonarismo vitorioso em 2022 é muito mais potente”, Nexo, 03/10/2022, disponível em https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2022/10/03/%E2%80%98O-bolsonarismo-vitorioso-em-2022-%C3%A9-muito-mais-potente%E2%80%99.
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