Presidente, deixe Haddad e Campos Neto trabalharem
Lula intensifica sinais contraditórios às políticas da Fazenda em temas como BNDES e ICMS e critica política monetária. Já defendi que meta de 3% é muito baixa para o Brasil, mas penso que hoje não temos condições de elevá-la.
No artigo do mês passado, observei que Lula tem dado sinais contraditórios a respeito de sua política econômica neste terceiro mandato. A toada segue se intensificando. Cada vez mais as declarações do presidente tornam a estabilidade econômica mais difícil de atingir. O ministro da Fazenda tem sido bastante persistente em dizer que o arcabouço fiscal de médio e longo prazo é sua prioridade para ainda este trimestre. Enquanto isto, Lula foi ao exterior para dizer que o BNDES voltará a financiar países vizinhos. Como se sabe, o BNDES registra um calote de mais de 1 bilhão de dólares com atrasados de outros países, entre eles entre Cuba e Venezuela. O BNDES foi pago, porque a União era a garantidora dos empréstimos, mas nós brasileiros tivemos que arcar com o ônus. Ao mesmo tempo, o presidente chama uma reunião dos governadores com ele e diz que vai conversar sobre uma compensação aos estados pela perda de ICMS devida à Lei Complementar 194, que impõe um teto no ICMS de combustíveis, energia elétrica, comunicações e transportes coletivos. Todos os governadores compareceram e os jornais anunciaram a reunião como um tremendo sucesso. Pudera, a perda do ICMS causada por esta lei é imensa. Ninguém quereria estar fora de uma discussão como esta. Ocorre que a lei foi aprovada por ampla maioria (Câmara 403 a 10, Senado 65 a 12). Se pensamos que o Senado é a Câmara federativa, onde o equilíbrio de membros (3 por estado) garante uma proteção do equilíbrio da federação, computando-se os votos dos senadores por estado, somente no caso do Rio Grande do Norte (RN) houve maioria dos senadores pela não aprovação. Ou seja, não só uma maioria tão forte que garantiria aprovação até mesmo de uma emenda constitucional, como em todas as unidades da federação à exceção do RN a bancada estadual de senadores foi favorável! E esta lei garante apenas recomposição de receitas para o ano de 2022. Nada diz sobre o futuro. Por que a União tem que pagar por isso? Se os governadores agora querem alterar tal dispositivo, articulem-se no Congresso para derrubar a lei. Já na posse do presidente do BNDES, Lula dá vários recados: subordina a responsabilidade fiscal à responsabilidade social e, pasmem, inventa uma responsabilidade política, também prioritária em relação à fiscal; pede que o BNDES seja usado para fazer o juro cair; reclama que acabaram com a TJLP e instiga o banco a emprestar para estados. Aliás, complementa o discurso gastador com uma pérola em termos de retrocesso: vitupera contra os juros altos e fica bastante chateado com o fato de não estar escutando críticas aos juros altos, nem dos empresários, nem dos trabalhadores. Exorta-os a fazê-las.
Além disto tudo, resolve investir contra a autonomia do Banco Central, reclamando que as metas para a inflação são muito baixas (3% ao ano, comparado com 4,5% ao ano). Com efeito, eu já escrevi 11 artigos no Broadcast, desde fevereiro de 2017, sobre o fato da meta de 3% ser muito baixa para nosso país. Ocorre que a meta não é escolhida pelo Bacen, mas sim pelo CMN, em que os votos são do ministro da Fazenda, da ministra do Planejamento e do presidente do Banco Central. Estando descontente com as metas, o CMN pode alterá-las. Sem mexer na autonomia do Bacen. Nossa autonomia tem inclusive objetivos secundários de emprego e PIB. E foi amplamente discutida por muitas décadas. Talvez por isso, pelo entendimento de qual o papel de um banco central, é que a sociedade brasileira tenha aceitado muito mais as taxas altas (transitórias) de juros: pelo medo de termos inflação alta e persistente. Neste sentido, Campos Neto tem tido uma atuação bastante moderada no Banco Central. Quando a crise apertou na pandemia, foi muito corajoso em colocar a Selic em 2% ao ano. Uma palavra de atenção. Mexer na meta requer muito cuidado para não dar revertério. Hoje não temos as condições para elevar a meta. É necessário primeiro termos o arcabouço fiscal, que garantirá a médio e longo prazo a convergência para níveis aceitáveis da relação dívida/PIB. Sem isso, a elevação da meta pode simplesmente custar mais credibilidade ao sistema de metas do que a manutenção das metas excessivamente baixas que temos hoje. O caso da Argentina em 2018 é bem emblemático do que pode ocorrer. O teto para a inflação de 2018 era de 12%. O presidente Macri resolveu aumentar este teto para 15% em dezembro de 2017. Mas não havia nenhuma garantia que tal meta seria factível, em particular porque não havia restrição fiscal relevante. O resultado foi desastroso: o aumento causou mais desconfiança, fuga de capitais e a inflação de 2018 foi de 47,6%. No caso brasileiro temos um caso de elevação de metas que foi bem sucedido: a mudança que foi anunciada na carta justificando o “estouro” da meta em janeiro de 2003. Nela o Bacen comprometeu-se com uma trajetória de inflação que subia e depois convergia para baixo. A política fiscal, então sob Antonio Palocci, com a ajuda de Joaquim Levy no Tesouro Nacional, foi bastante apertada e garantiu a exequibilidade da trajetória desinflacionária que a Autoridade Monetária propôs. E o sistema reconquistou a credibilidade. Em suma, não se pode aumentar a meta sem que um arcabouço fiscal crível esteja aprovado e tenha sido bem aceito pela sociedade (e para saber se isto está ocorrendo, basta observar o comportamento das taxas longas das NTN-B’s). Seria uma temeridade mudar as metas já na próxima reunião do CMN, sem que tenha sido aprovado o novo arcabouço fiscal.
Neste segundo mês de governo, temos visto o presidente dar muitos e insistentes sinais contraditórios com as políticas que seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem anunciado. Além de reclamar dos juros altos e da autonomia do Bacen, e forçar uma revisão prematura das metas para a inflação. Isto dificulta o trabalho já nada simples de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Lula, por favor, deixe Haddad e Campos Neto trabalharem.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 14/02/2023, terça-feira.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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