Impaciência e imprudência podem pôr a perder oportunidade ímpar para o Brasil
Segundo o economista e pensador Eduardo Giannetti da Fonseca, “a ressaca é o juro do porre”. A frase resume o momento do Brasil. Há “low hanging fruits” a colher, mas tentação da embriaguez fiscal pode colocar tudo a perder.
Não obstante o cenário internacional ofereça grande oportunidade para o Brasil, notadamente pela percepção dos investidores estrangeiros de que há poucos países emergentes “investíveis”, o desperdício de mais essa janela de oportunidade vem se consolidando. É uma pena que a nossa sociedade, particularmente na economia política, seja tão competente em ser incompetente. Não é por acaso que o País se encontra na armadilha da renda média e baixo crescimento desde a década de 80, figurando entre os exemplos clássicos do que não fazer em matéria de progresso socioeconômico, junto de boa parte de seus pares latinos.
Vez ou outra é preciso que relações de causa e efeito triviais precisem ser revisitadas de modo a reverter a fé na embriaguez. Apesar da caricatura da prudência ser uma velha senhora, rica e equilibrada, o desejo insaciável de um porre pode tirá-la do caminho e hipotecar seu futuro promissor. É nesse contexto em que se coloca o debate sobre o tamanho da expansão fiscal, notadamente na atual fase do ciclo econômico, e a esperada resposta de política monetária. Seja na embriaguez ou na política econômica, o tamanho da ressaca ou da taxa de juros guarda direta equivalência com o nível do porre etílico ou fiscal.
Desde a PEC da transição, a percepção de risco em função da expansão fiscal exagerada tem dominado as expectativas dos agentes econômicos. Ainda que alguma correção do orçamento deste ano fosse naturalmente esperada em resposta à recomposição de programas como farmácia popular, merenda escolar e a manutenção dos R$600 para os beneficiários do Auxílio Brasil/Bolsa Família, a versão final aprovada – superior a R$170 bilhões – foi claramente muito acima do requerido para atender as demandas mais urgentes, próximas de R$100 bilhões.
Adicionalmente, decisões envolvendo a concessão de reajustes reais do salário mínimo não apenas para este ano como até 2026, somadas ao retorno da política de subsídios habitacionais no âmbito do programa MCMV, o retorno de concursos públicos e a concessão de reajustes salariais para o funcionalismo, bem como o aumento dos investimentos públicos, são indicadores antecedentes que apontam para uma nova regra fiscal demasiado frouxa e insuficiente para ancorar as expectativas de mercado quanto à trajetória fiscal futura do país. O retorno da política parafiscal, com uso dos bancos públicos como canal de ativação do crescimento econômico, são “um plus a mais” no manifesto fiscal expansionista que se desenha.
A despeito de existir amplo conjunto de medidas que conciliam responsabilidade fiscal com social, com conhecidos ‘low hanging fruits’ de extrema relevância matemática (para maiores detalhes, acesse publicação neste mesmo espaço) e em termos de gestão expectacional da política econômica, até agora essas medidas não fazem parte da lista de preferências reveladas dos policymakers. A revelada baixa taxa de paciência em construir as condições para um arranjo macroeconômico de qualidade superior estendeu-se ainda à política monetária e ao sistema de metas de inflação, tendo colhido como resultado uma inflação implícita em vértices curtos, médios e longos acima de 6,5%, labor diligente que entrega de forma competente juros mais elevados até onde a vista alcança.
A aventura etílica é ainda mais impressionante pois os atores não são os ansiosos e irresponsáveis jovens da geração y ou x, pelo contrário, são velhas senhoras que, pela baixa taxa de paciência e desejo insaciável, renderam-se aos atalhos do prazer imediato, tentação que as legou uma velhice pobre e a eterna crença numa ajuda divina. A vida e a experiência internacional nos ensinam que cabelos brancos não entregam maturidade suficiente para que se compreenda o valor do amanhã, condição necessária para que, no presente, sejam construídas as bases para um futuro mais promissor, próspero, seja em nível do indivíduo ou da sociedade.
As condições geopolíticas e econômicas atualmente colocadas oferecem uma oportunidade ímpar ao País para sair da embriaguez e caminhar para um padrão de desenvolvimento socioeconômico superior. Basta um mínimo de racionalidade dos agentes políticos e formuladores da política econômica. A ordem dos fatores altera o produto, de modo que são as decisões de natureza fiscal-orçamentária as responsáveis pelo espaço discricionário, qualidade e resultado das políticas tributária, creditícia, cambial e monetária. Tão logo seja restabelecida a lucidez e o pragmatismo, a recaída não terá passado de um deslize inconveniente; caso contrário, sucumbiremos coletivamente à mediocridade do andar do bêbado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade única e exclusiva do autor, não refletindo a opinião institucional da FGV.
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