Trabalho

Queda da taxa de participação se concentra entre pobres e menos escolarizados

14 jun 2023

Taxa de participação no Brasil voltou a cair após terceiro trimestre de 2022, levando a redução da força de trabalho estimada contrafactualmente em 3 a 4 milhões de pessoas, e à queda da taxa de desemprego de 2,5 a 3,3pp.

A taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro, que sofreu forte queda durante a pandemia e vinha se recuperando gradativamente, voltou a cair após o terceiro trimestre de 2022. A taxa de participação é a força de trabalho (ocupados mais desocupados) como proporção da população em idade de trabalhar (PIA), que no Brasil inclui aqueles com 14 anos ou mais. A taxa de participação atingiu um pico de 63,8% no trimestre de agosto a outubro de 2019, e ficou em 63,4% no trimestre de dezembro de 2019 a fevereiro de 2020, logo antes da pandemia. Em maio-julho de 2020, atingiu o recorde negativo de 56,7% e, a partir daí, começou a se recuperar. Porém, após um novo pico de 62,7% em julho-setembro de 2022, o indicador voltou a cair, recuando para 61,6% na mensuração de janeiro-março de 2023.

A redução da taxa de participação representa menor contingente de pessoas trabalhando ou buscando ocupação, e como tal é um fator negativo para o crescimento do PIB. Adicionalmente, para um mesmo número de pessoas ocupadas, a taxa de desemprego torna-se mais baixa quando cai a taxa de participação.

Os economistas Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa Filho, Janaína Feijó e Paulo Peruchetti, do FGV IBRE, fizeram exercícios sobre taxas de desemprego contrafactuais caso a taxa de participação tivesse se mantido na média de 2018-19, de 63,4%; e caso a população economicamente ativa (PEA, a soma de ocupados e dos desocupados) estivesse hoje no ponto sugerido pela sua tendência de crescimento. A taxa de desemprego efetiva da PNADC no primeiro trimestre de 2023 foi de 8,8%. Na primeira hipótese contrafactual (taxa de participação constante em 63,4%), a taxa de desemprego no primeiro trimestre teria sido de 11,4% (+2,6 pontos percentuais); na segunda hipótese (PEA na tendência), seria de 12,1% (+3,3pp).

Como se vê, o efeito da queda da taxa de participação (que reduz a PEA) é muito substancial na taxa de desemprego. Com a taxa de participação fixa em 63,4%, há um acréscimo (contrafactual, evidentemente) de 3,2 milhões de trabalhadores na força de trabalho no primeiro trimestre de 2023. E com a PEA seguindo sua tendência de crescimento até o primeiro trimestre deste ano, o acréscimo subiria para 4,1 milhões de trabalhadores.

Uma forma de mensurar o nível conjuntural do mercado de trabalho, evitando as oscilações na taxa de desemprego em função de mudanças na taxa de participação, é mirar a relação entre a população ocupada (PO) e a PIA, o que o IBGE chama de nível de ocupação (razão PO/PIA).

Na série da PNADC iniciada em 2012, o pico da relação PO/PIA aconteceu no último trimestre de 2013, quando atingiu 58,5%. A grande recessão de 2014-16 teve forte impacto no nível de ocupação, levando-o para 54,1% no primeiro trimestre de 2017. A recuperação a partir desse ponto levou a PO/PIA a um novo pico de 56,5% no final de 2019, tendo  despencado com a pandemia até 48,5% no trimestre junho-agosto de 2020. Um primeiro ponto a ser notado é que a grande recessão de meados da década passada parece ter tido um efeito negativo duradouro no nível de ocupação, que, às vésperas da pandemia, ainda seguia 2pp abaixo do pico anterior em 2013.  

Passado o pior do efeito pandêmico no mercado de trabalho, ainda em 2020, a PO/PIA voltou a subir, atingindo novo pico de 57,4% no segundo semestre de 2022 – mais elevado do que o pré-pandemia, mas ainda aquém do recorde de 2013. A partir desse último pico, porém, o nível de ocupação voltou a cair, chegando a 56,1% no primeiro trimestre de 2023. 

O nível de ocupação, representado pela razão PO/PIA, pode ser separado em dois diferentes componentes, a taxa de emprego e a taxa de participação, na fórmula PO/PIA = PO/PEA X PEA/PIA = TE X TP. TE é a taxa de emprego e TP a taxa de participação. Fica claro, portanto, que elevações da taxa de emprego podem não significar maior proporção de pessoas ocupadas na economia, caso a taxa de participação caia – e esse é exatamente o efeito que se observa no Brasil nos últimos anos.

Assim, entre o quarto trimestre de 2019 e o primeiro trimestre de 2023, houve um recuo de 0,4 ponto percentual (pp) no nível de  ocupação (relação PO/PIA), que passou de 56,5% para 56,1%. Na verdade, a taxa de emprego contribuiu para elevar a razão PO/PIA em 1,4pp no período, mas a taxa de participação deu uma contribuição negativa de 1,8pp, resultando na queda de 0,4pp do nível de ocupação. Já no período mais curto do terceiro trimestre de 2022 ao primeiro trimestre de 2023, a PO/PIA recuou 1,1pp, com contribuição de -0,1pp da taxa de emprego e de -1pp da taxa de participação.

Ao analisarem em mais detalhe a queda da taxa de participação nos últimos anos, os pesquisadores do FGV IBRE constataram que os grupos que mais contribuíram para essa queda foram os de baixa escolaridade e menores faixas de rendimento do trabalho domiciliar per capita. Nota-se, segundo Barbosa Filho, um movimento de longo prazo de queda da participação desses grupos. Veloso, no entanto, frisa que a queda extrema e posterior recuperação da taxa de participação a partir de 2020, que também se concentrou nos trabalhadores mais pobres e menos escolarizados, foi fundamentalmente ligada aos efeitos da pandemia no mercado de trabalho.

Já a saída mais intensa desses mesmos grupos do mercado de trabalho mais recentemente, de forma especial a partir do final de 2022, pode estar ligada, na visão de Barbosa Filho, ao grande aumento do valor real do programa principal de transferência de renda do governo, o Bolsa-Família (que foi rebatizado de Auxílio Brasil no governo de Jair Bolsonaro e agora, com Luiz Inácio Lula da Silva na presidência, voltou ao nome original). O economista, entretanto, deixa claro que essa é uma hipótese por enquanto especulativa.

Para tentar investigar as causas da queda da taxa de participação no Brasil, os economistas do FGV IBRE decompuseram o indicador para diferentes faixas etárias, de renda e educacionais. O mesmo exercício foi feito para a razão PO/PIA e para a taxa de emprego.

Quando a decomposição é feita por faixa etária, os trabalhadores que menos participam são os das faixas extremas, a de menor e a de maior idade. Tomando todas as demais faixas, vai-se para um intervalo bem mais elevado, no qual a taxa de participação sobe das faixas jovens até o pico por parte dos que têm entre 30 e 39 anos de idade, e depois volta a cair para as faixas de mais idade. Quando se examinam as variações desde 2012 da taxa de participação das diferentes faixas etárias, não se encontra um padrão claro de diferenciação entre as suas trajetórias.

No caso das diferentes faixas educacionais, quanto mais escolaridade, maior a taxa de participação, que atinge mais de 80% entre aqueles com nível universitário. Nesse caso, há um padrão claro de diferenciação de trajetórias desde 2012, com a tendência de queda da taxa de participação puxada pelos menos instruídos. Desde 2012, o grupo que mais reduziu a taxa de participação foi o ‘sem instrução e fundamental incompleto’, que caiu de 49,8% para 41,2%. Nos dois períodos mais recentes analisados acima – quarto trimestre de 2019 a primeiro trimestre de 2023 e terceiro trimestre de 2022 a primeiro trimestre de 2023 –, a maior queda é do grupo com ‘fundamental completo e médio incompleto’.

Em termos de renda (do trabalho, domiciliar per capita), como no caso do nível de escolaridade, a taxa de participação aumenta de forma regular da faixa mais baixa até a mais alta. Também como no caso da educação, a maior redução da taxa de participação desde 2012 foi a da menor faixa de renda (zero a R$ 325), e as três menores faixas de renda (além da mencionada anteriormente, R$ 325 a R$ 650 e R$ 650 a R$ 1300) foram as que sofreram as maiores quedas da taxa de participação tanto no período 4º tri 2019-1º tri 2023 quanto no período 3º tri 2022-1º tri 2023.

Na queda da taxa de participação no período 4º tri2019-1º tri 2023, que foi de 2 pontos porcentuais, a contribuição do grupo ‘sem instrução e com fundamental incompleto’ foi de -2,4pp, a do ‘fundamental completo e médio incompleto’ de -1,03pp, enquanto os grupos ‘médio completo e superior incompleto’ e ‘superior completo’ contribuíram positivamente com 0,22pp e 1,22pp. Já na queda da taxa de participação de 1,12pp no período 3º tri 2022-1º tri 2023, as contribuições foram de -0,71pp do grupo ‘sem instrução e com fundamental incompleto’, -0,42pp do ‘fundamental completo e médio incompleto’, -0,12pp do ‘médio completo e superior incompleto’ e +0,12 do ‘superior completo’.

Ao se decompor a variação da taxa de participação pela faixa de renda nos períodos 4º tri 2019-1º tri 2023 e 3º tri 2022-1º tri 2023, constata-se que houve queda nas três faixas inferiores, e elevação nas quatro faixas superiores (de R$ 1,3 mil para cima). A resultante é de queda da taxa de participação de todas as faixas, como já mencionado.

Quando se fazem as mesmas análises utilizando o nível de ocupação (razão PO-PIA) e a taxa de emprego, os resultados apontam na mesma direção, de queda maior entre os mais pobres e com menos escolaridade.

Nota-se também, na decomposição por faixa etária da queda da taxa de participação, da razão PO-PIA e da taxa de emprego nos dois períodos mais recentes examinados nesta Carta que, de forma geral, as faixas mais jovens contribuíram mais para o movimento do que as mais velhas.

Em conclusão, os economistas do FGV IBRE veem uma redução da taxa de participação na economia brasileira que atinge  sobretudo a população de menor renda e escolaridade. Essa queda da taxa de participação pode não só atrapalhar a leitura da taxa de desemprego como termômetro da geração de empregos pela economia, como explicado acima, como pode também reduzir os efeitos benéficos, em termos de PIB e de bem estar das famílias, de melhoras no funcionamento do mercado de trabalho. Finalmente, há indícios, por ora não comprovados, de que a queda da taxa de participação desde o segundo semestre de 2023 pode estar associada ao grande aumento do volume das transferências de renda às famílias.


Esta é a Carta do IBRE de junho/2023, da Conjuntura Econômica.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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