Cenários

Reformas avançam, mas ainda há desafios

24 jul 2023

Avanços no controle da inflação – que pode ocorrer sem recessão – na reforma tributária na Câmara e no marco fiscal no Senado, além da manutenção da meta de inflação em 3%, são boas notícias e valorizaram ativos brasileiros.

O ambiente econômico evoluiu favoravelmente nas últimas semanas, no exterior e no Brasil. Nos dois casos, fruto de uma significativa desaceleração das taxas de inflação, conseguida a despeito de indicadores muito favoráveis no mercado de trabalho. Há uma expectativa crescente de que será possível controlar a escalada inflacionária do pós-pandemia sem a necessidade de uma recessão. Isso abriria espaço para um cenário de menos aperto monetário, seja interrompendo mais cedo o ciclo de altas nos EUA, seja cortando mais rápida e significativamente as taxas de juros em países como o Brasil. Isso se traduziu em um dólar mais fraco e queda nos juros longos, o que em geral é bom para os países emergentes.

No Brasil, somou-se a essa percepção de um ambiente doméstico e externo mais favorável a aprovação, após décadas de debate sobre sua necessidade, de uma reforma do sistema de tributos sobre o consumo de bens e serviços. Uma PEC nesse sentido foi aprovada pela Câmara no dia 6 de julho, por ampla maioria, e já está sendo analisada no Senado Federal.

Vários estudos apontam que o nosso sistema tributário sobre o consumo de bens e serviços é um entrave ao crescimento da produtividade do Brasil e, consequentemente, limita o nosso potencial de crescimento. Esses estudos mostram que o atual sistema gera não apenas má alocação produtiva, como também má alocação regional da produção e com impactos distributivos.

Desde 2015, quando participou da criação do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), o economista Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, tem se dedicado à defesa da reforma do sistema tributário brasileiro. Em 2017, no livro Anatomia da Produtividade no Brasil, publicado pelo FGV IBRE, Appy descreveu com detalhes as distorções que o atual sistema tributário provoca na produtividade do país, no capítulo dedicado ao tema “Tributação e Produtividade no Brasil”.

Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo que simula os impactos econômicos, regionais e setoriais das propostas de reforma tributária sobre a estrutura produtiva da economia brasileira. O estudo, intitulado “Propostas de reforma tributária e seus impactos: uma avaliação comparativa”, conclui que a adoção do Substitutivo à PEC 45/2019 acrescentaria 2,3 pontos percentuais ao crescimento do PIB acumulado até 2032, em relação ao cenário sem nenhuma reforma.[1]

Assim, a reforma do nosso sistema pode não apenas melhorar o ambiente de negócios no Brasil, como também reduzir a má alocação regional da produção. Porém, há ainda muitos pontos controversos ou em aberto sobre o efetivo escopo da reforma, gerando dúvidas que, esperamos, sejam clarificadas, na direção correta, do ponto de vista da eficiência econômica, durante a tramitação no Senado Federal.

São perguntas em aberto: qual será a alíquota base? Qual o impacto sobre essa alíquota base das concessões feitas a setores específicos da economia, com a criação de regimes especiais e alíquotas diferenciadas para determinados bens e serviços? Faz sentido inserir na Constituição uma permissão para estados criarem impostos sobre produtos primários e semielaborados? Faz sentido deixar os prefeitos fixarem o valor do IPTU por decreto? Entre tantas outras.

E, claro, fica no ar a questão: em que medida o que for afinal aprovado irá comprometer os benefícios esperados da reforma, comparado ao que constava da PEC 45/2019? Assim, por exemplo, outro recente estudo do IPEA – “Propostas de Reforma Tributária e seus impactos: Uma avaliação comparativa”, do pesquisador João Mario de Oliveira – projeta que a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços ficaria em 28,04%, a mais alta do mundo.[2] Quanto essa alíquota pode estimular a informalidade e, com isso, comprometer o ganho projetado de produtividade e crescimento?

Mesmo com tantas dúvidas, porém, trata-se de um grande avanço institucional e é uma boa notícia, que se contrapõe aos dados negativos do novo Censo divulgado pelo IBGE, mostrando que, entre 2010 e 2022, a taxa de crescimento da população brasileira foi de 0,52% ao ano, ou seja, metade do estimado anteriormente pelo Instituto. De acordo com os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli, tivemos um crescimento do PIB per capita superior ao crescimento da produtividade do trabalho entre 1980 e 2010, devido ao fato de que a incorporação de mão de obra ao processo produtivo ocorreu mais rapidamente do que a expansão da população total, fenômeno conhecido como bônus demográfico. Porém, o fim desse bônus pode ter ocorrido ainda mais cedo do que previsto anteriormente. Consequentemente, o tema da produtividade ganha ainda mais protagonismo no debate sobre o crescimento sustentável da economia.

Outra boa notícia recente foi a manutenção da meta de inflação em 3%, para 2026, pelo Conselho Monetário Nacional. Como esperado, após essa decisão as expectativas de inflação para horizontes de 2025 em diante recuaram significativamente: no início de junho estavam em 4%, recuando para 3,55% e 3,50%, para 2025 e 2026, respectivamente, de acordo com o Relatório Focus divulgado no dia 17 de julho. Além disso, o IPCA de junho mostrou deflação de 0,08% e tudo indica que o ano fechará com uma inflação abaixo de 5%.

No entanto, apesar da melhora no índice cheio de inflação, a média dos núcleos – medidas utilizadas para suavizar volatilidades e choques de oferta, que estão mais relacionadas ao impacto da política monetária –, tem desacelerado bem mais lentamente. Entre as medidas divulgadas pelo IBGE temos o IPCA-EX3, que agrega apenas itens selecionados de serviços e bens industriais, e que estudos indicam que inclui componentes da inflação mais sensíveis ao ciclo econômico.[3] Em particular, nessa métrica a inflação em 12 meses está em 7,4%, mostrando uma lenta desaceleração em relação a um ano atrás, quando atingiu 10,2%. Com relação ao índice cheio, a desinflação no mesmo período foi de 11,9%, para 3,2%.

Ou seja, o dado de junho consolida o processo de desinflação de alimentos e de bens industriais, movimento que deve seguir sendo apoiado pela queda no preço de commodities, pela recente valorização do real, pela desobstrução das cadeias globais de valor e pela menor demanda por bens, como mostram as pesquisadas de comércio e indústria do IBGE. Porém, também confirma uma pressão maior nos itens mais sensíveis ao ciclo econômico, como os serviços.

E, como esperado, concomitantemente aos dados mais pressionados de inflação de núcleos/serviços, foram divulgadas boas notícias relacionadas à resiliência do mercado de trabalho, como a taxa de desemprego girando em torno de 8%, em termos dessazonalizados, assim como o forte crescimento do setor serviços (PMS).

E esta é a grande dúvida: nesse cenário, como vamos conseguir desinflacionar a economia sem custos em termos de geração de emprego e do consumo das famílias?

Mesmo esperando o afrouxamento monetário em agosto, é importante ressaltar que alguns membros do Copom mostram uma cautela maior, destacando que “os passos futuros da política monetária dependerão da evolução da dinâmica inflacionária, em especial dos componentes mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica”. Nesse sentido, mesmo havendo espaço para o início do afrouxamento monetário, ainda estamos muitos distantes de cortes expressivos.

Contribui para essa avaliação a constatação de que, na contramão do que busca a política monetária, o governo tem promovido políticas de estímulos à atividade econômica, como a desoneração para automóveis, caminhões e ônibus; o programa Desenrola, para redução do endividamento das famílias; a volta dos subsídios fora do Orçamento nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre outras inciativas, como o aumento expressivo do Bolsa Família e a elevação do valor real do salário-mínimo. Tudo indica que essa tensão entre a política fiscal/ parafiscal expansionista e a política monetária restritiva continuará ainda por algum tempo.

No momento atual, com a melhora do ambiente externo, mas em que os pares emergentes oferecem menor atratividade relativa, a aprovação no Senado do arcabouço fiscal e, na Câmara, da reforma tributária e da proposta que retoma o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) podem ter contribuído para valorizar os ativos domésticos. Porém, esse ciclo de valorização –com apreciação do real, alta na bolsa de valores e queda dos juros longos – já parece ter parado, pelo menos por ora, talvez refletindo o fato de que os desafios domésticos para uma aceleração mais perene da atividade, com a inflação na meta e com sustentabilidade fiscal, permanecem.

 

Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Julho de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.