Uma decisão acertada do Copom
Há indícios claros de que política monetária está sendo eficaz em desaquecer a economia e que efeito de diminuição da taxa de inflação está ocorrendo. Ritmo da desaceleração da atividade e da inflação ditará cortes adequados.
Na quarta passada, dia 2/8, o Copom decidiu por uma redução de 0,5% na taxa selic, que agora passa a ser de 13,25%. Esta decisão foi acertada. No início do ano havia alguma incerteza sobre o efeito da política monetária na economia. O PIB estava crescendo acima do que se supunha dever estar acontecendo. No entanto, as dúvidas foram em boa parte dissipadas quando foi divulgado o número oficial do IBGE. Isto porque ficou claro que o aumento expressivo de PIB (1,9% no primeiro trimestre deste ano frente ao último de 2022) deveu-se praticamente ao setor agropecuário e aos serviços ligados ao transporte da safra. Um típico “choque de oferta positivo”, sem relação com a demanda agregada da economia. A seguir, o PIB mostrou uma contração grande de 3% em maio comparado com abril deste ano (pelo monitor do PIB da FGV) e as taxas de inflação e os núcleos em geral continuaram a cair. Por fim, mais recentemente, até mesmo os núcleos de serviços subjacentes, que estavam mais resistentes, mostraram queda no IPCA-15 de julho. Assim, temos: (1) indícios claros de que a política monetária está sendo eficaz no desaquecimento da atividade econômica e (2) o efeito de diminuição da taxa de inflação está ocorrendo. Houve até mesmo um recuo da inflação esperada pelo Focus do Bacen para a frente. É muito importante ressaltar que uma elevação da taxa de juros age na inflação principalmente pelo seu efeito contracionista na demanda da economia. Deste modo, desaquecimento da atividade econômica é um sinal antecedente de a inflação mais adiante ser bem comportada.
Quando está-se combatendo um surto inflacionário, como o que vimos nos anos de 2021 e 2022, a política monetária deve ser apertada o suficiente para desaquecer a demanda excessiva. Mas não deve fazer um “overkill”. Ocorre que com a selic fixada em 13,75% ao ano, a taxa de juros real da economia brasileira estava em 9,3% ao ano. Muito acima da taxa real de longo prazo, seja medida pelas NTN-B’s de 2050 (por volta de 5,5% ao ano), seja pela medida que o Banco Central utiliza, que é de 4,5% (item 6 da Ata do Copom de junho, publicada em 27/6/23). Desta forma, não há dúvida alguma que a taxa selic está em níveis bastante contracionistas. E que a taxa real permanecerá ainda mais alta que a taxa de equilíbrio por um tempo bem longo (até pelo menos o terceiro trimestre do ano que vem), mesmo que o ritmo de queda mantenha-se em 0,5% a cada reunião do Copom. Assim, a decisão de começar com um corte mais pronunciado do que os conservadores advogavam (que era de 0,25%) foi correta. Uma redução de 0,25%, mesmo que seguida de várias de 0,5%, empurraria pelo menos para o quarto trimestre do ano que vem o período em que as taxas de juros reais continuariam em terreno contracionista. Até mesmo pode-se considerar um corte de 0,75% em alguma (ou mais de uma) reunião do Copom mais adiante. O ritmo da desaceleração da economia e da inflação irá ditar os cortes adequados. Recentemente, o Banco Central do Chile iniciou o processo de redução das taxas de juros entre países emergentes, com um surpreendente corte de 1%. Não estou advogando que esta deveria ter sido a atitude do Bacen, pois a economia chilena parece responder mais rapidamente à elevação e à redução de juros que a brasileira. E ainda temos muita incerteza em relação à política fiscal em nosso país. Há duas dúvidas importantes: (1) ainda não sabemos se a câmara dos deputados vai recuperar o texto original do arcabouço fiscal (que foi muito piorado no senado) e (2) como é que o ministro da fazenda conseguirá aumentar a arrecadação o suficiente para zerar o déficit primário no ano que vem. E todos sabemos que com a política fiscal frouxa, o nível da taxa real de equilíbrio mantém-se elevado ou mesmo pode subir. Portanto, para efeito do controle da inflação, um pouco de cautela na queda faz-se necessária.
Por fim, um outro ponto interessante que ficou claro após esta última decisão. Os modelos macroeconômicos clássicos funcionam, tanto que vemos que o Bacen tem tido bons resultados no controle da inflação, principalmente após a adoção do sistema de metas em 1999. A mesma observação aplica-se a outros bancos centrais que adotam o sistema de metas. Como consequência, é fundamental que os membros do Copom tenham uma formação que inclua a compreensão destes modelos. Mas, também sabemos que os modelos macroeconômicos apresentam erros de previsão grandes, uma vez que há muitas possibilidades de choques inesperados, e as variáveis agregadas (PIB, inflação, gastos do governo, investimento, poupança, consumo, etc.) resumem aspectos multidimensionais em apenas um número. Por isso, o Comitê reúne-se e debate, cada integrante aportando uma visão diferente da outra, para verificar a robustez das conclusões. Desta maneira, é interessante haver pessoas que tenham sólida educação em modelos clássicos e experiência comprovada em temas econômico-financeiros. E que venham de origens diversas, para que o debate seja enriquecido com visões diferentes do mesmo fenômeno. Ficou claro o alinhamento no voto dos conservadores (quatro votos que optaram por um corte de 0,25%) – três dos membros que votaram têm formações acadêmicas similares. A solidez da educação com a macroeconomia clássica é fundamental (e deveria ser um requerimento – na prática as indicações para a diretoria do Bacen têm obedecido a este critério básico), mas é sempre importante haver diversidade.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 08/08/2023, terça-feira.
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