Cenários internacional e doméstico seguem muito incertos
Condições financeiras mundiais mais restritivas pressionam moedas de emergentes, dificultando processo de desinflação, o que tende a se traduzir em Selic mais elevada, limitando crescimento em 2024. Preocupação fiscal continua.
O ano de 2023 entra em seu último trimestre em meio a um cenário de inflação ainda elevada, fruto de uma atividade econômica e de um mercado de trabalho que têm se mostrado mais resilientes ao forte aperto monetário realizado mundo afora do que antes se imaginava. A aposta segue sendo de uma desaceleração gradual, tanto da atividade como da inflação, mas aumentou consideravelmente a incerteza sobre quão indolor será esse processo.
A possibilidade de que os BCs tenham de manter os juros elevados por um longo período, somada às preocupações com o elevado déficit público americano, têm pressionado o retorno dos títulos longos de renda fixa, em especial nos EUA, o que mantém o dólar em patamar elevado, para padrões históricos, aumentando a aversão ao risco e formando um quadro desafiador para as economias emergentes.
No cenário internacional, a deflagração da guerra entre Israel e o Hamas elevou ainda mais a aversão ao risco nos mercados. Ainda é cedo para avaliar o impacto econômico do conflito, mas parece claro que esse se dará via alta no preço do petróleo. Na semana seguinte ao ataque do Hamas a Israel, esse preço voltou a subir, aproximando-se de US$ 90 por barril do tipo Brent. Desde meados de julho, o petróleo tem ficado mais caro, devido ao balanço mais apertado entre oferta e demanda no mercado internacional, fruto de cortes na produção feitos pela Arábia Saudita. Até o momento, a desaceleração do crescimento mundial tem evitado uma alta mais expressiva na cotação do barril, mas isso pode mudar em o conflito no Oriente Médio se alastrando.
Elevações mais expressivas no preço do barril podem tornar o processo de desinflação nos EUA, que não tem sido fácil, ainda mais difícil. A ata da última reunião do Fed deixa claro o tom de cautela em relação às decisões futuras. Por um lado, aponta para os riscos altistas, devido às pressões inflacionárias, mas destaca também que o aperto das condições financeiras pode ter impacto mais expressivo sobre a atividade e evitar nova alta de juros. Ou seja, os membros do Fed ganham mais tempo para observar os dados e avaliar os efeitos defasados do aperto monetário antes de subir a taxa de juros.
Os indicadores mais recentes não sugerem, porém, uma situação de conforto, começando pela forte geração de vagas de trabalho, como mostrou a pesquisa de payrolls de setembro. Os preços ao consumidor, por sua vez, subiram 0,4% no mês, levando a uma desaceleração da inflação em 12 meses, de 4,3% em agosto para 4,1% em setembro. Contudo, aluguel e serviços voltaram a acelerar na margem. E a pesquisa de comércio mostrou alta forte das vendas de varejo, superando por larga margem as previsões.
Na Área do Euro, a despeito da atividade fraca, o Banco Central Europeu (BCE) subiu os juros em 0,25 p.p., para 4,0%, sinalizando, porém, o fim do ciclo de aperto. As novas previsões do BCE elevaram a projeção da inflação este ano, de 5,4% para 5,6%, e para 2024 e 2025, de 3,0% para 3,2% e de 2,2% para 2,1%, respectivamente. O comunicado indicou que o aperto monetário, se mantido por período prolongado, trará a inflação para a meta.
Por sua vez, a desaceleração da economia chinesa segue o seu curso. O PIB do terceiro trimestre cresceu 4,9% ante o mesmo período do ano anterior, desacelerando em relação ao trimestre anterior, quando registrou crescimento de 6,3% em termos interanuais. Mantemos a previsão de crescimento do PIB chinês de 5,0% este ano, desacelerando para 4,3% em 2024. Mas notamos que o setor imobiliário chinês ainda não deu sinais claros de estabilização e pode ser uma fonte de estresse em 2024.
Em suma, como amplamente destacado nas edições anteriores do Boletim Macro, os bancos centrais dos países desenvolvidos devem manter juros elevados por tempo prolongado. Juros longos nos patamares mais altos em quase duas décadas, dólar mais valorizado e preço do petróleo mais elevado restringem o espaço para a flexibilização monetária nos países emergentes. De fato, condições financeiras mais restritivas em nível mundial pressionam as moedas dos emergentes, dificultando o processo de desinflação.
Para a economia brasileira, isso tende a se traduzir em uma Selic mais elevada do que se antevia, o que deve limitar o crescimento no ano que vem. Seguimos com a projeção de expansão do PIB de 1,2% em 2024. Além disso, esperamos forte desaceleração da contribuição das atividades exógenas à política monetária, com destaque para a agricultura. Prevemos contribuição de apenas 0,6 p.p. destas atividades para a alta do PIB em 2024, contra 1,6 p.p. em 2023.
Os dados divulgados no último mês confirmam o nosso cenário de desaceleração da atividade no terceiro trimestre, com destaque para a forte queda registrada pela Pesquisa Mensal de Serviços. Mantemos a previsão de estagnação do PIB no terceiro trimestre e crescimento de 2,7% no ano.
Mas um ponto muito negativo que chama atenção é a queda do investimento este ano. A despeito de melhor desempenho da construção civil, a forte contração da absorção de máquinas e equipamentos levará a uma retração do investimento de 1,0% em 2023. Analisando a série histórica, vemos que é muito incomum termos ao mesmo tempo forte crescimento do PIB e redução do investimento. Apenas em 2002 houve algo parecido, com crescimento do PIB de 3,1% e contração do investimento de 1,4%. Mas foi um ano de disparada do risco país e da taxa de câmbio, em meio a uma eleição que gerou muita incerteza sobre a condução da política econômica. Sem dúvida, a elevada taxa real de juros afeta alguns setores da economia, bem como o investimento. Porém, a política fiscal expansionista tem contribuído para expandir o consumo das famílias. O próprio consumo do governo acelerou no segundo trimestre.
Ao quadro externo mais incerto se soma, no Brasil, a preocupação com as contas públicas. Como esperado, o déficit primário do setor público consolidado vem aumentando. No acumulado de 12 meses, atingiu 0,7% do PIB em agosto, sendo 0,7% no governo central e zero nos estados, municípios e estatais. O déficit nominal, na mesma métrica, e excluindo swaps, foi de 7,7% para 7,9% do PIB, com as despesas de juros tendo subido de 7,0% do PIB em julho para 7,2% em agosto. Tanto a dívida bruta como a líquida aumentaram, atingindo 74,4% e 59,9% do PIB, respectivamente. Não antecipamos melhora significativa à frente, prevendo déficit primário de 1,3% este ano e de 1,0% em 2024. Uma Selic mais alta do que antes previsto vai, por sua vez, pressionar ainda mais as despesas com juros.
O diagnóstico parece claro, mas isso não tem facilitado viabilizar uma solução. A PEC da Transição gerou aumento significativo dos gastos públicos, com destaque para uma elevação da ordem de 1% do PIB no programa Bolsa Família. Como é um gasto recorrente, pela Lei de Responsabilidade Fiscal seria necessário encontrar novas fontes de receitas recorrentes para financiar esse aumento perene de gastos. Mas isso não ocorreu.
O novo arcabouço fiscal coloca limites para a expansão dos gastos, mas também impõe um piso para o crescimento real das despesas de 0,6% ao ano. Além disso, inclui uma trajetória muito ambiciosa do resultado primário, que depende fundamentalmente de forte aumento de receitas. Antecipamos que apenas parte das medidas de aumento de arrecadação venha a ser implementada.
Assim, parece haver excesso de otimismo por parte do governo sobre sua capacidade de obter receitas envolvendo a redução de desonerações, do litígio fiscal e de brechas legais para iniciativas de planejamento tributário. Entre outras razões, pois há ainda muita incerteza relativas à aprovação dessas medidas no Congresso e sua possível judicialização. E, com certeza, haverá o efeito da alteração no comportamento dos contribuintes diante das novas regras.
Como esperado, a questão da credibilidade do arcabouço se intensifica e tudo aponta para elevado déficit no próximo ano. Não há saídas fáceis para problemas difíceis. Temos que entregar resultado fiscal, ou seja, voltar a gerar superávit primário para permitir uma redução mais consistente da taxa de juros real e estabilizar a dívida pública. Por enquanto, estamos muito distantes desse cenário. E o quadro externo, como visto, também não vai ajudar, pelo contrário. Os desafios persistem.
Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Outubro de 2023.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Comentários
Deixar Comentário