Lógica política versus racionalidade econômica no reajuste do salário mínimo
O número de empregados que, no mercado de trabalho, recebiam um salário mínimo saltou de 5,2 milhões de pessoas em 1998 para 9,0 milhões em 2015, com base nos dados da PNAD. Há adicionalmente 20,8 milhões de pessoas que recebem benefícios de previdência (rural ou urbana) e transferências (BPC-LOAS) no valor do mínimo. Ou seja, atualmente, cerca de 30 milhões de pessoas recebem exatamente um salário mínimo, o que corresponde a cerca de 20% do eleitorado nacional.
Como o salário mínimo serve de referência para muitos trabalhadores que não ganham exatamente o piso previdenciário, e ainda é referencial para benefícios como o seguro-desemprego e o abono salarial, a massa populacional diretamente sensível ao valor do mínimo é ainda maior do que os 30 milhões. Adicionalmente, pessoas que não recebem o mínimo, mas habitam domicílios em que alguém recebe, também são afetadas pelo seu valor.
Colocando-se tudo isso na mesa, é possível estimar que variações no valor real do salário mínimo impactam diretamente o padrão de vida de uma grande parte do eleitorado brasileiro, certamente bem superior aos 20% mencionados acima, o que já seria uma porção avantajada.
Essa característica do salário mínimo na vida nacional tem que se pensada quando se discute a regra de reajuste do piso salarial, que vai caducar em 2019, quando se discutirá a sistemática para valer a partir de 2018. Evidentemente, do ponto de vista político, é enorme a pressão para que perdure a generosidade nos critérios de reajuste do salário mínimo.
Hoje, como se sabe, o mínimo é corrigido pela inflação mais o crescimento do PIB de dois anos antes. De um ponto de vista econômico, a atual regra tem o problema de que pode haver ganho real do mínimo em períodos de menor crescimento, e inclusive de recessão. O mais complicado, porém, é que a regra não vincula os ganhos salariais a ganhos de produtividade, o que amplia o custo relativo do salário. Na verdade, a sistemática nem mesmo vincula o mínimo ao aumento da renda per capita. Dessa forma, a regra impõe de forma permanente ganho relativo do salário mínimo em relação a renda per capita doméstica, o que não está de acordo com critérios de racionalidade prescritos pela ciência econômica.
Ironicamente, entretanto, a regra atual acabou contendo as elevações reais do salário mínimo e reduziu o desgaste que os governos tinham na hora de negociar elevações do piso salarial. Nos quatro anos anteriores à atual regra de reajuste, em 2011, o salário mínimo cresceu em termos reais 4,4% ao ano. Nos quatro anos seguintes à implantação da regra, o crescimento real do salário mínimo se reduziu para 2,3% ao ano. Ainda elevado e acima da elevação da produtividade e da renda per capita, mas inferior aos previamente concedidos.
Ao fazerem recomendações para resolver a crise fiscal e restaurar a rentabilidade de setores da economia brasileira, particularmente da indústria, muitos economistas costumam opinar que a nova regra a ser estabelecida em 2019 (para valer a partir de 2020) deveria ser de que o salário mínimo apenas fosse reajustado pela inflação – o que, aliás, é determinado pela Constituição.
O problema óbvio, entretanto, e que é derivado do impacto direto do mínimo em grande parte do eleitorado, discutido no início deste post, é que aquilo que faz sentido para os economistas pode ser extremamente difícil para a lógica de funcionamento do sistema político.
Não se deve subestimar a aspereza do abacaxi que o próximo governo terá que descascar...
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