Cenários

Incerteza econômica em nível moderado, mas diante de desafios futuros

29 mai 2024

Desde junho do ano passado, incerteza econômica vem registrando níveis relativamente confortáveis, mas continuidade desse cenário pode estar em risco nos próximos meses, dado economia internacional e aumento da incerteza fiscal.

Nos primeiros 15 anos de sua série histórica, o Indicador de Incerteza Brasil (IIE-Br) do FGV IBRE girava, em média, abaixo dos 100 pontos, refletindo um quadro mais favorável à realização de investimentos ou contratações no país. A partir de 2015, o nível de incerteza passou a registrar um “novo normal”, caracterizado por uma média muito mais elevada do que a anterior e motivado, em grandes linhas, por crises institucionais e políticas, baixo crescimento econômico e pela crise da Covid-19 a partir do início de 2020. Desde junho do ano passado, no entanto, a média do IIE-Br voltou a registrar níveis moderados de incerteza, girando próximo a 107 pontos, uma média ainda superior ao período anterior, mas abaixo dos 110 pontos, limite inferior da faixa de incerteza considerada elevada.

Gráfico 1 – Indicador de Incerteza Econômica – Brasil

Fonte: FGV IBRE. Elaboração: Autora

Uma combinação de fatores explica o alívio no nível de incerteza da economia nos últimos meses, como a alta do emprego e da renda e o controle da inflação. Nos últimos meses tem-se discutido e avançado sobre reformas necessárias e importantes ao desenvolvimento sustentável do país, como a tributária. A redução gradual da taxa de juros, como política de afrouxamento monetário também ratifica o cenário citado, concomitantemente a uma melhora da nota de crédito do Brasil nas agências de classificação de risco nas últimas semanas.

Desde o segundo semestre do ano passado, a queda do Indicador de Incerteza tem sido impulsionada, principalmente, pela queda do componente de Expectativas, que busca medir a dispersão das previsões das variáveis macroeconômicas, que atingiu em abril deste ano o menor nível desde 2015. Esse resultado, por sua vez, foi impulsionado por uma menor dispersão nas previsões para um ano à frente, principalmente da variável Selic, seguida pelas previsões de inflação e câmbio, sugerindo uma menor incerteza com relação a essas variáveis na economia.

Outro fator de alívio para o nível de incerteza é a redução de turbulências políticas, que tendem a gerar ruídos e inseguranças nas tomadas de decisões. O Indicador de Incerteza Política produzido pela FGV registrou, em abril, circunstancialmente 112,0 pontos depois de apresentar queda em 2023, chegando a ficar abaixo dos 100 pontos em julho do ano passado. A alta registrada entre março e abril decorre mais de fatores externos que internos e já ficou para trás, já que uma prévia desse indicador com dados até o dia 13 de maio vem recuando e registra o nível de 105,3 pontos.

Outro subproduto do IIE-Br é o Indicador de Incerteza Fiscal, que registrou um nível mais confortável em abril (108,9 pontos) mas vem piorando desde janeiro deste ano e dá sinais de continuidade dessa tendência na prévia com dados até 13 de maio, ao bater em 113,4 pontos. O Gráfico 3 ilustra esse aumento, motivado pelo anúncio de revisão da meta fiscal, com a revisão da meta de resultado primário para 2025 de um superávit para um déficit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), gerando uma deterioração na percepção de risco em relação à sustentabilidade das finanças públicas nos próximos anos. Somado a essa incerteza de natureza fiscal há um aumento da incerteza de natureza externa relacionado ao processo de desinflação global, com a perspectiva de que a redução das taxas de juros nos Estados Unidos possa ser adiada e a queda menos acentuada.

Gráfico 2 – Indicador de Incerteza Econômica Diário – Fiscal e Política

Fonte: FGV IBRE. Elaboração: Autora

Segundo a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, os membros avaliaram que há certa desancoragem das expectativas de inflação no mercado, associado a incertezas no cenário externo e interno, relacionado à questão fiscal e ao atingimento da meta de inflação para os próximos anos. Esse desenho é refletido no componente de Expectativas do IIE-Br, que apresenta tendência de alta nos últimos meses, influenciado por uma maior dispersão das previsões de mercado para inflação e Selic. A combinação dessas incertezas acaba por exercer uma pressão sobre o dólar e as taxas de juros de longo prazo no Brasil, potencialmente limitando a capacidade e velocidade de redução da taxa Selic nos próximos meses, tendo impactos negativos sobre o crescimento econômico.

Finalmente, em adição às incertezas externas e fiscais, é preciso considerar os desdobramentos que a tragédia na região Sul terá economia, além dos impactos humanitários deste evento. Segundo os estudos de Cláudio Considera e Juliana Trece, as cidades atingidas pelas chuvas no Rio Grande do Sul correspondem a 92% da indústria, 91% da economia de serviços, 88% da administração pública e 79% da agropecuária do Estado. As consequências econômicas incluem interrupções na produção, danos à infraestrutura, perdas agrícolas e comerciais, aumento dos custos de reconstrução e recuperação, redução do consumo e do turismo, além de pressões sobre as finanças públicas devido aos gastos com reconstrução e assistência às áreas afetadas. Vale mencionar que essa é a primeira vez que questões climáticas afetam o indicador de incerteza econômica, antes influenciado apenas por fatores econômicos, políticos e geopolíticos. Esse é mais um sinal da urgência em abordar a questão das mudanças climáticas, dada sua influência direta na vida e no bem-estar das pessoas, especialmente as mais vulneráveis aos seus impactos.

Comparações internacionais: Brasil bem na fita

No contexto internacional, até março, o Brasil ocupa uma posição confortável, abaixo dos 110 pontos, no ranking elaborado pela autora com dados disponíveis na base do Economic Uncertainty Project.

Gráfico 3 – Indicador de Incerteza Econômica – Brasil, Europa e alguns países do mundo

 

*Incerteza medida pelo componente de “mídia” do IIE-Br FGV, para possibilitar a comparação mundial Índices padronizados para refletirem média 100 e desvio 10 entre jan/2006 e dez/2015. Fonte: Economic Policy Uncertainty Project (EPUP) e FGV IBRE. Elaboração: Autora.

Durante o segundo semestre de 2023 e o início de 2024, as incertezas sobre a economia internacional exerceram pressão sobre o IIE-Br em determinados momentos, seja por conta de um aumento do pessimismo sobre o crescimento chinês e riscos geopolíticos, seja por conta das dúvidas em relação ao caminho que a política monetária dos Estados Unidos iria seguir. Em diversos momentos, o resultado das variações positivas do IIE-Br veio sendo explicado mais por choques externos do que por incertezas internas.

Conclusão

Em conclusão, o Indicador de Incerteza parece ter deixado o patamar elevado de incerteza para flutuar em torno de uma trajetória moderada. É importante reconhecer que esses resultados são motivados pela recuperação da economia, uma maior comunicação e transparência em relação às políticas econômicas e monetárias do governo, reduções das incertezas políticas e de parte das incertezas fiscais, mesmo com sinais de enfraquecimento da economia internacional. Para os dados de maio, no entanto, prevê-se um aumento no nível de incerteza, motivado por questões externas, e internas, como os ruídos de natureza fiscal e a consequências ainda desconhecidas da tragédia climática no Sul. Esses fatores tenderão a exercer pressões no indicador nos próximos meses e poderão comprometer o atual cenário de incerteza moderada.

Esta é a coluna Em Foco do Boletim Macro IBRE de maio de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva da autora, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

Referências

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/05/13/setor-industrial-do-rs-lidera-perdas-dizem-especialistas.ghtml

 

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