Sinais de perda de dinamismo da produtividade
A dúvida é se a melhora no desempenho da produtividade vai continuar diante do aumento da incerteza sobre a trajetória da dívida pública, que pode colocar em risco a recuperação do investimento e o processo de formalização.
A produtividade da economia brasileira teve bom desempenho em 2023, com crescimento da produtividade por hora efetiva de 1,9% e aumento da produtividade total dos fatores (PTF) de 0,7%. Embora ainda distante do necessário para reduzirmos de maneira significativa a distância em relação às economias avançadas, é um resultado bem melhor que a tendência de queda do período pré-pandemia.
Os dados recentemente divulgados pelo Conference Board mostram que o desempenho da produtividade no Brasil foi positivo não somente em relação ao nosso passado recente, mas também em relação a outras economias.
Em 2023, o crescimento da produtividade por hora trabalhada foi de 1,0% na média global e de apenas 0,4% nas economias avançadas. Os Estados Unidos tiveram maior crescimento (1,0%), em contraste com a queda de 0,6% na Zona do Euro.
A produtividade também caiu na média da América Latina (-0,2%). Embora a queda na Argentina de 8,9% tenha sido relevante, o desempenho negativo foi quase generalizado, com reduções de 2,4% no Chile, 0,6% no Peru e 0,1% na Colômbia. Dentre as grandes economias da região, além do Brasil somente o México teve aumento, embora modesto (0,4%).
O Brasil também teve boa performance relativa da PTF em 2023. Enquanto a média global ficou estagnada, as economias avançadas tiveram queda de 0,4%. A PTF dos Estados Unidos foi um pouco melhor, com aumento de 0,4%, novamente em contraste com a Zona do Euro, que teve redução de 1,0%. Esses números indicam que não existe ainda nenhuma evidência de que a inteligência artificial teve impacto na PTF dos países desenvolvidos.
A PTF também caiu na América Latina (-0,5%), particularmente na Argentina (-6,8%), mas também no Chile (-3,1%), Colômbia (-1,5%) e Peru (-1,9%). Assim como observado no caso da produtividade por hora trabalhada, além do Brasil somente o México teve aumento da PTF dentre as economias de grande porte da região (0,5%).
Os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE referentes ao primeiro trimestre de 2024 mostram, no entanto, que existem sinais de perda de dinamismo da produtividade no Brasil. Embora a produtividade por hora efetivamente trabalhada tenha crescido 1,1% em relação ao mesmo período do ano passado, as medidas que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e a população ocupada recuaram 0,1% na mesma base de comparação.
Outra forma de analisar a dinâmica dos indicadores de produtividade é com base nas séries que descontam os efeitos sazonais de cada trimestre. Em comparação com o quarto trimestre de 2023, o indicador que considera o total de horas efetivamente trabalhadas apresentou estabilidade no primeiro trimestre de 2024, enquanto as métricas que consideram o total de horas habitualmente trabalhadas e a população ocupada recuaram 0,6% e 0,3%, respectivamente.
Os dados também mostram que a PTF teve queda interanual de 1,3% no primeiro trimestre de 2024 na medida que considera as horas efetivas, enquanto a métrica de PTF por hora habitual teve redução de 2,0%. Em comparação com o quarto trimestre de 2023, as reduções foram de 0,1% e 0,7%, respectivamente.
Apesar do menor dinamismo recente, a melhora da produtividade que ocorreu em 2023 não foi revertida. Em particular, tanto a produtividade por hora trabalhada como a PTF ainda se encontram acima da tendência de queda do período 2017-2019.
No entanto, é possível que tenha ocorrido apenas um aumento do nível e não uma aceleração duradoura do crescimento da produtividade. Caso isso se confirme, teria havido uma aceleração temporária do crescimento do PIB potencial, sem alteração de sua taxa de crescimento no médio e longo prazo.
Como tenho discutido neste espaço, minha avaliação é que uma parcela importante do aumento recente da produtividade e do bom desempenho do mercado do trabalho nos últimos anos, tanto em termos de queda da taxa de desemprego como da forte geração de ocupações formais, provavelmente decorre das reformas implementadas desde 2017, particularmente a trabalhista.
A maior dúvida é se a melhora no desempenho da produtividade vai ser sustentada diante do aumento da incerteza em relação à trajetória da dívida pública, que pode colocar em risco a recuperação do investimento e o processo de formalização que estava em curso. Os dados dos próximos trimestres serão cruciais para chegarmos a uma conclusão.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 05/07/2024.
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