Volatilidade em alta
Mesmo com incerteza, cenário global é de juro em queda. É alívio para emergentes, mas no Brasil inflação piora, com depreciação e embalo da atividade e do emprego. Selic pode subir em setembro, e fiscal expansionista é problema.
O mês de agosto parece caminhar para um “final feliz”, a julgar pela evolução recente dos preços dos ativos financeiros, lá fora e no Brasil. O mês começou, porém, com intensa volatilidade nos mercados. No início de agosto, o índice VIX, que capta a volatilidade implícita nas opções da bolsa americana (S&P 500), atingiu o maior valor dos últimos quatro anos, ficando em torno de 40 pontos, muito acima dos valores médios observados neste ano, de 15 pontos. Mas, após esse período inicial de estresse, o índice já voltou para perto dos 15 pontos.
Questões específicas dos mercados financeiros, como a baixa liquidez do verão no hemisfério norte e o desmonte de operações de carry trade lastreadas em ienes, foram, aparentemente, os principais fatores por trás dessa alta do VIX, mais do que questões relacionadas ao médio prazo das economias desenvolvidas. Mas também contribuiu para essa tensão a surpresa negativa com os dados do payroll de julho nos EUA, que trouxe de volta ao debate o risco de uma recessão nos EUA.
Desde a mínima de 3,4% em abril de 2023, a taxa de desemprego nos EUA vem crescendo, tendo atingido 4,3% em julho passado. Com isso, um indicador historicamente utilizado para sinalizar recessões na economia norte-americana foi recentemente acionado. Ele foi criado pela economista Claudia Sahm e é acionado quando a média móvel de três meses da taxa de desemprego sobe mais de 50 pontos-base em relação ao seu mínimo nos doze meses anteriores.[1]
Mas outros dados mostram que, embora a alta da taxa de desemprego mereça atenção, ela não é tão preocupante, reforçando a expectativa de um cenário de desaceleração gradual da atividade, com queda também da inflação, embora com volatilidade elevada. Em particular, o PIB dos EUA no segundo trimestre acelerou em relação ao primeiro trimestre, com destaque para o consumo das famílias. Além disso, a (ligeira) alta da taxa de desemprego é explicada pelo aumento da taxa de participação dos mais jovens. A criação de emprego continua; ou seja, não há destruição de vagas.
Outra boa notícia é que também há sinais de melhora do quadro inflacionário. Assim, tudo indica que o banco central americano começará a cortar os juros em setembro, em 25 pontos-base. O tamanho do ciclo de corte nos EUA ainda é incerto, pois dependerá da intensidade da desaceleração da economia e da inflação, mas os mercados precificam um ponto percentual de corte até o fim do ano.
Na área do euro, como esperado, a atividade segue perdendo força, ainda que também se evitando uma recessão, e a gradual desinflação continua permitindo novos cortes de juros, ainda que com a necessidade de manter alguma cautela.
Entre os países desenvolvidos, apenas o Japão está elevando os juros, em processo de normalização de política monetária. O banco central japonês está preocupado com as pressões salariais e os efeitos da depreciação do iene sobre a inflação.
E, por fim, na China, os dados corroboram a fraqueza da demanda interna e a importância do setor externo para evitar uma desaceleração mais significativa da atividade econômica. De todo modo, o crescimento deve ficar em torno de 4,9% este ano e 4,2% em 2025, de acordo com as previsões do pesquisador Livio Ribeiro. As preocupações estão centradas no impacto de um possível aumento das tarifas de importação dos EUA, de 60% para a China e de 10% em demais regiões, afetando a atividade econômica diretamente e indiretamente através da “triangulação” de produtos saindo da China.
Mesmo que ainda com bastante incerteza no horizonte, o cenário internacional é de redução de juros. Nos EUA, desde julho do ano passado, as taxas estão mantidas entre 5,25% e 5,5% — o maior patamar em mais de duas décadas. A perspectiva de início de cortes em setembro traz alívio para ativos dos países emergentes, como bolsa e moedas. Alívio que vem em bom momento. Em particular, no Brasil, desde a última publicação do Boletim Macro, a volatilidade dos preços dos ativos aumentou bastante, seguindo em parte a dinâmica internacional. Após a taxa de câmbio atingir R$ 5,76 em 5 de agosto, ela recuou para abaixo de R$ 5,50 desde 12 de agosto. Tanto fatores externos quanto domésticos explicam esses movimentos.
Diante da forte depreciação do real, a piora do cenário inflacionário se consolida. O relatório semanal de expectativas do Banco Central, divulgado no dia 19 de agosto, mostrou aumento das expectativas de inflação para 2024. A mediana das expectativas dos analistas para o IPCA passou de 4,20% para 4,22%, enquanto, para 2025, houve leve queda, de 3,97% para 3,91%. Já a projeção para 2026 se mantém inalterada, em 3,60%, há onze semanas.
Algo que chama a atenção é que as expectativas de inflação pioraram não apenas no mercado financeiro. O Banco Central lançou a pesquisa Firmus, que tem como objetivo levantar as expectativas de empresas em relação à economia. Ao todo, 92 empresas não-financeiras informaram suas expectativas para o desempenho da economia e a inflação. A mediana das expectativas de inflação foi consistentemente maior do que a mediana correspondente da pesquisa Focus: 4% em 2024, 4% em 2025 e 3,70% em 2026. Os dados, publicados no dia 12 de agosto, foram coletados entre 13 e 31 de maio — no Focus, nesse mesmo período, as projeções de IPCA eram de 3,89% (2024), 3,77% (2025) e 3,60% (2026).
Mas, diferente dos EUA, o que de fato corrobora esse cenário inflacionário é a robustez da atividade econômica e do mercado de trabalho. Os dados referentes ao mês de junho e as previsões para julho reforçam esse quadro. O índice de atividade do Banco Central (IBC-Br) de junho subiu 1,4%, resultado bem acima da expectativa de mercado e em linha com as previsões do IBRE. O indicador de atividade econômica do FGV IBRE (IAE-FGV) de junho já havia indicado um forte resultado no mês, com crescimento de 1,7% MsM (4,5% AsA).
Com isso, revisamos a previsão de crescimento para o segundo trimestre, de 0,7% (TsT) para 0,9% (TsT). Para o ano fechado, passamos de 2,2% para 2,3%. Tanto o consumo das famílias com o investimento serão destaques no segundo trimestre; ou seja, um expressivo crescimento da demanda doméstica privada, com o consumo das famílias em alta e com a recuperação do investimento.
Concomitantemente, a taxa de desemprego continua a cair, tendo atingido 6,9% em junho passado, a mínima desde 2014, após marcar 8% em junho de 2023; indo, portanto, na direção contrária à dos EUA. A taxa de crescimento da renda nominal, segundo a PNAD, tem rodado a 10% nos últimos 12 meses, ou cerca de 6% em termos reais – considerando uma inflação próxima a 4% ao ano. Ou seja, há sinais claros de aquecimento do mercado de trabalho, sem sinais de desaceleração, de acordo com as previsões para julho (ver seção de Mercado de Trabalho).
E a má notícia é que, após um ciclo de queda, paramos com a Selic a 10,5% e tudo sugere que não voltaremos a um ciclo de baixa tão cedo, com risco muito elevado de ser necessário aumentar os juros já em setembro. De fato, para o pesquisador José Júlio Senna, parecem claros os sinais de que o Copom promoverá elevação da Selic (provavelmente de 50 pontos) na reunião de setembro (ver Seção de Política Monetária).
Conforme destacado em nossos Boletins passados, não há almoço grátis em economia. Se a atividade cresce acima do seu potencial, a inflação não cede e precisamos de juros mais altos para controlá-la. Mesmo com muita incerteza sobre o valor da taxa de juros neutra no Brasil, tudo indica que hoje esse valor é mais elevado do que aquele com que se trabalhava antes.[2] A política fiscal expansionista cobra o seu preço. E, pelo menos por enquanto, não há sinais de que será revista.
Este é o Sumário do Boletim Macro FGV IBRE de agosto de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[2] Ver Relatório de Inflação de junho de 2024 (https://www.bcb.gov.br/publicações/ri).
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