Dissincronia
O Brasil deve terminar este ano com um crescimento bem mais elevado do que se esperava antes, próximo de 2,9%, uma taxa bem superior ao potencial da economia brasileira, que, segundo nossas estimativas, está em torno de 2%.
Como esperado, o Banco Central americano (Fed) reduziu a taxa de juros na reunião do dia 18 de setembro. A dúvida era sobre a magnitude do corte de juros, se 0,25 ou 0,50 ponto percentual (pp). Com apenas um membro discordando, e votando pela redução de 0,25 ponto, a decisão de reduzir os juros em 0,50 pp foi quase unânime. Há expectativa de mais cortes este ano, pois a avaliação do FOMC é de que a inflação está convergindo para a meta de 2% e os riscos para atingir suas metas de emprego e inflação estão equilibrados. Porém, pelas novas projeções do Fed, haveria espaço para, no máximo, mais dois cortes de 0,25 pp cada até o fim deste ano. Mas, na entrevista após reunião que decidiu pelo corte de juros, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que as próximas decisões serão tomadas em cada reunião, e irão depender de como evoluam os dados até lá.
Na Área do Euro, o banco central também reduziu a taxa de juros este mês, mas, olhando à frente, os cortes de juros devem continuar sendo moderados, pois a inflação de serviços segue pressionada, rodando em torno de 4%. De qualquer forma, o cenário é de novos cortes de juros, diante da fraqueza na atividade econômica. No Reino Unido, por sua vez, o banco central manteve os juros parados em 5,0%, depois de ter cortado em 0,25 pp mês passado, mas sinalizou que deve voltar a reduzir essa taxa em sua próxima reunião, em novembro.
Há, claro, riscos no horizonte, como a possibilidade de que a atividade e a inflação surpreendam para cima, especialmente nos EUA, onde ambos os candidatos aparecem com plataformas calcadas em novos estímulos fiscais e, ainda que com diferenças, também dispostos a seguir aumentando as barreiras às importações. Mas, no todo, o cenário central é de que o ciclo de flexibilização monetária nas economias desenvolvidas, com a exceção do Japão, e com destaque para os EUA, siga gerando um cenário mais favorável para os emergentes, em especial com um dólar mais fraco.
Em particular, os países da América Latina devem se beneficiar, com destaque para o México, que tem passado por intensa desaceleração na atividade. A perspectiva é de manutenção de corte de juros, contribuindo para um maior crescimento no ano que vem. Outros países da região também continuam com um movimento de sincronia com a política monetária americana.
Entre os principais países da região, a única exceção é o Brasil. Na super quarta do dia 18 de setembro, conforme esperado, o Copom iniciou um novo ciclo de elevação de juros. A decisão de elevar a Selic em 0,25 pp foi unânime. Para o Comitê, a julgar pelo comunicado pós-reunião, o diagnóstico é claro: a economia precisa de uma política monetária mais restritiva. Entre os fatores destacados: “resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas”.
Adicionalmente, as projeções de inflação do Comitê mostram valores acima da meta, como também “há uma assimetria altista em seu balanço de risco para os cenários prospectivos para a inflação”.
Novamente, o comunicado ressalta que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
Pelo comunicado, estão em aberto o ritmo e a magnitude do ciclo de aperto. Entretanto, o comunicado apresentou o cenário de referência com as projeções de inflação, com a trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus. Neste caso, a inflação permanece acima da meta no horizonte relevante de política monetária, que é o primeiro trimestre de 2026 (3,50%). Em suma, o cenário indica que elevar a Selic até 11,50% e voltar com ela para 10,50% até dezembro de 2025 não seria suficiente para trazer a inflação para a meta.
Sem dúvida, vamos terminar o ano com um crescimento bem mais elevado do que se esperava antes, próximo de 2,9%, uma taxa bem acima do potencial da economia brasileira, que, segundo nossas estimativas, está em torno de 2%. E com uma composição muito diferente da do ano passado, quando uma parcela relevante do crescimento foi relacionada à agropecuária e à indústria extrativa, que são setores exportadores. Este ano a demanda externa deve contribuir negativamente para o PIB. O grande destaque é a demanda doméstica, com um crescimento muito expressivo do consumo das famílias. No primeiro semestre, este cresceu em torno de 2% por trimestre, que em termos anualizados representa um crescimento de 8%!
Já conhecemos muito bem o quadro atual, que repete o vivido no início do século, com a diferença de que o cenário externo não é tão favorável e o setor público não gera superávits primários significativos em suas contas. Quando a política fiscal é expansionista, é necessária uma política monetária mais contracionista para controlarmos a inflação. A política fiscal expansionista cobra o seu preço. E, pelo menos por enquanto, não há sinais de reversão nessa combinação de políticas.
Este é o Sumário do Boletim Macro FGV IBRE de setembro de 2024.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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