Produtividade no pós-pandemia
A conclusão é que tentar estimular o crescimento por meio de políticas fortemente expansionistas é uma estratégia de alto risco diante dos custos elevados e benefícios incertos, particularmente no caso de economias emergentes.
Como tenho destacado em várias colunas, embora o desempenho da produtividade esteja mais relacionado a questões estruturais de longo prazo, bancos centrais e instituições financeiras têm dedicado importância crescente ao tema devido às suas implicações para a política monetária e para o bom funcionamento do sistema financeiro.
No início de outubro, pesquisadores do Bank for International Settlements (BIS) divulgaram uma análise sobre o comportamento da produtividade no pós-pandemia para um conjunto de economias avançadas e emergentes (“Productivity in the post-pandemic world: old trend or new path?”). Conforme indicado no título, o objetivo é entender se a trajetória da produtividade nos pós-pandemia representa um retorno ao padrão pré-pandemia ou uma nova trajetória de crescimento.
Utilizando uma medida de produtividade por hora trabalhada, os autores documentam três fatos estilizados. Primeiro, a produtividade cresceu durante a recessão causada pela pandemia em 2020. Isso ocorreu em grande parte devido ao fato de que serviços de baixa produtividade intensivos em contato pessoal tiveram forte contração devido às restrições da crise sanitária, enquanto as atividades mais produtivas se adaptaram bem ao trabalho remoto.
Segundo, à medida que as restrições de mobilidade foram sendo relaxadas e a atividade econômica se recuperou, a produtividade teve uma queda e, de modo geral, retornou para a trajetória de crescimento no período pré-pandemia (2011-2019). Uma exceção são os Estados Unidos, cuja produtividade no final de 2023 estava acima da tendência da década de 2010.
Terceiro, a nova trajetória da produtividade reforça o padrão de baixo dinamismo que já vinha ocorrendo há cerca de duas décadas nas economias avançadas e desde a década passada nas emergentes.
Em seguida, os autores discutem possíveis razões para o melhor desempenho recente da produtividade nos Estados Unidos em comparação com as demais economias. Um dado importante é que, desde 2020, houve uma forte expansão na criação de empresas nos Estados Unidos, revertendo uma tendência de queda antes da pandemia. Além disso, ocorreu uma intensa realocação de mão de obra entre as empresas americanas.
Segundo a análise dos pesquisadores do BIS, esse dinamismo na criação de empresas e empregos reflete a elevada flexibilidade da legislação trabalhista e a maior facilidade de criar empresas nos Estados Unidos em comparação com outras economias avançadas e emergentes.
Em outras palavras, enquanto a economia americana se ajustou rapidamente ao choque da pandemia e à disseminação de novas tecnologias como o trabalho remoto, países da Europa e América Latina tiveram maior dificuldade de se ajustar devido à rigidez de seus ambientes de negócios.
A diferença entre as políticas de mercado de trabalho adotadas durante a pandemia também pode ter contribuído para a divergência observada na trajetória da produtividade. Enquanto nos Estados Unidos o governo apoiou os trabalhadores demitidos através de um aumento do valor e da cobertura do seguro desemprego, na Europa o governo subsidiou parte dos salários pagos pelas empresas com o objetivo de preservar os vínculos empregatícios. Isso pode ter dificultado a realocação de trabalhadores para as atividades que se beneficiaram do surgimento de novas tecnologias.
O artigo ressalta que será um grande desafio superar a trajetória de baixo crescimento de produtividade. Uma razão é que a pandemia teve um efeito negativo nos investimentos, novamente com exceção dos Estados Unidos. Além disso, a desaceleração do processo de globalização que já estava em curso pode se agravar, o que afetaria negativamente a difusão internacional de tecnologia.
Embora os avanços recentes da inteligência artificial sejam promissores, experiências passadas de adoção de novas tecnologias sugerem que sua disseminação tende a levar tempo e seu efeito provavelmente será desigual entre países e setores.
Uma preocupação dos autores é que, diante da dificuldade de fazer as reformas estruturais necessárias para elevar o crescimento da produtividade de forma sustentada, os países caiam na tentação de fazer estímulos fiscais e monetários, o que dificultaria consideravelmente a tarefa dos bancos centrais de controlar a inflação.
Para entender melhor essa questão, os pesquisadores do BIS examinam 168 episódios de recuperação de recessões em 20 economias avançadas e 18 emergentes entre 1960 e 2023. A conclusão é que políticas de recuperação fortemente expansionistas têm pouco impacto duradouro no crescimento da produtividade, mas resultam em aumento significativo da dívida pública.
A conclusão do artigo é que tentar estimular o crescimento por meio de políticas fortemente expansionistas é uma estratégia de alto risco diante dos custos elevados e benefícios incertos. Isso é particularmente válido no caso de economias emergentes, que em geral têm menor espaço fiscal e maior prêmio de risco. Também é mencionado o fato de que as expectativas inflacionárias podem ficar desancoradas e desta forma colocar em risco a estabilidade de preços. Embora o Brasil não seja mencionado, esse alerta certamente se aplica ao nosso contexto atual.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 11/10/2024.
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