Cenários

Como fazer reformas?

11 nov 2024

Embora sua necessidade seja clara, existe uma crescente resistência a reformas em vários países. O grande desafio é assegurar um apoio abrangente na sociedade para aprovar e implementar com sucesso as reformas necessárias.

Desde a crise financeira internacional de 2008 ocorreu uma significativa desaceleração do crescimento global. A redução do crescimento foi generalizada, abrangendo economias avançadas, emergentes e em desenvolvimento. Segundo o FMI, o crescimento do PIB global no médio prazo (5 anos à frente) será de 3,1%, bem abaixo da média pré-pandemia.

Na edição de abril do World Economic Outlook (WEO), o FMI apresentou evidências de que a redução do crescimento global está associada a uma piora na eficiência da alocação de fatores de produção entre as empresas.

Dentre os fatores estruturais que podem ter contribuído para a piora na eficiência alocativa, o WEO de abril destacou a criação de barreiras à competição e ao comércio internacional, além de retrocessos na liberalização dos mercados financeiros e de trabalho. Para que a queda do crescimento seja revertida, o relatório destacou a importância de reformas que aumentem a competição do ambiente de negócios.

Na edição de outubro do WEO recentemente divulgada, o FMI retomou este tema. A contribuição mais inovadora foi que, ao invés de discutir reformas específicas, o relatório analisou em detalhe os diversos aspectos envolvidos na implementação de reformas.

Embora sua necessidade seja clara, desde a crise financeira internacional existe uma crescente resistência a reformas em vários países. Portanto, o grande desafio é assegurar um apoio abrangente na sociedade não somente para aprovar, mas principalmente implementar com sucesso as reformas necessárias. Com base em estudos acadêmicos e em pesquisas do FMI para uma amostra abrangente de países, o WEO apresenta dados e recomendações nesse sentido.

Uma razão natural da resistência às reformas é a preocupação sobre seus impactos redistributivos, na medida em que reformas podem favorecer determinados grupos da população em detrimento de outros.

O relatório mostra, no entanto, que a resistência às reformas muitas vezes transcende o interesse econômico, sendo fortemente relacionada a variáveis comportamentais, que incluem percepções, falta de informação (ou desinformação) e falta de confiança no governo. Nesse contexto, grupos de interesse conseguem frequentemente bloquear mudanças que representem perda de privilégios.

Estratégias de comunicação que expliquem a importância e os efeitos das reformas podem ser bastante efetivas para aumentar seu apoio. Além disso, de modo a angariar a confiança da sociedade, é importante criar mecanismos institucionais que envolvam a consulta e participação não somente das partes envolvidas, mas do público em geral.

Outro elemento importante de uma agenda de reformas é a inclusão de mecanismos compensatórios para grupos socialmente vulneráveis que possam ser negativamente afetados pelas reformas. Esse é um aspecto frequentemente ignorado e que pode eventualmente reverter sua implementação.

Essas estratégias são ilustradas com base em experiências de reforma trabalhista em 11 países. As motivações da reforma variaram entre os países, abrangendo desde crises econômicas, como a hiperinflação na Bolívia, a aspectos mais estruturais, como a alta taxa de desemprego na França e a elevada rigidez do mercado de trabalho no Brasil.

Em vários países, incluindo o Brasil, universidades e think tanks tiveram um papel muito relevante no processo de convencimento da sociedade, fornecendo informações de qualidade e de forma independente. Especificamente, análises técnicas das propostas e comparações internacionais foram bastante efetivas para esclarecer os efeitos e mecanismos das reformas, assim como as distorções existentes em relação a outros países.

Medidas compensatórias, como a expansão de programas de seguro desemprego e de retreinamento para trabalhadores que perderam seus empregos, foram adotadas em diversos países. Além dos efeitos econômicos positivos de facilitar a realocação de trabalhadores para novos empregos, essas políticas reduziram os impactos sociais negativos, contribuindo para angariar mais apoio.

Indo além do relatório do FMI, podemos notar que, além da reforma trabalhista, outras reformas recentes no Brasil incorporaram vários elementos destacados como importantes para uma estratégia bem-sucedida.

Por exemplo, a reforma da previdência em 2019 se beneficiou de vários estudos que revelaram a insustentabilidade fiscal do regime previdenciário na ausência de uma reforma que aumentasse o tempo e valor das contribuições, assim como a idade mínima de aposentadoria.

A comunicação da reforma também foi bem-sucedida em mostrar que eram os trabalhadores de renda mais elevada que se beneficiavam da aposentadoria por tempo de serviço, já que os mais pobres tendem a ter ocupações informais e, portanto, não conseguiam assegurar as condições necessárias para se aposentarem nesta modalidade.

A reforma tributária também teve apoio de vários estudos que mostraram seus efeitos positivos sobre o crescimento econômico e redução da desigualdade, alguns dos quais discuti neste espaço, como um trabalho de Pedro Ferreira e coautores e uma análise quantitativa do FMI divulgada no Article IV deste ano.

Embora diversos privilégios para categorias específicas e regimes especiais como a Zona Franca de Manaus e o Simples tenham permanecido, a estratégia do governo de explicitar o aumento da alíquota decorrente da concessão de novas isenções ajudou a restringir a atuação de grupos de interesse.

Além disso, tanto a reforma da previdência como a tributária se beneficiaram de tentativas de reforma em governos anteriores, que ajudaram a amadurecer o debate público. Apesar de suas imperfeições, esses exemplos mostram que é possível avançar na agenda de reformas no Brasil.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 08/11/2024.

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