Cenários

Como desperdiçar uma oportunidade de crescimento

9 dez 2024

Uma boa gestão de política econômica seria capaz de assegurar a continuidade do crescimento com baixo desemprego. O grande problema é que desde a crise da década passada o país não tem conseguido equilibrar as contas públicas.

Os dados de atividade econômica continuam a surpreender positivamente, com crescimento do PIB de 0,9% no terceiro trimestre em relação ao segundo trimestre de 2024, o que representa o 13º aumento consecutivo. A expansão em relação ao terceiro trimestre de 2023 foi de 4%, o que corresponde à 15ª alta seguida nessa base de comparação.

Segundo as projeções de Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do FGV IBRE, o PIB per capita deve crescer 3,1% em 2024, refletindo uma expansão do PIB de 3,5% e um aumento da população de 0,4%. Caso esse desempenho se confirme, o PIB per capita vai finalmente superar o nível de 2013, o maior da série histórica.

Já a PNAD Contínua registrou uma taxa de desemprego de 6,2% no trimestre encerrado em outubro, atingindo o menor nível da série histórica que começa em 2012. Embora tenham perdido força em outubro, os dados do Caged têm registrado um forte processo de geração de empregos formais este ano, comparável ao de 2022, quando o mercado de trabalho ainda se recuperava dos efeitos da pandemia.

A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE divulgada esta semana também revela melhorias importantes em indicadores sociais, com queda das taxas de pobreza e extrema pobreza em 2023 aos menores níveis desde 2012. Em números absolutos, houve uma redução de 8,7 milhões de pessoas na pobreza e de 3,1 milhões na extrema pobreza no ano passado.

No entanto, a fragilidade das contas públicas coloca em sério risco esses avanços. Não é coincidência o fato de que os melhores indicadores de atividade econômica, mercado de trabalho e proteção social da última década são de 2012-2013. A crise fiscal do governo Dilma gerou a maior recessão das últimas décadas em 2014-2016, o que resultou em aumento expressivo da taxa de desemprego, informalidade e pobreza nos anos seguintes.

O teto de gastos foi uma tentativa de reverter o quadro de insustentabilidade fiscal, mas apesar de vários efeitos positivos, como a significativa redução das taxas de juros de longo prazo, acabou tendo vida curta, sendo vitimado por uma sucessão de PECs desde 2021, culminando na PEC da Transição aprovada no final de 2022.

A partir de um ponto de partida bastante desfavorável, o arcabouço fiscal aprovado em agosto de 2023 era claramente insuficiente para assegurar a estabilidade fiscal. Em particular, as metas de resultado primário originalmente propostas no arcabouço não asseguravam a estabilidade da dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo.

Além disso, para que as metas fossem atingidas, seria necessário um grande aumento da receita. Outro problema conhecido é que a combinação entre as regras do arcabouço e políticas do governo que levem ao crescimento das despesas obrigatórias tendem a gerar uma compressão insustentável das despesas de caráter discricionário.

A expectativa mais otimista era que, apesar de sua fragilidade, o arcabouço evitasse o descontrole imediato das contas públicas, podendo ser eventualmente aprimorado a partir de 2027. No entanto, ao longo deste ano ficou evidente que o governo não aceitou as restrições impostas pelo arcabouço. Sinais claros nesse sentido foram a mudança das metas de resultado primário em 2025 e 2026 e o volume crescente de despesas que foram excluídas do limite de gastos e das metas de resultado primário.

A proposta de ajuste apresentada pelo governo no final de novembro confirma essa avaliação, ao combinar medidas insuficientes de controle das despesas com um aumento da faixa de isenção de imposto de renda para beneficiar grande parte da classe média.

Em combinação com a piora do cenário internacional, a perspectiva é que tenhamos que conviver com taxas de juros reais elevadas por um longo período, o que pode colocar a dívida pública em uma trajetória insustentável. De fato, projeções de mercado indicam um aumento da relação dívida/PIB de pelo menos 12 pontos percentuais até o final de 2026, o que se aproxima perigosamente da elevação da dívida que gerou a crise fiscal em meados da década passada.

Além do aumento acentuado do risco fiscal, a continuidade da expansão das despesas tende a agravar os desequilíbrios macroeconômicos decorrentes do excesso de demanda. Embora existam evidências de que as reformas contribuíram para a melhora recente da atividade econômica e do mercado de trabalho, vários indicadores sugerem que a economia opera acima do potencial, como a inflação acima da meta neste ano e nos próximos, aumento do déficit de transações correntes e queda do desemprego abaixo de estimativas da taxa natural.

Uma boa gestão de política econômica seria capaz de lidar com esses desequilíbrios e assegurar a continuidade do crescimento com baixo desemprego. O grande problema é que desde a crise de meados da década passada o país não tem conseguido assegurar o equilíbrio das contas públicas de forma duradoura.

Caso os problemas fiscais não sejam equacionados, o Brasil corre sério risco de voltar ao ciclo de instabilidade que tem prevalecido desde a década passada, com consequências previsíveis de baixo crescimento e piora do mercado de trabalho.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 06/12/2024.

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