Fiscal

Política fiscal: expectativas à deriva

16 abr 2025

Regras fiscais vigentes são insustentáveis até fim da década. Exige-se reformatação do Estado, de forma a caber na institucionalidade fiscal, ou, de forma alternativa, flexibilização fiscal, acomodando um Estado cada vez maior.

Este será um texto diferente a respeito da política fiscal brasileira. Normalmente, fazemos análises específicas de divulgações orçamentárias e legislativas, estimamos os impactos de medidas do governo e traçamos cenários para indicadores fiscais. Desta vez, queremos jogar luz sobre a incerteza fiscal que nos espera adiante – a qual ganha pouca atenção, e que talvez muitos ainda não tenham percebido[1][2].

Temos sido exaustivos em apontar o esgotamento da máquina pública, tal como hoje organizada, até o fim da década. Como o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias e discricionárias rígidas é superior ao estabelecido no arcabouço fiscal, a pressão sobre as despesas livres no orçamento crescerá a níveis operacionalmente inviáveis antes do fim da década – ou seja, a provisão de bens públicos essenciais não será possível. Tratamos dessa questão em meados de 2024[3]. Em janeiro de 2025, revisitamos o tema para mostrar que o pacote fiscal de redução de despesas, de dezembro de 2024, adiou o momento da ruína operacional, mas sem resolver as inconsistências estruturais de nosso Estado.

O próximo governo, quem quer que seja, já tem um encontro marcado com os fatos. Sem novas mudanças estruturais, e profundas, na política fiscal brasileira, o arcabouço fiscal será operacionalmente inviável até o fim do próximo governo. E desafios relevantes para o funcionamento do Estado já podem aparecer na execução do Orçamento Geral da União de 2027[4] – que, lembremos, terá princípios gerais definidos no último ano do atual governo.

Politicamente, a janela de oportunidade para a revisão da dinâmica do gasto parece ter se fechado até as eleições de 2026. Após o pacote fiscal do fim do ano passado, o governo não sinalizou novas medidas robustas de revisão da dinâmica de crescimento dos gastos para 2025, e é altamente improvável que essa seja uma agenda para o ano eleitoral de 2026. Políticas contínuas de pente-fino nos benefícios sociais, importantes e benéficas, foram colocadas em marcha, mas não compensam os efeitos nocivos das regras de crescimento dos gastos obrigatórios[5]. Com a institucionalidade atual, não há equilíbrio possível do lado das despesas.

A partir de março de 2025, a ministra Simone Tebet foi a primeira voz do governo a apontar uma janela para a discussão da situação. Mais do que sinalizar a necessidade de correções, Tebet indicou uma janela de oportunidade, logo após as eleições presidenciais de 2026, para uma ampla discussão da situação. Em eventos distintos[6], a ministra apontou que (i) sem alterações, o arcabouço fiscal não se sustentará ao longo do próximo governo; (ii) há uma janela de oportunidade estreita para as discussões, entre o fim do pleito e a posse do novo presidente; e (iii) um possível caminho seria rever renúncias fiscais, reforçando, mais uma vez, a preferência deste governo por ajustes pelo lado das receitas. Instado a comentar e desenvolver os pontos de Tebet, o ministro Fernando Haddad saiu pela tangente[7].

Discutir a revisão das instituições fiscais, em contexto eleitoral, não é uma novidade. Em 2022, as principais candidaturas à Presidência sinalizavam que haveria alguma revisão do Teto de Gastos após o pleito, de forma a permitir uma expansão real da despesa primária. Havia pressão crescente sobre o orçamento discricionário, que vinha sendo apaziguada com os “furos no Teto”[8], além de “consenso” quanto à necessidade de aumentar gastos recorrentes, como transferências de renda. Esses fatores levaram as candidaturas presidenciais participantes do segundo turno das eleições a indicar uma revisão nas regras fiscais, autorizando mais despesas. Após a eleição, essa pressão se traduziu na Emenda Constitucional da Transição (EC 126/22) e, posteriormente, no Novo Arcabouço Fiscal (LC 200/23).

Dessa vez, também sabemos que será necessária uma revisão das regras fiscais vigentes. Mas, diferentemente de 2022, a direção desse ajuste é incerta. De um lado, pode-se adotar uma revisão expressiva da dinâmica do gasto público, fazendo com que o Estado caiba dentro das regras fiscais vigentes. De outro lado, e em um extremo oposto, as regras fiscais podem ser novamente revistas, acomodando um crescimento adicional do gasto público, para além do que será compatível no Novo Arcabouço Fiscal – ou seja, nessa situação, as regras fiscais é que deveriam acomodar o Estado. Note-se que diversas soluções entre esses extremos podem surgir. Até agora, o esboço de solução do governo passaria pela revisão das renúncias fiscais, ampliando a arrecadação líquida e, assim, gerando mais espaço primário para acomodar despesas – o que exigiria, do lado dos dispêndios, uma revisão do seu limite de crescimento.

A formação de expectativas fiscais, no momento, encontra-se à deriva. A âncora fiscal vigente é insustentável e pode ser difícil de cumprir já no primeiro ano do novo governo. Não há uma sinalização clara de como o Congresso ou os diferentes grupos políticos pretendem solucionar essa questão, ainda que exista uma janela tentativa para ajuste, na transição entre o atual termo presidencial e o próximo. As múltiplas opções possíveis tornam a tarefa de projetar e avaliar cenários fiscais particularmente incerta, dificultando a formação de expectativas consistentes sobre o tema.

É necessário ter em mente que enormes mudanças podem ocorrer, inclusive para não mudar absolutamente nada. A depender do curso de ação escolhido, grandes mudanças nas dinâmicas de receitas e despesas podem ocorrer em somente um par de anos. Com potenciais guinadas na política fiscal, a previsibilidade dos agentes diminui, e isso tem impactos sobre as decisões de investimento e consumo que nem sempre são reconhecidas.

É importante ressaltar que este não é o único ponto da política fiscal prospectiva que gera incerteza para os agentes. Não podemos esquecer da ampliação da Isenção do IR e da Reforma Tributária, temas que modificarão a relação entre a sociedade e o Erário. No caso da Isenção do IR, há incertezas elevadas sobre quais setores serão, ou não, afetados pela compensação da ampliação da Isenção do IR. O texto do projeto está em análise no Congresso, podendo abarcar revisão de renúncias fiscais. No caso da Reforma Tributária, como abordamos em Destaque BRCG publicado em janeiro[9], tudo indica que será necessária uma revisão das alíquotas excepcionais existentes no novo IVA, já no início da próxima década. Em ambiente de exacerbada incerteza externa, não devemos ter a dinâmica doméstica como um fator de descompressão no horizonte relevante.

 


[1] Este artigo foi publicado originalmente como Destaque BRCG em 14/04/2025. Disponível em https://brcg.com.br/politica-fiscal-expectativas-a-deriva/

[2] O tema deste artigo foi tratado em recente BRCG Responde. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=I_-Mb7NovQ8

[5] As regras vigentes implicam em perspectivas de reajuste real de benefícios previdenciários, assistenciais e de mínimos constitucionais de Saúde e Educação, dentre outras despesas. Até 2022, as regras de reajuste dessas despesas eram mais contidas.

[8] Exceções legais que permitiram ao governo gastar acima do limite estabelecido pelo teto de gastos. Ver: https://brcg.com.br/encontro-marcado-ate-o-fim-da-decada-pressao-nas-despesas-e-a-implosao-das-instituicoes-fiscais/

[9] Ver: https://brcg.com.br/o-trilema-da-reforma-tributaria-e-a-solucao-a-brasileira/

 


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Comentários

Rodolfo Ribeiro
Parabéns aos autores. Que me lembre, uns dos primeiros a levantar esse tema, ainda no ano passado. Qual será o final disso?

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