Brasil Soberano: socorro aos exportadores ou política industrial mais ampla?

A reação do governo ao tarifaço americano (Programa Brasil Soberano) tem impacto primário contido, mas amplia possibilidade de uso dos recursos para muito além das empresas diretamente afetadas pela taxação americana.
O governo apresentou o programa Brasil Soberano[1], reação aos efeitos negativos do tarifaço[2] americano sobre a economia brasileira. Os objetivos do programa são socorrer as empresas exportadoras, preservar os empregos e ampliar os mercados externos para produtos brasileiros. Parte do escopo do plano foi coberta pela MP 1309/2025, divulgada ontem (13/08/2025). O programa engloba medidas tributárias, compras públicas diretas e concessão de crédito, dando suporte às atividades empresariais.
As empresas exportadoras receberão benefícios tributários. Dentre as principais medidas, as empresas exportadoras afetadas pelo tarifaço terão prazo de drawback[3] adiado em 1 ano e o pagamento de tributos federais será postergado em 2 meses. Além disso, houve um aumento do benefício tributário ao setor exportador, no contexto do programa Reintegra[4], mediante capitalização para a sua ampliação.
As regras para compras públicas foram flexibilizadas. A União e os entes subnacionais poderão adquirir bens não exportados, notadamente alimentos, de forma extraordinária para programas como merenda escolar e alimentação hospitalar. As compras serão feitas por procedimento simplificado, sem licitação, respeitando a média de preços do mercado.
As medidas envolvendo o crédito merecem especial atenção. O escopo de atuação do Fundo Garantidor de Exportações (FGE) foi ampliado, passando a englobar concessão de crédito para as empresas exportadoras. Os recursos do fundo serão parcialmente revertidos para uma linha específica de financiamento, no valor de R$30 bi, focalizada nas empresas afetadas pelo tarifaço. O acesso aos recursos se dará com contrapartida na manutenção de empregos. Também haverá aplicação de recursos em fundos garantidores de crédito, como o FGI, o FGO e o FGCE, oferecendo suporte adicional às empresas. Prazos e custos serão regulamentados posteriormente.
No total, o programa Brasil Soberano tem impacto primário orçado em R$9,5 bi em 2025. A capitalização de fundos garantidores de crédito será de R$4,5 bi, enquanto o fortalecimento do Reintegra custará R$5,0 bi. A isso se somam as linhas de crédito de R$30 bi previstas dentro do FGE (tabela 1).
Tabela 1: Medidas do Programa Brasil Soberano (2025)
Fonte: Ministério da Fazenda
O impacto primário do programa não é significativo, mas teremos uma nova rodada de exceções às regras fiscais. Os recursos serão retirados tanto do limite de despesas como da meta de primário. As exceções à meta de primário têm sido recorrentes, em parte devido ao mau uso do sistema de bandas fiscais – que não se presta a acomodar flutuações inesperadas e que tem, de fato, o seu piso (limite inferior) como a efetiva meta fiscal do Governo Central. Além disso, temos especial preocupação com o afrouxamento das regras para compras públicas, o que, se mal desenhado, abrirá as portas para a utilização de recursos de maneira escusa.
Uma leitura mais atenta da legislação indica que o público-alvo das medidas não se restringe às exportadoras afetadas pelo tarifaço americano. Essas empresas possuirão acesso prioritário aos recursos, mas não exclusivo. O texto da MP 1309/2025 aponta como possíveis beneficiários da linha de financiamento do FGE as “pessoas físicas e jurídicas de direito privado exportadoras de bens e serviços, bem como seus fornecedores, especialmente os impactados pela imposição de tarifas adicionais sobre exportações brasileiras aos Estados Unidos da América”. Abre-se margem para que o crédito facilitado seja concedido a quaisquer empresas exportadoras e aos seus fornecedores.
O destino dos recursos captados pela linha de financiamento é bastante amplo. A MP 1309/2025 autoriza que a linha de crédito financie (1) capital de giro para exportadoras impactadas pelo tarifaço; (2) aquisição de bens de capital ou investimento para adaptação da atividade produtiva de produtores e exportadoras impactados pelo tarifaço; (3) investimentos que propiciem adensamento da cadeia produtiva com vistas à ampliação das exportações e à abertura de novos mercados; (4) investimentos em inovação tecnológica ou adaptação de produtos, serviços e processos com vistas à ampliação das exportações e à abertura de novos mercados; além de (5) outras hipóteses relacionadas ao financiamento do comércio exterior, inclusive fornecedores.
Haverá dificuldades no enquadramento entre a destinação dos recursos e os efeitos do tarifaço. Dentre as autorizações previstas na MP 1309/2025, há clara relação com o tarifaço nas destinações para capital de giro e adaptação dos processos industriais ao choque tributário (itens 1 e 2). Nos outros casos, o enquadramento é sensivelmente mais vago, com escopo excessivamente amplo para a utilização dos recursos obtidos junto ao governo. Como explícito na apresentação do programa, o Brasil Soberano possui um eixo de diversificação e ampliação do acesso a mercados externos. Na prática, a destinação dos recursos previstas entre os itens 3 e 5 coloca em prática um mecanismo de crédito facilitado para todo o setor exportador, nisso incluindo a sua cadeia de fornecedores.
Embalado em um impacto primário contido, o Brasil Soberano viabiliza mais uma rodada de impulso creditício, com benefícios a um amplo conjunto de empresas e atividades produtivas. Considerando o contexto fiscal atual, com forte pressão orçamentária, e o ciclo político, com as eleições presidenciais de 2026, medidas como o Brasil Soberano representam um escape das amarras impostas pelo Novo Arcabouço Fiscal. Haverá impulso adicional à atividade não sujeito ao limite de despesas ou à meta de primário.
Com uma política fiscal e creditícia que opera fora de seus parâmetros usuais, a atuação monetária fica prejudicada. Algum socorro às empresas afetadas pelo tarifaço era esperado. No entanto, o eixo do Brasil Soberano que visa a ampliação das exportações brasileiras é exemplo de política industrial, priorizando empresas ou setores específicos, o que tem implicações sobre o equilíbrio macroeconômico mesmo com o impacto fiscal (primário) contido. Políticas dessa natureza mudam os preços relativos da economia e pressionam a demanda agregada no curto prazo, dificultando o trabalho do Banco Central e a convergência inflacionária. Enquanto não houver consistência entre as políticas fiscal, creditícia e monetária, o reequilíbrio macroeconômico brasileiro seguirá como um sonho distante.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Esse artigo foi originalmente publicado como Destaque BRCG em 15/8/2025. Para saber mais, acesse https://brcg.com.br/destaque-brcg/ . Para receber os artigos em primeira mão, cadastre-se em https://brcg.com.br/cadastro/
[2] Refere-se à nova política comercial dos EUA junto ao Brasil, elevando tarifas sobre as exportações brasileiras.
[3] Mecanismo que suspende, isenta ou restitui tributos sobre insumos importados usados na produção de bens exportados.
[4] Programa que devolve aos exportadores parte dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva, na forma de crédito tributário.
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