Macroeconomia

O debate sobre os efeitos econômicos da Inteligência Artificial

30 dez 2025

Crescimento econômico sustentado, um fenômeno raro até meados do século XVIII, encontrou seu catalisador permanente na inovação tecnológica. A partir da Primeira Revolução Industrial, a capacidade de inovar tornou-se um motor contínuo de transformação. Para Joseph Schumpeter, a essência do capitalismo reside na destruição criadora, e a inovação – a introdução bem-sucedida de novidades no mercado – é a "força motriz" do crescimento econômico.

Produtividade é a variável central que explica o crescimento, dependendo diretamente do ritmo das inovações. No entanto, os ganhos excepcionais ocorrem em ciclos distintos. Robert Gordon, analisando os EUA, destacou a alta taxa de aumento da produtividade do trabalho, de 2,8% por ano, entre 1948 e 1973. Períodos subsequente, como 2005 a 2025, apresentaram médias menores, em torno de 1,7%.

A Tecnologia da Informação e das Comunicações (TIC), frequentemente referida como a Segunda Idade da Máquina, representou um salto qualitativo ao superar os limites da capacidade mental humana, permitindo o processamento e transmissão de imensos volumes de informação, em velocidades inéditas. A TIC reconfigurou o mercado de trabalho: destruiu empregos manuais repetitivos, melhorou a vida de quem executa tarefas mentais e criou novas categorias de empregos para trabalhadores bem treinados. A automação evoluiu do campo manual para o mental, do tangível para o intangível.

Mais recentemente, enquanto os computadores inicialmente seguiam instruções restritas, o machine learning, uma forma de Inteligência Artificial que surgiu na segunda metade da década de 2010, permitiu a superar as limitações originais. Com isso, os computadores adquiriram habilidades sofisticadas, como leitura, escrita e reconhecimento de padrões. Essa nova fase da automação não se restringe mais ao chão de fábrica, ou às atividades primárias, mas sim substitui empregos em escritórios, ampliando os seus efeitos. O setor de serviços, que antes parecia imune, começa a ser impactado pela automação e globalização simultâneas e exponenciais, um fenômeno descrito por Richard Baldwin como a “Globotics Transformation”.

Uma série de questões importantes se coloca com o advento e a rápida expansão da IA nos anos recentes, especialmente em sua versão generativa. Enquanto esses avanços geram euforia nos investidores, especialmente nos EUA, há dúvidas se a alta das ações se justifica por um novo ciclo robusto de produtividade, ou se é mais uma bolha especulativa, ou uma combinação das duas coisas.

São notórias as dificuldades em identificar bolhas ex-ante. E mesmo que isso fosse possível, as autoridades econômicas e bancos centrais não disporiam de uma efetiva margem de manobra para contê-las. Segundo metodologia desenvolvida por Robert Shiller, ganhador de um prêmio Nobel de Economia, o indicador preço/lucro (PL) do mercado acionário americano aproxima-se hoje do nível do ápice da bolha das dotcom em 2000. Atualmente, as empresas de tecnologia, que de início investiam com capital próprio, já emitem grande volume de títulos de dívida, aumentando as preocupações com a alavancagem financeira. A ex-segunda pessoa na hierarquia do FMI, Gita Gopinath, chegou a estimar um prejuízo potencial de US$ 35 trilhões com eventual estouro da bolha de IA, na hipótese de a bolsa cair em ritmo semelhante ao verificado por ocasião da crise dos anos 2000

De qualquer modo, um eventual estouro da bolsa não eliminaria os efeitos positivos do avanço tecnológico, que traz ganhos de bem-estar não totalmente captados por estatísticas tradicionais de PIB, em áreas como medicina, entretenimento e comunicação. Contudo, há críticas sobre a distribuição desigual dos frutos da nova tecnologia, que poderia aumentar a desigualdade, polarizar ainda mais o mercado de trabalho, substituir ocupações humanas e criar uma divergência crescente entre a produtividade e os salários reais dos trabalhadores. De qualquer forma, as tecnologias da Segunda Idade da Máquina seguem sendo aprimoradas exponencialmente, gerando expectativas positivas para a IA. Mas os seus efeitos sobre a produtividade e o crescimento devem demorar, ou seja, provavelmente ocorrerão com certa defasagem. Até o presente momento, o ritmo da produtividade permanece abaixo do "período de ouro". Entre 2005 e 2025, os ganhos de produtividade nos EUA têm estado em de 1,7%, bem inferiores, portanto, aos 2,8% de 1920-1970.

Em trabalho publicado no início do ano, o prêmio Nobel de Economia de 2024 e professor do MIT, Daron Acemoglu, avaliou o impacto da IA sobre o crescimento da economia americana nos próximos dez anos. Central para sua análise é a Teoria das Tarefas, que vê a produção como uma série de tarefas executadas por capital ou trabalho. Utilizando dados detalhados sobre ocupações e respectivas tarefas, e o potencial da IA em executá-las, Acemoglu estima que, nos próximos dez anos, a IA aumentará o PIB dos EUA em apenas 1% acima do crescimento base, um ganho anual de cerca de 0,1%. Esse número surpreendentemente baixo já considera a eficiência e o estímulo à acumulação de capital. Embora o trabalho tenha sofrido críticas – alguns preveem um impacto bem maior, de 5% –, as divergências focam nos parâmetros (fração do PIB afetada e ganho previsto de produtividade), e não na metodologia inovadora de Acemoglu.

Focando num período mais curto, da pandemia até hoje, a produtividade do trabalho nos EUA acelerou modestamente,  atingindo médias anuais de 1,8% (OCDE) a 2,1% (BLS), superando outras nações desenvolvidas. Contudo, a Inteligência Artificial (IA) só começou a impulsionar esses ganhos a partir de meados de 2023, período que coincide com o aumento na abertura de empresas intensivas nessa tecnologia[1]. Embora estudos prevejam ganhos futuros significativos com a adoção generalizada da IA, há dúvidas sobre a sustentabilidade do ritmo atual nos EUA. O debate americano concentra-se nos riscos de mercado, como as preocupações com bolhas em empresas de tecnologias e incertezas sobre o impacto líquido no emprego, que pode tanto criar novas vagas quanto eliminar outras em larga escala.

Pelo lado positivo, há estudos indicando que a IA generativa dissemina as melhores práticas dos trabalhadores mais competentes e ajuda os trabalhadores menos experientes a progredir mais rapidamente na curva de aprendizado – o que pode ser um impulso à produtividade.

No Brasil, as estimativas sobre o potencial de melhora da produtividade com a IA generativa são positivas, de maneira geral, mas gargalos estruturais em infraestrutura digital e capital humano podem vir a limitar os ganhos de produtividade em setores com oportunidades claras de redução de custos e inovação.

O Nobel Philippe Aghion vê a atual revolução tecnológica com otimismo cauteloso, enfatizando a necessidade de adaptação através da "destruição criadora". Para que os países naveguem essa transição com sucesso, é crucial investir em educação de alta qualidade, programas de treinamento contínuo e políticas ativas de mercado de trabalho. Reformas políticas também são necessárias para evitar a concentração excessiva de mercado e poder econômico, combinando concorrência e política industrial focada em melhorar o acesso a dados e poder computacional.

 

[1] Ver https://www.chicagofed.org/publications/speeches/2025/feb-28-siepr-econo... . Cline, Alexander, James A. Kahn, and Robert W. Rich. 2025. “Is High Productivity Growth Returning?” Federal Reserve Bank of Cleveland, Economic Commentary 2025-01. https://doi.org/10.26509/frbc-ec-20250.

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