Afinal, qual foi (será) a evolução do gasto sob Temer?
O governo apresentou sua proposta de orçamento para 2019. Como acontece em final do mandato, cabe ao presidente em exercício enviar a Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do primeiro ano de mandato do seu sucessor.
Essa proposta ainda passará pelo crivo dos parlamentares e, mesmo depois de aprovada, pode ser alterada por projetos de crédito extraordinário, desde que em linha com as metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que também pode ser alterada.
Mais do que um indicativo do que o próximo governo fará, o PLOA 2019 é um registro das intenções e legado fiscal do governo Temer.
A imprensa já apontou, sem grande destaque, alguns dos problemas ou “bombas” fiscais a serem enfrentados pelo próximo presidente, como a “morte-súbita” do subsídio ao diesel (que acaba em 31 de dezembro) e o descumprimento da Regra de Ouro (em R$ 258 bilhões caso não se aprove um PL de crédito extraordinário).[1]
A herança não será fácil, mas nesta nota abordarei somente a evolução da despesa primária da União, pois desde a proposição do teto de gasto por Dilma Rousseff, em 2016, este tem sido o corretamente o foco do debate fiscal no Brasil.
Pois bem, dada a aprovação da Emenda Constitucional 95 (EC95), qual será o legado do governo Temer em termos de despesa primária? A resposta depende do que você preferir olhar, o discurso ou a prática da equipe econômica.
Se nós levarmos a sério a programação fiscal deste ano e o PLOA 2019, Temer elevou o gasto primário para 20% em 2016 e fechará seu governo no mesmo patamar. Para compensar essa não redução do gasto, a equipe econômica propõe, para seus sucessores, um corte de 0,7 ponto percentual pp do PIB na despesa primária de 2019. A figura 1 apresenta os números de acordo com as projeções oficiais do governo.
A conclusão inevitável da figura 1 é que, apesar de toda retórica do teto de gasto, Temer propõe fechar seu governo exatamente com o mesmo nível de gasto em proporção do PIB verificado em 2016. Como já destacado por diversos analistas, inclusive o autor deste texto, o teto de gasto de Temer foi construído para não ter grandes efeitos restritivos durante o seu mandato.
Já se nós considerarmos a prática da equipe econômica e analisarmos somente as despesas recorrentes da União, a evolução do gasto primário sob Temer será diferente do discurso oficial. Mais especificamente, para ter um quadro mais claro da despesa primária dos últimos anos é necessário fazer dois ajustes nos números apresentados na figura 1:
- Excluir gastos não recorrentes, como a capitalização da Petrobras (em 2010) e os atrasos (em 2012-14) e posterior liquidação de pagamentos aos bancos públicos (em 2015).
- Utilizar o gasto efetivo acumulado em 12 meses até julho (19,5% do PIB) como guia do que o governo Temer fará no restante deste ano, dada a dificuldade (ou resistência) da equipe econômica em utilizar o espaço fiscal disponível.
Para excluir itens não recorrentes da despesa, basta utilizar a própria definição do governo.[2] Os dados oficiais só vão até 2017, mas devido ao caráter “imprevisível” da greve dos caminhoneiros deste ano, classificarei o subsídio ao diesel como gasto não recorrente em 2018, em benefício da atual equipe econômica.
A figura 2 apresenta os números. Quando consideramos somente a despesa primária recorrente, o quadro do governo Temer muda significativamente em relação à figura 1, isto é:
- Em 2016: houve elevação de 1,3 pp do PIB da despesa primária, com a grande aumento do gasto antes da fixação do teto pela EC95. Esta iniciativa foi correta e ajudou a estabilizar a renda e o emprego no final de 2016 e início de 2017.
- Em 2017: houve corte de 0,5 pp do PIB da despesa primária, com forte contingenciamento de investimentos. Esse “impulso fiscal negativo” foi compensado pela liberação de recursos do FGTS no ano passado, mas ainda assim contribuiu para lenta recuperação da economia, sobretudo devido ao seu impacto sobre a construção civil.
- Em 2018: o gasto acumulado em doze meses até julho está 0,1 pp do PIB abaixo do registrado no ano anterior, mas com nova redução dos investimentos públicos devido à elevação da despesa obrigatória da União. Caso esse patamar se mantenha até dezembro, o governo Temer fechará com uma despesa primária 0,7 pp do PIB superior ao verificado no último ano completo do governo Dilma.
Os números da figura 2 indicam que, apesar retórica oficial, “com teto de gasto e com tudo” haverá (houve) expansão do gasto primário sob Temer.
Apesar da composição desfavorável à sustentação do crescimento, devido à grande redução do investimento público, a expansão fiscal sob Temer foi correta do ponto de vista macroeconômico. Mais especificamente, o contexto econômico de 2016, com queda do PIB e redução da inflação, indicava ser necessário uma flexibilização fiscal no curto prazo para estabilizar a renda e o emprego. Esta foi a proposta do governo Dilma Rousseff no início daquele ano, que depois foi ampliada significativamente pelo governo Temer.
Porém, uma vez dado o impulso inicial em 2016, a expansão fiscal teve vida curta. A equipe econômica voltou à contração fiscal do orçamento primário já em 2017, com forte de redução de investimentos. Essa tendência se manteve em 2018 e será ainda maior em 2019, devido ao crescimento da despesa obrigatória da União.
Por fim, olhando para o PLOA 2019, cabe perguntar quão verossímil é o gasto primário proposto por Temer para seu sucessor? Novamente a resposta depende do que você olha.
Se usarmos o que o governo Temer fala como referência (figura 1), o corte de gastos será elevadíssimo, de 0,7 pp do PIB no próximo ano. Já se usarmos o que o governo Temer fez nos doze meses acumulados até julho (figura 2), o corte será de apenas 0,1 pp do PIB. Em benefício da equipe econômica, ficarei com a prática ao invés do discurso.[3]
Para avaliar a redução do gasto proposta para 2019, vale a pena voltar à figura 2 e verificar quando isto ocorreu em nossa história recente. A série começa somente em 1997 e, desde então, houve cinco episódios de redução do gasto:
- O ajuste fiscal de Fernando Henrique, durante a crise cambial de 1999, quando a despesa primária caiu em aproximadamente 0,3 pp do PIB.
- O ajuste fiscal de Lula, em 2003, quando houve a maior redução anual de gasto primário já registrada pelo Tesouro, no valor de 0,7 pp do PIB.
- A aceleração do crescimento, em 2008, quando mesmo com aumento da despesa, o crescimento da economia foi tão alto que reduziu o gasto primário da União em 0,6 pp do PIB.
- O ajuste fiscal de Lula e Dilma, em 2010-11, quando a despesa primária caiu em 0,7 pp do PIB em dois anos. A redução de 2010 foi puxada pela aceleração do PIB, enquanto a redução de 2011 decorreu do contingenciamento de gastos discricionários.
- O ajuste fiscal de Temer, em 2017-18, quando a despesa primária deve cair em 0,6 pp do PIB, após o “banquete fiscal” de 2016.[4]
Voltando às considerações sobre 2019, em termos absolutos, o corte de despesa proposto por Temer (0,1 pp do PIB) não parece elevado. Porém, a probabilidade de esse ajuste ocorrer depende mais das condições iniciais da economia do que de seu valor absoluto.
Em cada um dos cinco episódios apresentados acima, a redução de despesas ocorreu após um período de elevação do gasto primário. Em outras palavras, havia espaço ou “gordura” para cortar despesas, o que não é o caso atual, vide o baixíssimo investimento público e a forte redução de gastos discricionários de custeio.
Assim, se nossa história política e econômica serve de guia, a situação atual indica não ser possível grande redução do gasto primário em 2019. O mais provável é que ocorra elevação da despesa em relação aos 19,5% do PIB verificados atualmente, após a revisão do teto de gastos e da regra de ouro pelo próximo governo.
Como já apontei em outro texto neste blog, o ideal é que a provável revisão de nossas regras fiscais ocorra em conjunto com reformas estruturais do gasto obrigatório da União, de modo a ancorar as expectativas de mercado e permitir a flexibilização fiscal de curto prazo para acelerar a recuperação da economia.
Anexo: gasto primário total e recorrente da União
[1] Ver nota à imprensa do Ministério do Planejamento, em 31/ago/18, disponível em: http://planejamento.gov.br/noticias/nota-a-imprensa-2013-ploa-2019.
[2] Apresentada no último “Boletim de Resultado Primário Estrutural”, da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE-MF).
[3] Após o golpe parlamentar de 2016, baseado na mudança da jurisprudência do TCU com efeitos retroativos, a equipe econômica corretamente optou por fixar metas fiscais “pessimistas” (déficits excessivos) para evitar mudanças que pudessem comprometer a continuidade do governo. Em outras palavras, a meta de resultado primário passou a ser baixa o suficiente para a minimizar sua chance de descumprimento, enquanto no dia-a-dia da política fiscal o governo persegue um resultado mais elevado.
[4] Termo utilizado por Marcio Garcia para descrever 2016 (“Banquete antes da Dieta”, Jornal Valor Econômico de 8/jul/16) em http://www.valor.com.br/opiniao/4628175/banquete-em-vespera-de-dieta.
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