A macroeconomia em um novo patamar de juros
A tentativa de entender o fenômeno das taxas de juros no Brasil sempre foi motivo para debates acalorados. A última rodada dessa discussão ocorreu em 2017 por ocasião de um provocativo artigo escrito por André Lara Resende, que gerou uma série de contribuições de vários economistas. A maior contribuição do artigo, a meu ver, foi trazer de volta um debate importante que havia ficado em segundo plano.
Em função dos efeitos da crise econômica do biênio 2015-16, a taxa de juros Selic atingiu em março de 2018 sua mínima histórica, em 6,5% a.a. Em termos reais, equivale a uma taxa real ex-ante (descontada a expectativa de inflação) próxima a 2,5% a.a. A observação histórica dessa taxa por si só tem servido para criar certo conformismo com o fato de que nossa recuperação está lenta.
Ocorre que essa não é a melhor medida para essa análise. A taxa de juros corrente deve ser comparada com o que os economistas chamam de taxa de juros natural, que é a taxa de equilíbrio da economia. Como conceito teórico, a taxa natural é de difícil mensuração. Mas é consenso que essa taxa tem caído nos últimos anos. Dessa forma, há uma avaliação equivocada de que a atual postura da política monetária é suficientemente estimulativa.
Em segundo lugar, apesar de o IPCA ter encerrado o ano em 3,59% e, portanto, próximo da meta de inflação de 4,5%, os núcleos inflacionários estão indicando inflação em patamar muito abaixo desta meta. Essas medidas indicaram que a inflação está rodando em torno de 2,8% e, desta forma, está mais próxima do piso da banda. Essa diferença é explicada por fenômenos não recorrentes, como a crise dos caminhoneiros, e pelos preços administrados (planos de saúde, combustíveis e energia elétrica), não relacionados à demanda agregada.
Por fim, existe a questão sobre a conveniência do atual estímulo monetário. O hiato do produto continua muito negativo. As estimativas indicam que o hiato do produto está variando em torno de -8% a - 7%. Projeções do meu colega do IBRE, Bráulio Borges, indicam que, com esse nível de hiato, e considerando o atual quadro da política econômica e da economia internacional, o hiato do produto estaria fechando em torno de 2022. Isso significa que o país conviverá com um nível de produção abaixo da sua capacidade por sete anos. Isso não parece nem um pouco razoável.
Por essas razões, acredito que seja oportuno reavaliar o quadro e retomar um processo de redução da taxa de juros. O número de analistas e economistas com visão similar à minha é crescente e o mercado já começa a incorporar esse cenário em suas previsões, razão pela qual as curvas de juros estão se tornando cada vez mais flats.
Independentemente das decisões de curto prazo da política monetária, o fato é que esse cenário, em que as taxas de juros brasileiras parecem estar se tornando cada vez mais baixas, é uma tendência que, em minha análise, finalmente veio para ficar. Isso coloca uma série de desafios para a gestão da política econômica em um país que aprendeu a conviver com taxas elevadas e, com base nesta realidade, construiu suas instituições.
Em uma primeira reflexão sobre essa questão, destaco os direcionamentos de crédito e a fixação de taxas de juros. Em um ambiente de juros elevados, foi justificável utilizar nosso sistema dual de crédito para alocar recursos para todos os setores da economia. Mas esse mecanismo em excesso acarretou dois problemas: má alocação do capital, com reflexos na produtividade, e problemas de proximidade excessiva entre governo e setor empresarial, o que alguns especialistas chamam de capitalismo camarada.
Quando feito de forma cuidadosa, uma redução gradual do direcionamento de crédito e a flexibilização das taxas de juros podem aumentar a potência da política monetária e a produtividade do capital da economia. Esse processo de reforma da arquitetura do Sistema Financeiro Nacional ainda deverá contar com instituições específicas que lidarão com as peculiaridades do mercado de crédito, tais como financiamento imobiliário, pequenas empresas e infraestrutura, por exemplo.
Em função dessas transformações, também deveremos ter mudanças na atuação do setor público. Em primeiro lugar, os bancos públicos deverão especializar sua carteira de crédito cada vez mais nos segmentos mencionados acima. Em segundo lugar, em vez de atuar conferindo subsídios financeiros na forma de equalizações de juros, o governo deverá atuar cada vez mais no segmento de garantias e seguros para desenvolver esses mercados. Um exemplo evidente é a oferta de hedge cambial em operações de infraestrutura.
Uma forma de aumentar a potência da política monetária e estimular a recuperação é reduzindo os depósitos compulsórios. Atualmente, os depósitos compulsórios estão maiores que na época da crise financeira internacional ou mesmo que em 2001. Esse é um tema em que é possível avançar de forma mais rápida e é apropriado como maneira de oferecer mais liquidez ao mercado de crédito em um momento em que ele está se recuperando. Ao final desse processo, o Banco Central poderá trabalhar com compulsórios estruturalmente mais baixos.
Um outro setor que deverá passar por uma transformação importante, em função da queda das taxas de juros, é o de fundos de pensão. Com a redução das taxas de juros, os passivos atuariais se elevarão e isso demandará maior cuidado na definição dos planos de benefícios e, por outro lado, maior sofisticação da carteira de investimentos para aumentar seus retornos. Aqui será importante fortalecer a regulação e a transparência da gestão desses fundos.
A agenda econômica é ampla e o nosso histórico é que as reformas sejam incrementais. Mas uma confluência de fatores tem oferecido uma oportunidade única para produzirmos avanços que há pouco tempo pareciam distantes. A modernização do Sistema Financeiro Nacional é oportuna e trará resultados positivos para economia.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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