O intrincado caminho para reformar a Previdência
A mudança de forma rápida e contínua na pirâmide etária brasileira traz desequilíbrio às contas da previdência. O que torna premente o estabelecimento de critérios mais duros para aposentadorias e pensões. Contudo, a simples constatação da existência dessa realidade aritmética não garante o surgimento de uma solução política. Embora as principais lideranças compreendam o contexto e os meios de comunicação tenham procurado apoiar a agenda da reforma previdenciária, haverá dificuldades na negociação de regras que definam o que deve ser mudado. Afinal, o que estará em gestação é um aumento das exigências para o ingresso na aposentadoria de boa parte da população. Não há como negar o embaraço na comunicação e no convencimento àqueles que serão diretamente prejudicados. Deve-se esperar fortes reações.
Em sua linha de defesa, os lesados trarão questionamentos quanto ao tamanho do sacrifício que lhes estaria sendo imputado. Por conta de uma suposta injustiça que estaria para ser cometida, haverá a tentativa de sensibilizar legisladores e, se possível, a opinião pública. Por fim, não se pode deixar de lembrar que o critério a ser estabelecido no novo sistema penaliza alguns grupos em detrimento de outros. O que acentua o debate do que viria a ser um nível “justo” de sacrifício. Não é à toa que reformas nos sistemas de aposentadorias e pensões têm encontrado tantas resistências em todo o mundo.
Recentemente, em 20 de fevereiro, o Poder Executivo enviou ao Legislativo uma proposta de emenda à Constituição cujo teor é a reforma da Previdência. Vencida o que se poderia chamar da primeira etapa, entra-se no segundo estágio de negociações para a mudança no sistema previdenciário. Agora é a vez do Congresso Nacional se manifestar. Na definição dos papéis neste novo ciclo, existia o entendimento de que o presidente Bolsonaro lideraria o processo de divulgação e convencimento da população quanto à necessidade do ajuste. Além disso, trabalharia para cooptar deputados e senadores para votarem a favor da mudança constitucional. No entanto, o Chefe do Executivo tem dado mostras que não está disposto a ter tal protagonismo. O que parece uma intransigência pode ser na verdade um posicionamento político estratégico.
Por melhor que seja a condução da reforma da previdência, haverá grupos de insatisfeitos. Por isso, não se pode desconsiderar o ônus político que restará quando da aprovação de uma norma tão espinhosa. Bolsonaro pode estar trabalhando para transferir aos congressistas a conta do desgaste. Nesse momento vale tudo. Por exemplo, seu posicionamento contrário à reforma da previdência quando era deputado federal passa a ser extremamente oportuno, uma vez que lança dúvidas quanto à importância que dá ao assunto.
Por outro lado, como há uma forte mobilização em torno do tema, por que haveria a necessidade de fornecer alguma vantagem aos congressistas para que votem a favor da reforma? Afinal, a grande maioria dos parlamentares deveria ao menos estar convencida da necessidade em aprova-la. O que justifica frases proferidas pelo presidente, tais como: “Fizemos nossa parte, a bola da previdência agora está com o Parlamento”; ou “Não serei levado para um campo de batalha que não é o meu, sou Executivo”; ou “O que é articulação? O que falta eu fazer?”; ou ainda, “Alguns não estão acostumados com a nova forma de fazer política”.
Pelo visto, a parte maldita da herança do endurecimento das diretrizes no regime de aposentadorias e pensões ainda renderá muitos capítulos. Um longo, tortuoso e intrincado caminho para reformar a previdência parece estar em curso.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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