Macroeconomia

Seja uma empresa de inteligência artificial

22 nov 2019

“A Inteligência Artificial está pronta para transformar toda a indústria, como foi feito pela eletricidade há 100 anos”  - Andrew Ng

Convencer as pessoas, mesmo quando você está certo, não é uma tarefa fácil. Paul Claudel, diplomata, dramaturgo e poeta francês, dizia: “É mais trabalhoso conduzir os homens pela persuasão que pela força”. Na história, não faltam exemplos para corroborar a ideia de Claudel. Recentemente, conheci a história de Bennet Omalu, um médico nigeriano residente nos Estados Unidos. Omalu descobriu que as pancadas na cabeça recebidas pelos jogadores de futebol americano ao longo da carreira poderiam causar sérios danos cerebrais. Mesmo certo, enfrentou sérias dificuldades para convencer as pessoas numa sociedade em que o futebol americano é quase uma religião. A NFL, liga de futebol profissional americano, é extremamente forte e não tinha interesse algum que as pessoas conhecessem os riscos envolvidos na prática deste esporte. Havia, portanto, uma grande assimetria de informação entre as crenças da sociedade e o que o médico dizia.

Segundo estudo da Mckinsey, a adoção de tecnologias de inteligência artificial pode adicionar US$ 13 trilhões na economia mundial até 2030, o que representa 16% do PIB do planeta. Nos próximos anos, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas terão que mudar de ocupação devido à adoção de novas tecnologias. Tais mudanças representarão uma restruturação do mercado de trabalho e da produção equivalentes às revoluções industriais anteriores (Forbes, 2019). Para Andrew Ng, ex-cientista chefe da Baidu AI Group e Google Brain, a Inteligência Artificial está pronta para transformar toda a indústria, de forma análoga à revolução provocada pela eletricidade há mais de 100 anos.

O avanço das tecnologias de IA é algo inexorável. Adotá-las ou não já não é mais uma escolha para as empresas. Mais que isso, as empresas precisam decidir se querem apenas adotar técnicas de IA ou se transformar em uma empresa de Inteligência Artificial. Uma diferença sutil, mas que parece crucial para a sobrevivência das empresas ao longo do tempo. Poucas empresas, no entanto, já começaram a pensar como uma “empresa de IA”. No Brasil, quase nenhuma. E convencê-las, como ilustra o início desse texto, não é uma tarefa fácil.

Mas, afinal, o que é IA? O que é ser uma “empresa de IA”? E como me tornar uma empresa de IA? Segundo a Gartner, líder em pesquisas na área de tecnologia, Inteligência Artificial é um campo de estudo que une alguns ramos de conhecimento humano (em especial, computação e engenharia), com o objetivo de criar algoritmos que imitam as funções cognitivas humanas, como o aprendizado e a resolução de problemas. Em linhas gerais, algumas das diferentes áreas de estudo e aplicação de IA são: robótica, visualização e interpretação de imagens, planejamento, agendamento e otimização, carros autonômicos, diagnósticos médicos, processamento de linguagem natural, etc.

E o que é ser uma empresa de IA? Andrew Ng tem um exemplo interessante. Imagine uma loja física em um shopping center que criou um site na web. Apesar de ela ter adotado um canal de vendas on-line, não se pode dizer que essa loja se tornará automaticamente uma empresa de e-commerce. Se a loja não usa todas as ferramentas disponíveis para maximizar suas vendas na web, ela é apenas uma loja física que tem um site na web. O mesmo raciocínio vale para uma empresa de IA. A mera utilização de modelos de machine learning e estatística clássica não a torna uma empresa de IA.

Para se tornar uma empresa de IA, é preciso que as atividades estejam organizadas de forma a que sejam executadas extremamente bem, e isso demanda um maior domínio e conhecimento das ferramentas. É fundamental que se tenha uma visão estratégica, levando em conta que a implementação desse tipo de iniciativa demanda um certo tempo, tanto de planejamento e preparação, quanto para observar os primeiros resultados efetivos da adoção de IA como uma das atividades principais da empresa. Então, é importante entender os casos em que o uso das ferramentas de IA são válidos, considerando custos, complexidade e valor gerado. Por esse motivo, é importante investir em projetos piloto, que podem ajudar na identificação das limitações na adoção de IA, bem como em quais frentes as ferramentas terão maior potencial de gerar impacto.

Além da elaboração do(s) projeto(s) piloto(s), diversos outros pontos são igualmente relevantes e devem ser considerados ao longo do planejamento estratégico. O primeiro deles é a infraestrutura tecnológica. Métodos de IA envolvem grandes quantidades de dados, e um ponto de partida crucial é garantir que exista uma capacidade de processamento eficiente e satisfatória. Da mesma maneira, é de suma importância a implementação de estratégias de coleta/obtenção de grande volume de dados para garantir melhores resultados, pois, na maioria das vezes, quanto mais dados, melhor. Sem essas garantias, a tentativa de implementação de uma estratégia de IA não será exitosa.

Além da criação de uma estrutura que permita a aplicação de IA no dia a dia da empresa, outra etapa importante é a criação de equipe interna que seja capaz de implementar as ferramentas. Contudo, a demanda atual por pessoal com habilidades necessárias para implementar ferramentas de IA supera a oferta, de tal modo que ter capacidade de atrair e manter pessoas especializadas é relevante, mas mais importante é ser capaz de criar as competências internamente.

Por fim, os processos de implementação de IA demandam, em diferentes níveis, alguma mudança na cultura interna da empresa ou de pessoas e instituições com quem ela se relaciona. Do ponto de vista administrativo, é preciso mudar a forma de escolher e organizar as equipes ou mesmo de contratar e treinar os empregados. Do ponto de vista dos negócios, deve-se melhorar a forma pela qual os produtos são criados e como os dados que são adquiridos ou gerados pelos usuários podem ganhar maior importância. Também é indispensável reconhecer a existência de limitações relacionadas a barreiras regulatórias, assim como a necessidade de esforço para a aceitação da sociedade, dos usuários e, inclusive, da equipe interna.

Em suma, ser uma empresa onde a inteligência artificial se torne onipresente não é simples. Não é uma tarefa trivial convencer as pessoas de que vale a pena encarar essa tarefa, nem sempre compensadora no curto prazo. Mas tudo indica que não encará-la é uma opção bem menos recomendável.

Fonte: Gartner, 2019


LANDING AI. AI transformation playbook – How to lead your company into the AI era. 2019

MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. Notes from the AI frontier: Modeling the impact of AI on the world economy, set. 2018. Disponível em: http://bit.ly/notes-ai-frontier

FORBES.AI and Automation 2019 predictions from Forrester, 6 nov. 2018. Disponível em: http://bit.ly/forbes-predictions-from-forrester

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

 

 

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João Hallais
Pedro

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