Economia Regional

3,3 milhões de nordestinos saem da pobreza entre 2012 a 2023

11 jun 2024

Apesar de todos os choques econômicos e da pandemia, 3,3 milhões de nordestinos saíram da pobreza, mesmo com a região ainda registrando 47,4% de pobres. Novos mecanismos para acelerar essa queda precisam ser pensados.

“É fácil ignorar os pobres se estes forem estatisticamente invisíveis”. Esta frase presente no Handbook de Haughton e Khandker justifica muito bem a necessidade de mensurar a pobreza[i].  Como ainda estamos longe de um cenário tolerável de níveis de pobreza e das desigualdades sociais no país, o cálculo e a análise desses indicadores são bastante pertinentes.

Deixaremos para artigo futuro um olhar sobre a desigualdade e concentraremos essa discussão sobre mensuração e análise da pobreza e extrema pobreza. Uma medida confiável de pobreza, conforme escreveu Martin Ravallion, é necessária, por constituir um poderoso instrumento para concentrar a atenção dos formuladores de políticas nas condições de vida dos pobres[ii]. Ao mensurar pobreza, denunciamos um fenômeno que ainda é extremamente pertinente e damos publicidade para um problema persistente no Brasil.

Assim como no caso dos indicadores de renda, também é possível evidenciar disparidades regionais relevantes ao analisar os indicadores de pobreza no Brasil. As regiões Norte e Nordeste apresentam rendimentos médios inferiores e os maiores índices de pobreza quando comparadas com as demais regiões. Essa disparidade reflete-se nos indicadores de desenvolvimento humano, saúde, educação e emprego, que são significativamente piores nestas regiões.

Além disso, na composição da renda domiciliar nessas regiões, como foi debatido nos artigos publicados anteriormente, a participação de transferências governamentais, como o Bolsa Família, aumentou de importância, o que também influencia a estabilidade e a qualidade de vida das famílias.

Na análise realizada neste artigo vamos apresentar indicadores de pobreza monetária, calculados com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), referente ao período de 2012 a 2023. Embora seja possível definir indicadores multidimensionais, calculados por diferentes abordagens, a privação de renda ainda é bastante correlacionada com privações em outras dimensões do bem-estar humano.

Os indicadores monetários se baseiam em dados de rendimentos amplamente disponíveis, atualizados regularmente e que permitem comparações temporais e regionais consistentes. Eles são também relativamente simples de calcular, interpretar e transmitir didaticamente uma medida de bem-estar da população. Tais características os tornam extremamente relevantes para o desenho e o monitoramento de políticas sociais.

A mensuração da pobreza, conforme definido por Amartya Sen, envolve a resolução de dois problemas: i) a identificação de quem é pobre, e ii) a agregação desta informação em uma medida adequada[iii]. No primeiro aspecto, como já citado, foi realizada o emprego de duas linhas de pobreza, sendo definidos assim os indicadores de pobreza e extrema pobreza. Por sua vez, a agregação é realizada com o cálculo da proporção de pessoas em situação de pobreza (residentes em domicílios pobres) ou incidência de pobreza baseada na família de indicadores proposta por Foster, Greer e Thorbecke[iv].

Ambos os indicadores de pobreza são calculados com base nas estimativas de rendimento mensal médio domiciliar per capita, com base nas informações de rendimentos de todas as fontes e o número de pessoas declaradas como membros de cada domicílio. Os valores de rendimentos foram ajustados a preços médios de 2023 pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Adotamos as linhas de pobreza recomendada pelo Banco Mundial, convertidos de acordo com a paridade de poder de compra (2017) e ajustados de acordo com o IPCA[v]. Dessa forma, foram identificados como pobres os domicílios com rendimentos inferiores a linha de pobreza de US$ 6,85/ dia (PPC 2017), valor ajustado para o ano de 2023 como sendo próximo de R$ 667/ mês. Por sua vez, são identificados como extremamente pobres os domicílios em que a medida de renda foi inferior a linha de US$ 2,15/ dia (PPC 2017), que foram convertidos para um valor de aproximadamente R$ 209/ mês.

Seguindo estes parâmetros, a Figura 1 abaixo apresenta o número estimado de pessoas em situação de pobreza no Brasil em 2023 que correspondia a um contingente de aproximadamente 60,4 milhões de pessoas, equivalente a 28% da população, o menor índice de pobreza desde 2012. Ao comparar o último e o primeiro ano da série, temos uma redução de 6,7 pontos percentuais, o que representa uma estimativa de 8,3 milhões de pessoas a menos na situação de pobreza. Grande parte dessa redução, no entanto, observada nos dois últimos anos.

Figura 1. Índice de pobreza no Brasil e regiões (2012-2023).

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

O maior valor da série foi registrado em 2021, com uma estimativa de 78,3 milhões de pessoas (36,9%). Um resultado direto do cenário conjuntural estabelecido durante a pandemia de Covid-19. Em 2022, as estimativas apontaram que esse contingente era de 67,9 milhões de pessoas (31,7%). Desde 2021, podemos estimar que 17,9 milhões de pessoas deixaram a situação de pobreza, sendo 7,5 milhões a menos entre 2022 e 2023.

Na Figura 1, também temos as trajetórias do indicador de pobreza para as cinco regiões no período de 2012 a 2023. Pode-se constatar por esse gráfico que as diferenças regionais são bem evidentes, com o Nordeste e o Norte apresentando uma situação ainda bem mais crítica, apesar dos avanços.

No caso da região Nordeste, a proporção de pessoas em situação de pobreza foi estimada em aproximadamente 47,4%, em 2023, o que corresponde a mais de 27,5 milhões de pessoas. Esse valor é equivalente a 45% das pessoas em situação de pobreza no Brasil. Para termos uma ideia melhor dos níveis de disparidades regionais ainda existentes no país, esse valor no Nordeste em 2023 é 3,2 vezes maior do que o índice estimado para a região Sul, que foi de 14,9% no mesmo ano.

Apesar de reconhecer que o índice de pobreza na região Nordeste ainda é extremamente elevado, essa proporção esteve acima de 50% na grande maioria da série iniciada em 2012, com exceção dos anos de 2020 e 2023. A região foi a que apresentou a maior redução absoluta no número de pessoas em situação de pobreza entre 2012 e 2023, uma redução superior a 3,3 milhões de pessoas. Em termos relativos a regiões Norte apresentou o maior avanço, com uma redução de quase 11,6 pontos percentuais, seguido da região Nordeste, com recuo de 8,9 pontos percentuais. A Tabela 1 abaixo apresenta uma síntese destes números.

Tabela 1. Variações do índice de pobreza e no número de pessoas
em situação de pobreza no Brasil e regiões (2012-2023).

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

Mesmo dentro do conjunto definido como pobre, existe bastante heterogeneidade. A linha de pobreza poderia ainda omitir diferenças relevantes entre os pobres. Assim, também se faz relevante o cálculo com base em um limiar mais restrito. No que diz respeito a mensuração deste grupo mais vulnerável, identificado a partir da linha de extrema pobreza, apresentamos as séries de dados no gráfico da Figura 2. Novamente as diferenças regionais são evidentes, com as regiões Nordeste e Norte apresentando valores mais elevados para o índice.

Figura 2. Índice de extrema pobreza no Brasil e regiões (2012-2023).

Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

As estatísticas calculadas com base na linha de pobreza mais restrita mostram que 4,4% da população brasileira em 2023 pode ser identificada em situação de pobreza extrema, o que corresponde a uma estimativa de 9,5 milhões de pessoas. Trata-se de um contingente populacional extremamente relevante, maior do que a população de 21 das 27 unidades federativas (de acordo com dados já divulgados do Censo Demográfico de 2022), e até de alguns países como é o caso de Paraguai e Uruguai. Em uma perspectiva de longo prazo, quando comparado a 2012, temos uma redução de 2,2 pontos percentuais, o que representa uma estimativa de 3,5 milhões de pessoas que deixaram de ser extremamente pobres nesse período. No entanto, como os dados revelam, o período em análise apresentou variações positivas e negativas do indicador de pobreza, em resposta a conjuntura do período, com aumento significativo em 2021 e forte redução nos dois anos seguintes.

Quando estabelecemos o foco da análise sobre as regiões, tem-se que a região Nordeste apresentou a maior proporção de pessoas em extrema pobreza ao longo de todo o período, seguida da região Norte. Em 2023 o índice de pobreza extrema para o Nordeste foi estimado em 9%, equivalente a pouco mais de 5,6 milhões de pessoas. Em 2012 essa medida foi de 14,2%, ou 7,7 milhões de pessoas. No pior ano da série, 2021, o índice de extrema pobreza no Nordeste alcançou o patamar de 17,6%, onde mais de 10 milhões de pessoas se enquadravam nesta condição de insuficiência de renda mais severa.

Estes dados permitem inferir que, desde 2021, mais de 5 milhões de pessoas deixaram a condição de extrema pobreza na região Nordeste. Isso represente metade da redução de pessoas em situação de pobreza no Brasil no mesmo período (que foi de 9,7 milhões entre 2021 e 2023).

Embora se tenha um avanço significativo em termo de redução de pobreza no Nordeste, as diferenças regionais não apresentaram forte redução. O índice de pobreza do Nordeste, que era equivalente a 2,1 vezes maior do que a média nacional em 2012, ainda é 2 vezes maior do que a média nacional em 2023.

Assim como a Tabela 1, a Tabela 2, a seguir, apresenta variações do índice de extrema pobreza e na estimativa do número de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil e nas regiões.

Tabela 2. Variações do índice de extrema pobreza e no número
de pessoas em situação de extrema pobreza no Brasil e regiões (2012-2023).


Fonte: Elaboração dos autores, com base nas informações da PNAD Contínua (2012-2023).

Outro aspecto que chama muito a atenção nas séries apresentadas na Figura 2 é a forma como o indicador de extrema pobreza é mais volátil quando comparado com o indicador de pobreza (apresentado na Figura 1). Embora as escalas dos gráficos sejam diferentes, é possível ter uma ideia visual dessa maior volatilidade.

Enquanto a série do índice de pobreza para o Nordeste apresenta um coeficiente de variação de 5,46% (com desvio-padrão de 2,87), o coeficiente de variação calculado para o índice de extrema pobreza é de 18,4% (com desvio-padrão de 2,44). Para a região Norte o coeficiente de variação do índice de extrema pobreza foi calculado em 20,20% (com desvio-padrão de 2,21) comparado com o coeficiente de variação para o indicador de pobreza, de 7,44% (com desvio-padrão de 3,75). A hipótese básica é de que essa maior volatilidade está associada a uma maior sensibilidade da base da distribuição de renda aos choques conjunturais; o que é economicamente intuitivo.

Em um artigo publicado em 2021, Sena Gnangnon obteve evidências para países em desenvolvimento de que a volatilidade dos indicadores de pobreza, resultante de choques econômicos e sanitários (como foi a pandemia de Covid-19), induz taxas de pobreza mais elevadas consistentemente[vi]. O que destaca a importância de políticas de estabilização da economia e da renda das famílias mais vulneráveis.

Finalizando essa análise, com base nas informações apresentadas, reforçamos a necessidade de compreensão da dinâmica dos indicadores de pobreza e extrema pobreza monetárias, seja para o Brasil, seja para as diferentes regiões.  O período considerado é bastante interessante e peculiar, pois permitiu verificar o comportamento destes indicadores em momentos de recessão, em particular no cenário de crise sanitária.

As informações também permitem evidências de respostas dos indicadores às políticas de transferência de renda, com uma ação de transferência robusta em resposta a pandemia em 2020 e sua ausência em 2021, e às reformulações que ocorreram a partir de 2022. Embora a conjuntura nacional seja determinante, os dados mostram que as repercussões regionais são de grande relevância, principalmente no que tange aos resultados das regiões Norte e Nordeste do país.

Também apresentamos uma evidência relevante que justifica políticas econômicas e sociais que estabilizem a renda de grupos mais pobres, os protegendo da volatilidade decorrente, principalmente, dos momentos adversos. É sabido que instabilidade e incerteza afetam não apenas o bem-estar contemporâneo, mas podem ter efeitos que se perpetuam por vários períodos, principalmente se esta volatilidade é recorrente. Obviamente, a região Nordeste concentrando quase 60% dos brasileiros em situação de maior vulnerabilidade (extrema pobreza) em 2023, necessita de uma atenção diferenciada, uma vez que esta volatilidade pode significar uma restrição adicional ao desenvolvimento e a melhora de bem-estar de sua população. Além do que, novas políticas para acelerar a redução da pobreza também precisam ser pensadas.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[i] HAUGHTON, J.; KHANDKER S. R.. Handbook on poverty+ inequality. World Bank Publications, 2009.

[ii] RAVALLION, M.. Poverty Lines in Theory and Practice. LSMS Working Paper No. 133, World Bank, Washington, DC, 1998.

[iii] SEN, A.. Poverty: An ordinal approach to measurement. Econometrica, p. 219-231, 1976.

[iv] FOSTER, J.; GREER, J.; THORBECKE, E.. A class of decomposable poverty measures. Econometrica, p. 761-766, 1984.

[v] Detalhes sobre as linhas adotadas pelo Banco Mundial e suas atualizações podem ser conferidas em: JOLLIFFE, D.; MAHLER, D.G.; LAKNER, C.; ATAMANOV, A.; TETTEH BAAH, S. K. Assessing the Impact of the 2017 PPPs on the International Poverty Line and Global Poverty. Policy Research Working Paper No. 9941, Washington, DC: World Bank, 2022.

[vi] GNANGNON, S. K. Poverty volatility and poverty in developing countries. Economic Affairs, v. 41, n. 1, p. 84-95, 2021.

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