Macroeconomia

Acordo Mercosul-União Europeia: por que agora e o que esperar?

3 jul 2019

As negociações entre o Mercosul e a União Europeia (UE) foram iniciadas em 1999 e, após uma troca de ofertas em 2004, ficaram paralisadas. Em 2014, as negociações foram retomadas e predominavam previsões pessimistas quanto a um possível desfecho para o acordo. Em 28 de junho de 2019, foi anunciada a conclusão das negociações que ainda dependem da aprovação pelos respectivos parlamentos para entrarem em vigor. O que mudou?

A questão agropecuária sempre foi destacada como um dos entraves às negociações. As ofertas da União Europeia vinham acompanhadas de restrições em produtos de interesse dos países do Mercosul. Por outro lado, as ofertas dos países do Mercosul eram consideradas em outros setores, como o da indústria, serviços ou temas regulatórios, como compras de governo.

Os pontos acima enumerados estavam presentes até recentemente, porém, mudaram as avaliações politicas quanto à assinatura do acordo. A avaliação de ganhos e perdas está presente, mas antes é preciso que haja vontade política.

Durante a primeira década dos anos 2000, e até por volta de 2013, os ganhos com o boom das commodities colocou a agenda de ganhos de acesso a mercados nos bastidores. Não que o tema de acesso a mercado dos produtos agropecuários na União Europeia estivesse ausente da pauta da política comercial dos países do Mercosul. Entretanto, considerava-se que ganhos substanciais só seriam alcançados na esfera multilateral, a Rodada Doha. Após 2012, políticas protecionistas como exigências de conteúdo local, impostos de exportações, licenciamentos de importações, entre outras, passaram a ser utilizadas pelas duas maiores economias do Mercosul, o que dificultava negociações para uma área de livre comércio. Na União Europeia, a atenção estava voltada para os efeitos da crise de 2008 sobre os seus países membros mais vulneráveis e possíveis repercussões na consolidação da integração da região.

A última reforma tarifária no Brasil, se considerarmos o Mercosul, foi em 1994. O novo governo brasileiro, através de seu ministro da Economia, anunciou desde a campanha eleitoral o compromisso com um programa de liberalização comercial O governo argentino, apesar de algumas medidas protecionistas recentes, apresenta-se como comprometido com um programa liberal. Ademais, quer assegurar cenários que favoreçam a credibilidade do país, num momento em que as políticas do governo são interpretadas como voláteis . Paraguai e Uruguai sempre se posicionaram, de forma geral, a favor de menos proteção ao setor industrial. São economias com parques industriais pequenos e pouco diversificados. No caso do Brasil, adiciona-se que a assinatura do acordo deve facilitar a entrada do país na OCDE, pois é esperado o apoio da União Europeia.

No caso da União Europeia, o bloco já possui acordos de livre comércio na América do Sul com o Chile, Colômbia, Peru e Equador, além de um acordo com o México. O posicionamento beligerante dos Estados Unidos, que já afetou as exportações de produtos siderúrgicos europeus e ameaça as exportações de automóveis, leva a que os países europeus tendam a privilegiar comportamentos que mostrem disponibilidade para negociações. Além disso, num mundo onde as negociações multilaterais não conseguem avançar, o aumento de acordos bilaterais e regionais é esperado. Nesse sentido, os países do Mercosul sabem que a plena liberalização agrícola é uma meta cada vez mais distante e, logo, valeria obter algum ganho num acordo bilateral.

O contexto econômico e político era favorável a acordo Mercosul-União Europeia. A seguir alguns pontos do acordo.

Não se conhece o cronograma complete da liberalização e nem a lista de produtos que não entrou na negociação. Sabe-se que a carne bovina vai estar sujeita a uma cota com tarifa de 7,5%, assim como cotas também incidiram sobre o etanol (tarifa zero para uso industrial) e o açúcar. Os carros europeus entraram primeiro com uma cota de 48.000 veículos com tarifa de 17,5% e em 15 anos haverá livre comércio. Uma avaliação requer a lista das ofertas de cada grupo.

No momento, queremos destacar os pontos ressaltados pela Comissão Europeia (na sua divulgação do acordo). Além dos possíveis ganhos com as reduções tarifárias, fica nítida a preocupação em transmitir que o acordo reforça o compromisso com o desenvolvimento sustentável.

É enfatizado que faz parte do acordo o “princípio da precaução” que assegura que a União Europeia e o Mercosul poderão utilizar normas para a segurança da saúde e do meio ambiente, mesmo que a informação científica não seja conclusiva. O que já tem sido motivo de controvérsia, segundo matéria do jornal Valor Econômico (01/07). Na interpretação dos negociadores brasileiros, o princípio exclui questões relativas à normas fitossanitárias, mas nota-se que meio ambiente é um conceito amplo.

Estão no acordo o compromisso com o Acordo de Paris, o combate à exploração ilegal de madeira, compromissos de proteção aos direitos humanos e provisões para promover o papel das populações indígenas.

Em suma, a Comissão Europeia destaca todos os pontos que poderiam levar ao questionamento pelos cidadãos europeus do grau de compromisso dos países do Mercosul com os princípios associados com questões do desenvolvimento sustentável e direitos humanos.

O acordo Mercosul-União Europeia marca uma mudança nas diretrizes da política comercial do Brasil e abre a possibilidade de outros acordos com países desenvolvidos. Não é um “choque de abertura” com efeitos imediatos e os cronogramas permitem que os setores se ajustem e incluem medidas que contrariam posições brasileiras na área agropecuária (como aceitação de cotas). A decisão política de fechar o acordo deve ter influenciado o quanto de concessão o Brasil estava disposto a oferecer, num cenário de paralisação das negociações multilaterais.

A linguagem de acordos em áreas regulatórias é às vezes vaga, como no caso dos compromissos nas áreas ambientais e de direitos humanos. No entanto, é previsto um mecanismo de solução de controvérsias e, sob esse prisma, o acordo deve ajudar para que o país continue a sua tradição de liderança na área ambiental.

Por último, deve ser ressaltada a importância do acordo no contexto da política comercial do Brasil. É o primeiro acordo com um grupo de países que possuem vantagens comparativas em diversos segmentos da indústria e dos serviços em relação aos setores brasileiros. E, se por um lado, alguns segmentos industriais do Brasil irão precisar se adaptar a esse cenário de maior concorrência, irão ter acesso a bens de capital e bens intermediários mais baratos que auxiliam na redução dos custos de produção e aumento da produtividade. Embora a história mexicana nos lembre que a realização dos acordos não é garantia absoluta de ganhos de produtividade em todo os setores.

O acordo é um bom sinal. No entanto, a agenda de reformas microeconômicas (tributária, por exemplo), melhorias na infraestrutura, investimento em educação, entre outros, continuam na agenda de prioridades para que o país volte a crescer de forma sustentável. O acordo é um instrumento, mas não é suficiente.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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