Macroeconomia

Algumas lições de 2008 para a crise atual

13 mar 2020

Há grande apreensão sobre o impacto do coronavírus que se espalhou no mundo e chegou ao Brasil atingindo a economia brasileira em estágio de desaceleração. A Arábia Saudita decidiu aumentar a produção do petróleo desestabilizando o mercado e colocando em dúvida a viabilidade da produção em vários países. A resposta ideal de política econômica está em entender a profundidade e a duração desses eventos.

A crise atinge o Brasil de várias formas. Um choque financeiro com queda da bolsa de valores, que entrou em circuit breaker por quatro vezes na última semana, e a depreciação da taxa de câmbio. Esse choque financeiro levará à forte restrição de crédito. Por um lado, o faturamento das empresas cai e a demanda por capital de giro se eleva. Por outro lado, a oferta de crédito se contrai: a incerteza se eleva e o risco aumenta pois há dificuldade de entender quais agentes estão mais expostos, em particular, no segmento de médias e pequenas empresas. O terceiro efeito, ocorre sobre a desaceleração da atividade e da inflação que já se situava bem abaixo da meta.

A pergunta, portanto, é o que fazer? Vale observar as respostas de política econômica que foram implementadas na crise de 2008. No primeiro momento, foi importante estabilizar o mercado de câmbio com intervenções do Banco Central que atuou de forma conjunta com outros bancos centrais em um esforço de coordenação essencial. O FED disponibilizou linhas de crédito para o Banco Central do Brasil. Naquela ocasião, descobriu-se que empresas exportadoras apuraram prejuízos em operações com derivativos e o governo brasileiro ofereceu liquidez em vários formatos para atender as demandas que surgiram. Nessas crises, muitas surpresas acontecem, mas o mais importante é estar disposto a conter o contágio da crise e diferenciar o que é urgente do que é importante.

O Banco Central iniciou uma série de intervenções no mercado de câmbio para tentar suavizar os movimentos, mas ao não anunciar uma política mais previsível, falta clareza sobre sua disposição de normalizar o funcionamento do mercado e o arsenal disponível. No mercado de crédito, os anúncios do governo são dúbios: alguns bancos públicos anunciaram linhas emergenciais de crédito, mas outros dirigentes afirmaram não ver necessidade de ação. O BC pode elevar a liquidez reduzindo os compulsórios. Há necessidade de tempestividade porque fica a dúvida se haverá suporte suficiente e isso é um fator de desestabilização. Acredito que aos poucos a banda acerta o tom.

Haverá uma reação importante dos principais países que deve ser considerada tanto do lado monetário quanto fiscal. No Brasil, há questionamentos sobre os efeitos de uma nova rodada de redução de juros em função de condições financeiras adversas. A lição de crises passadas é que, passado o momento de incerteza mais aguda no mercado, as condições mais objetivas de inflação abaixo da meta e atividade mais fraca prevalecem. O erro da reação à crise de 2008 foi a demora do Banco Central em flexibilizar a política monetária o que sobrecarregou os demais instrumentos. A solução aqui é seguir flexibilizando a política monetária em doses mais moderadas.

Na política fiscal, a necessidade de recursos para o sistema de saúde ficou evidente por não haver leitos e insumos suficientes para atender toda a demanda potencial. Enquanto isso precisa ser resolvido, o governo acena com um expressivo contingenciamento para cumprir a meta fiscal que parece ter ficado velha em função da provável frustração de receitas. Em 2008, a mudança tempestiva da meta foi importante para que a política fiscal do governo federal não exacerbasse o ciclo. A carteira de projetos do governo não está alavancada como naquele período o que dificulta uma reação mais célere dos investimentos. Em um primeiro momento, é factível retomar algumas obras que estão paralisadas e elevar as contratações do Minha Casa Minha Vida. Mas o mais urgente é evitar o estrangulamento financeiro oferecendo liquidez via postergação de impostos para empresas e desonerações para as pessoas mais necessitadas, além das medidas creditícias que mencionei. É provável que o governo prefira fazer via FGTS, em função da forma de atuação da equipe econômica, mas isso não ajuda as pessoas mais necessitadas.

Há comoção em torno da agenda de reformas porque a situação atual prejudica o debate de alguns dos temas da forma como estão postos. Mas é importante observar que a crise abre oportunidade para outros assuntos importantes. Em 2008, o governo criou um programa habitacional, simplificou a contratação de obras, ampliou a progressividade do imposto de renda e abriu o debate sobre as remunerações da caderneta de poupança que permitiu mais à frente uma redução substancial da Selic. Da mesma forma, a crise atual abre oportunidade para aperfeiçoamento do sistema de saúde, reforça a necessidade de discutir a nova lei de falências e o papel do Banco Central como gestor de crises realçando a importância do projeto de resolução das instituições financeiras e a criação de depósitos voluntários. Outras reformas virão e o mais importante é que o governo saiba lidar com isso.

Há uma necessária racionalização das regras fiscais que ficará mais evidente para os não especialistas. Segundo os especialistas em saúde a crise deve durar pelo menos quatro meses. Ao final desse período, o governo entregará uma proposta orçamentária ainda mais inviável do que a desse ano. Ao mesmo tempo, terá produzido uma bela expansão fiscal com o gasto público real atingindo o maior valor da série histórica e o nível de investimentos na mínima histórica depois de quatro anos de teto de gastos. Os especialistas em finanças públicas pedem que mais gastos sejam feitos por fora da regra, por meio de créditos extraordinários. Ao final da crise talvez alguém note que alguma está coisa errada.

É importante chamar atenção para o fato de que as reformas não têm alcançado os resultados esperados por conta de condições cíclicas desfavoráveis, erros de formulação e pelo elevado grau de incerteza e disputa existente na economia brasileira. Na situação atual, é mais improvável que possam apresentar melhores resultados no curto prazo e a fraqueza da economia é um baque ainda maior nessa agenda que precisa ser considerado. Esse debate continua, mas colocar as coisas de uma forma tão extremada é tão irreal quanto encontrar ateus nas trincheiras.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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Pedro Andrade
Manoel Pires

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