Analisando a reforma da Previdência: pensões
A Câmara dos Deputados aprovou a reforma da previdência em primeiro turno. Houve modificações importantes em relação à proposta inicial do governo, mas ainda falta a votação de 2º turno e a análise do Senado, que pode incluir outras modificações.
Tudo indica que a proposta final de reforma será aprovada até outubro e, nesse momento, retomo minha série sobre as mudanças em discussão, com foco na questão das pensões.
Em primeiro lugar, como já apontaram vários especialistas em previdência, o governo brasileiro gasta um valor elevado com pensões por morte. Essa anomalia deve-se basicamente a dois fatos:
1) A maioria das pensões do INSS e dos servidores públicos foram concedidas de modo vitalício, independentemente da idade do beneficiário.
2) O valor de reposição da pensão é relativamente alto, correspondendo a 100% do valor da renda que a pessoa falecida teria direito, no caso do INSS, e de 100% até o teto do INSS + 70% do que exceder o teto do INSS, no caso de servidores públicos.
Devido aos excessos acima, em 2015, ainda no governo Dilma, enviamos uma proposta de reforma das pensões por morte para adequar o valor de reposição ao número de dependentes da família de quem faleceu, bem como vincular a duração da pensão à idade do beneficiário principal.
A proposta do governo Dilma não foi totalmente aprovada em 2015 por que, naquele momento, a medida valeria somente para os segurados do INSS. As novas pensões pagas a dependentes de servidores públicos não seriam afetadas pela mudança via lei porque suas regras estavam na Constituição.
Em 2015 os parlamentares concordaram em aprovar somente a vinculação da duração da pensão à idade da pessoa beneficiada, deixando qualquer alteração no valor de reposição para um momento posterior, quando o governo encaminhasse uma proposta de reforma conjunta do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS), via emenda constitucional.
O valor do benefício continuou igual a 100% da aposentadoria recebida pelo segurado, ou do valor a que ele teria direito se fosse aposentado, distribuído para toda a família.
A proposta do governo Bolsonaro retomou a discussão sobre pensões por morte, resgatando a fórmula de cálculo do valor de reposição apresentada pelo governo Dilma.
Em 2015, mediante Medida Provisória, propusemos que o valor das pensões fosse de 50% do valor do benefício, acrescido de 10% por dependente. Uma família com apenas uma pessoa receberia o mínimo de 60% do valor do benefício do segurado. Com dois dependentes o valor subiria para 70% e assim em diante, até atingir 100% no caso de uma família com cinco dependentes.
A proposta de 2015 também previa que nenhuma pensão seria inferior a um salário mínimo, ou seja, a regra de 50% + 10% por dependente só seria aplicada se o valor resultante fosse superior a um salário mínimo.
Passados quatro anos, a proposta de Bolsonaro aprovada em 1º turno pela Câmara segue exatamente a regra de 50% + 10% por dependente apresentada em 2015, mas sem previsão de piso de um salário mínimo. Em outras palavras, as pensões poderão ser inferiores a um salário mínimo.
Para atenuar a decisão acima, mediante uma emenda do DEM, aprovada por 344 votos contra 132, a Câmara decidiu que o piso de um salário mínimo será preservado somente se a família beneficiada provar que não tem outra renda formal além da pensão.
A decisão da Câmara tem lógica se e quando tivermos um sistema integrado de monitoramento da renda de todos os beneficiários de transferências sociais do governo. Enquanto isso não acontecer, criar condição adicional para acessar pensões de um salário mínimo aumentará o custo operacional do benefício, além de incentivar a omissão de renda por parte de uma parte dos segurados.
A solução mais simples teria sido manter o piso das pensões em um salário mínimo, deixando a revisão desse valor para lei específica, quando o INSS desenvolver um sistema de monitoramento e cruzamento de dados de todos os programas sociais do governo.
Outra mudança importante e correta aprovada pela Câmara foi aplicar as novas regras de pensão também aos servidores públicos, alinhando o RGPS e RPPS nesse quesito, e remetendo as regras de pensão dos dois regimes para lei específica.
Enquanto a lei específica não for aprovada, a proposta aprovada pela Câmara em 1º turno veda o recebimento conjunto de mais de uma pensão por morte à conta do mesmo regime de previdência, RGPS ou RPPS.
Nas acumulações permitidas (artigo 25 da PEC 06/19), o beneficiário receberá 100% do benefício mais vantajoso e uma parcela variável dos benefícios restantes, com percentuais que variam de acordo com o valor em questão:
1) 80% do valor igual ou inferior a um salário-mínimo;
2) 60% do valor que exceder um salário-mínimo, até o limite de dois salários mínimos;
3) 40% do valor que exceder dois salários mínimos, até o limite de três salários mínimos;
4) 20% do valor que exceder três salários mínimos, até o limite de quatro salários mínimos; e
5) 10% do valor que exceder quatro salários mínimos.
Considerando as mudanças como um todo, a reforma das pensões por morte está na direção correta, pois ela:
1) adequa o valor de reposição ao número de dependentes;
2) alinha as regras do RPPS e RPPS; e
3) estabelece critérios para acumulação de pensões, preservando o recebimento integral do benefício mais vantajoso.
O ponto dissonante foi permitir pensões menores do que um salário mínimo para quem tiver outra renda formal, com critério vago de aplicação de tal princípio. Este ponto merece reavaliação pelo Senado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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