Cenários

Ano novo, velhos problemas

6 jan 2025

A instabilidade macroeconômica decorre do fato de que, desde a crise de meados da década passada, o país não tem conseguido assegurar o equilíbrio das contas públicas. Ainda é possível reverter a situação, mas o tempo é curto.

Após avanços importantes em 2023 na melhoria do ambiente de negócios, com a aprovação da PEC da reforma tributária e do projeto do Novo Marco de Garantias, 2024 começou com uma volta ao passado, motivada pelo anúncio em janeiro da nova política industrial (Nova Indústria Brasil, NIB).

A NIB representou um retrocesso em várias dimensões, como o foco na indústria e a ênfase em conteúdo local em detrimento da absorção de inovações da fronteira tecnológica. Além disso, não existe um arcabouço baseado em metas claras, monitoramento e avaliação de impacto, nem uma governança que impeça a captura por grupos de interesse. Isso tende a fazer com que políticas ineficazes continuem a ser adotadas indefinidamente, com implicações negativas sobre a produtividade.

Outro retrocesso marcante foi a ausência de vontade política por parte do governo de cumprir o arcabouço fiscal por ele mesmo proposto. Isso ficou claro ao longo do ano com a mudança das metas de resultado primário a partir de 2025 e as diversas excepcionalizações que foram criadas para execução de despesas fora das regras fiscais.

O pacote fiscal apresentado pelo Executivo no final de novembro reforçou a percepção de baixa preocupação com a sustentabilidade das contas públicas. Além disso, a desidratação das medidas fiscais pelo Congresso evidenciou que o Legislativo também não tem sentido de urgência em relação à necessidade de estabilizar a trajetória da dívida pública.

Essa deterioração do cenário fiscal foi captada pelo Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) do FGV IBRE, que subiu 5,0 pontos em dezembro, atingindo 115,4 pontos, o que representa seu maior nível desde março de 2023. Entre outubro e dezembro do ano passado ocorreu uma elevação de 10,6 pontos, o que caracteriza um aumento abrupto e significativo da incerteza em relação à política econômica.

Os dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE referentes aos três primeiros trimestres de 2024 também revelam uma perda substancial de dinamismo da produtividade da economia brasileira em comparação com 2023, quando a produtividade por hora efetivamente trabalhada teve crescimento de 2,3%.

No terceiro trimestre de 2024, a produtividade por hora efetiva aumentou apenas 0,1% em comparação com o mesmo trimestre de 2023. Quando se considera a variação acumulada nos três primeiros trimestres de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior, o aumento da produtividade foi de apenas 0,3%.

O desempenho da produtividade total dos fatores (PTF) foi ainda pior. Em 2023, a PTF teve crescimento de 1%, mas houve redução ao longo dos trimestres em 2024. No terceiro trimestre, a PTF teve queda de 0,8% em comparação com o mesmo trimestre de 2023. A redução acumulada da PTF nos três primeiros trimestres de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior foi de 1,1%.

Os bons indicadores da atividade econômica e do mercado de trabalho em 2024 ainda não refletem essa piora do cenário econômico, mas isso deve mudar a partir deste ano. A equipe do Boletim Macro do FGV IBRE liderada por Silvia Matos projeta que o crescimento do PIB deve desacelerar de 3,5% em 2024 para 1,8% em 2025, refletindo o impacto defasado da elevação da Selic e o menor impulso fiscal. Essa diminuição do crescimento, por sua vez, terá um impacto negativo no mercado de trabalho e na renda real.

Como tenho ressaltado neste espaço, uma boa gestão de política econômica seria capaz de estabilizar a relação dívida/PIB e assegurar a continuidade do crescimento com baixo desemprego, especialmente diante dos ganhos potenciais de produtividade resultantes das reformas aprovadas nos últimos anos.

O grande problema é que desde a crise de meados da década passada o país não tem conseguido assegurar o equilíbrio das contas públicas de forma duradoura. Isso não somente inviabiliza a aceleração sustentada do crescimento, mas pode levar o país de volta a um quadro de forte instabilidade macroeconômica que parecia superado. Ainda é possível reverter essa situação, mas o tempo é curto.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 03/01/2025.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.