Cenários

Atividade em 2023 foi mais fraca do que parece

22 mar 2024

Como em 2024 agricultura deve recuar, PIB crescer 1,6% será ritmo próximo ao de 2023. Decisão do presidente de iniciar o governo acelerando gasto  deixará como legado do governo Lula III uma dívida pública de 84% do PIB.

O IBGE divulgou o crescimento da economia brasileira no quarto trimestre de 2023. Temos, portanto, os números para o ano passado. Não houve surpresas. A economia no quarto trimestre andou de lado, recuou 0,04% e, no ano – nos quatro trimestres de 2023 ante os quatro trimestres de 2022 –, cresceu 2,9%.

O crescimento em 2023 foi todo concentrado nos dois primeiros trimestres: respectivamente 1,3% e 0,8%. O crescimento do primeiro trimestre foi, todo ele, fruto da expansão da agropecuária. No segundo trimestre o crescimento foi mais difuso entre os setores. Na segunda metade do ano a economia cresceu 0,03% e recuou 0,04%.

Se considerarmos o crescimento da produção, líquido (subtraído) da alta dos impostos indiretos – estatística conhecida por valor adicionado total –, a expansão foi de 3,0%.

Pela ótica da oferta agregada, os setores que respondem menos ao ciclo econômico – a agropecuária e a indústria extrativa mineral – contribuíram com 1,1 ponto percentual, de sorte que o crescimento do valor adicionado, líquido desses dois setores, foi de 1,9%. Bem menos brilhante. De fato, a agropecuária cresceu 15% em 2023!

Essa desagregação entre agropecuária e extrativa mineral e os demais setores faz sentido pois, provavelmente, a agropecuária em 2024 apresentará crescimento negativo. Se considerarmos a economia, líquida desses dois setores, o crescimento médio em 2023, tomando como ponto de partida o quarto trimestre de 2022, e de chegada o quarto de 2023, foi de 0,54% por trimestre, ou 2,2% anualizado.

Se supusermos que a economia cresça nos próximos oito trimestres ao ritmo de 0,54% por trimestre, o crescimento em 2024 será de 1,6% e, em 2025, de 2,2%. Ou seja, dado que em 2024 teremos crescimento negativo da agricultura, crescer 1,6% será um ritmo próximo ao que tivemos em 2023. Trata-se de uma boa projeção para o crescimento da economia no biênio 2024-25. A economia manterá crescimento próximo ao do PIB potencial.

Assim, a política econômica deve promover um pouso suave da economia brasileira. Ao longo de 2024 e 2025, haverá retirada da contração monetária acompanhada de retirada da expansão fiscal. O gasto primário real – deflacionado pelo IPCA –, que cresceu 7,8% em 2023, terá alta em 2024 de 3,2%. Muito provavelmente o crescimento em 2025 será ainda menor se o governo Lula não alterar as regras do arcabouço fiscal aprovado em 2023. A retirada do impulso fiscal permitirá a continuidade do ciclo de queda da taxa de juros, e, como vimos, o pouso suave da economia brasileira.

A pedra que existe no caminho do pouso suave – cenário perfeitamente possível, como vimos no parágrafo anterior – é se a dinâmica do mercado de trabalho promover ao longo de 2024 e 2025 uma reinflação dos serviços. A taxa de desemprego tem rodado abaixo de 8%. As medidas que tínhamos para a taxa natural de desemprego, isto é, para aquela taxa que mantém o salário crescendo no ritmo da produtividade do trabalho, era de 9,5%. Desde então diversas reformas foram aprovadas, inclusive a reforma trabalhista, e é possível que a taxa neutra tenha caído. Talvez tenha caído para algo próximo de 7,5%. Não sabemos.

Se houver lenta convergência da inflação para a meta de 3% ao longo de 2024 e 2025, teremos lenta convergência da taxa Selic para algo entre 7,5% e 8,5%, a depender das estimativas do juro neutro na economia brasileira. Com juro neutro a 4,5% e inflação na meta, a taxa Selic pode cair até 7,6%.

Aos olhos de hoje, me parece que não será o caso. A inflação deve ficar na casa de 3,5%-4% e talvez a política fiscal seja um pouco expansionista. É possível Selic a 9% com juro real de 5%, um pouco acima do juro neutro.

Quais são os fatores que podem mudar esse quadro? Primeiro, uma desinflação mais rápida nos EUA, que promova queda mais intensa da taxa de juros por lá. Um segundo fator é o crescimento da receita, em função das inúmeras medidas que foram aprovadas pela Fazenda em 2023, maior do que se imagina. Nesses casos, é possível divisar uma queda mais acentuada da taxa Selic, mesmo porque, nesses cenários, o real deve se fortalecer e ajudar no controle inflacionário.

De qualquer forma, a decisão do presidente de iniciar o governo com o pé no acelerador do gasto público deixará como legado do governo Lula III uma dívida pública de 84% do PIB. Entre dezembro de 2022 e dezembro de 2026, a dívida pública irá crescer 12 pontos percentuais do PIB. Veremos como o sucessor de Lula, que pode ser o próprio, lidará com essa herança.

Vale uma última observação mais estrutural, como foi o caso do comentário no parágrafo anterior, sobre os números fechados referentes a 2023 divulgados pelo IBGE. O assunto aqui é a evolução da formação bruta de capital fixo, o investimento. Esse componente da demanda agregada expressa a confiança e a capacidade de enxergar o futuro dos agentes econômicos. Logo antes de nossa grande crise de 2014 até 2016, a taxa de investimento – medida a preços constantes de 1995 – rodava a 22,8% do PIB. Este número refere-se a 2013. Com a crise, tivemos um nadir (ponto mais baixo) em 2017, de 16,9% do PIB. Após toda a arrumação de 2015, no primeiro ano do segundo mandato de Dilma, do governo Temer e dos primeiros três anos de Bolsonaro, a taxa de investimento elevou-se para 19,7% do PIB em 2021. Desde então, o aumento das incertezas políticas tem promovido uma lenta redução dos investimentos. Fechamos 2023 a 18,2% do PIB, 1,3 ponto percentual somente acima do nadir de 2017. Penso que uma recuperação mais perene dos investimentos terá que aguardar o próximo mandato, quando deveremos avançar mais numa solução mais permanente de nosso desequilíbrio fiscal.


Esta é a coluna Ponto de Vista da Conjuntura Econômica de março de 2024.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

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