Aumentar a competição é uma agenda inclusiva
Na coluna passada (09-03-2018), comentei alguns aspectos de natureza mais geral do relatório recente do Banco Mundial sobre produtividade (“Emprego e Crescimento: A Agenda da Produtividade”). Neste artigo, vou discutir algumas questões mais específicas sobre políticas de aumento da produtividade no Brasil.
Embora o relatório apresente várias propostas, vou me concentrar aqui no diagnóstico. Pode parecer uma escolha um pouco paradoxal, já que muitos acham que o diagnóstico é conhecido. Minha avaliação, no entanto, é de que embora os problemas de fato sejam de conhecimento geral, falta um arcabouço analítico que permita interpretar os problemas de forma unificada. Uma vez que este arcabouço seja criado e compreendido, as propostas tendem a surgir naturalmente.
A ideia principal é que as políticas governamentais no Brasil favorecem os incumbentes, que incluem desde as empresas já estabelecidas no mercado aos trabalhadores formais, em detrimento de potenciais entrantes, como startups e trabalhadores informais.
Começando pela proteção às empresas incumbentes, os gastos federais com políticas de apoio mais do que dobraram em termos reais na última década, saltando de R$ 125 bilhões em 2006 para R$ 267 bilhões em 2015, o que corresponde a cerca de 4,5% do PIB. As isenções fiscais são o componente mais importante dos gastos federais com políticas de apoio às empresas no Brasil, tendo dobrado em termos reais na última década, de R$ 79,6 para R$ 162,8 bilhões entre 2006 e 2015, atingindo 2,9% do PIB.
Os programas de isenção fiscal combinam alto custo fiscal com baixo impacto. Em particular, as evidências indicam que o Simples, Zona Franca de Manaus, desoneração da folha e os incentivos tributários associados à inovação (Lei de Informática e Lei do Bem) e indústria automobilística (Inovar-Auto) foram ineficazes.
Além disso, programas de apoio a empresas baseados em isenções fiscais contribuem para o aumento da complexidade do sistema tributário, o que resulta em custos mais elevados e insegurança jurídica.
Outra forma de favorecer as empresas incumbentes em detrimento de potenciais entrantes ocorre via direcionamento do crédito, que já corresponde a 50% do total. O crédito direcionado subsidiado é a segunda maior categoria de gastos fiscais das políticas federais de apoio às empresas.
Vários estudos mostram que os programas de crédito direcionado contribuem para o aumento das distorções na alocação de recursos. Em particular, uma análise dos empréstimos do FINAME no período 2003-2014 revela que o crédito do BNDES aumentou as distorções de capital e trabalho para as empresas de manufatura, as maiores destinatárias de crédito direcionado durante esse período.
Os trabalhadores formais também são fortemente protegidos. Um funcionário com carteira de trabalho assinada que seja demitido sem justa causa tem acesso ao seu saldo acumulado no FGTS, acrescido de multa de 40%, e um seguro desemprego cujo valor corresponde a algo entre 68% e 80% do salário anterior. Isso funciona como um prêmio para quem é demitido, estimulando a rotatividade da mão-de-obra e reduzindo o incentivo para que o empregador invista em programas de capacitação dos funcionários.
Com o aumento expressivo nas últimas duas décadas, o salário mínimo no Brasil já se encontra em um patamar em relação ao salário mediano do mercado de trabalho próximo do verificado na OCDE. Isso contribui para o aumento da informalidade, atingindo especialmente os trabalhadores de menor qualificação.
Embora a elevação do salário mínimo nos anos 2000 tenha sido acompanhada de aumento da formalização, esta decorreu em boa parte de fatores que não irão se repetir, pelo menos na mesma intensidade, como o boom de commodities e a expansão de crédito. Isso ficou evidente com a recessão e o aumento da informalidade no período recente.
Diante desse diagnóstico, a conclusão é de que é preciso aumentar a competição, reduzindo a proteção aos incumbentes e as barreiras à entrada de entrantes potenciais. Algumas medidas recentes foram nessa direção. A criação da TLP, por exemplo, reduz o subsídio do crédito direcionado, o que contribui para a redução da demanda por empréstimos por parte de grandes empresas que podem captar recursos no mercado de capitais. Isso, por sua vez, libera recursos do BNDES para entrantes com potencial de crescimento.
A reforma trabalhista, por sua vez, introduziu maior flexibilidade nos contratos de trabalho, com a possibilidade de negociação individual do banco de horas e novas modalidades de contratação, como o trabalho intermitente. Isso favorece trabalhadores excluídos, especialmente jovens e mulheres que trabalham no setor informal por não encontrarem no setor formal oportunidades de trabalho mais flexíveis.
As propostas do Banco Mundial vão no sentido de avançar nessa direção. Por exemplo, o crédito direcionado deveria ser fortemente reduzido. Para isso, o mecanismo da TLP poderia ser estendido para outras modalidades de crédito direcionado, como o crédito imobiliário e rural.
Também é preciso reorientar as políticas de apoio às empresas para uma política de apoio aos indivíduos, com foco em capacitação. O objetivo deve ser permitir que trabalhadores e empreendedores adquiram as competências necessárias para se adaptarem a mudanças de emprego e área de atuação, especialmente no contexto atual de inovações tecnológicas, como automação e inteligência artificial.
Isso também permitirá que os efeitos da abertura econômica sejam maximizados, na medida em que os trabalhadores que perderem o emprego em setores menos competitivos terão mais facilidade de se deslocar para os setores mais competitivos.
Em resumo, a competição é fundamentalmente inclusiva, ao propiciar condições para que todos os empreendedores e trabalhadores possam aproveitar as oportunidades e atingir seu potencial. Essa deveria ser a agenda de produtividade.
Este artigo foi publicado originalmente no Broadcast da Agência Estado.
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