Macroeconomia

Auxílio emergencial para de crescer em agosto, e pobreza cai de novo; com redução do benefício a partir de setembro, porém, pobreza e desigualdade devem aumentar

24 set 2020

Os microdados de agosto da PNAD Covid-19 foram divulgados nessa quarta-feira (23/09), permitindo uma análise detalhada das tendências recentes dos rendimentos da população brasileira naquele mês. Uma das variáveis mais importantes presente na pesquisa é, justamente, o auxílio emergencial, que tem tido grande papel para o alívio na renda de parte significativa dos trabalhadores informais, desempregados desalentados no período.

Como se vê pelo gráfico abaixo, em agosto terminou a expansão da taxa de atendimento do auxílio emergencial. O percentual dos domicílios que receberam o benefício permaneceu estável entre julho e agosto em nível próximo a 44%, chegando a cerca de metade de toda população.

 

A estabilização da taxa de atendimento do auxílio emergencial, no entanto, não impediu nova queda da população abaixo das linhas de pobreza (US$ 5,50 por dia) e pobreza extrema (US$ 1,90 por dia), que alcançaram novas baixas históricas, de 18,4% e 2,3%, respectivamente, como mostra o gráfico abaixo. No entanto, na figura ao lado, mostra-se a redução desses percentuais a cada mês, revelando uma clara desaceleração dessas quedas, mesmo frente à reabertura da economia.

Fonte: Elaboração própria usando microdados da PNAD Covid-19

A renda média, por sua vez, aumentou consideravelmente (2,4%), mas também em menor grau comparando com os meses anteriores (2,8%). Como se vê pelo gráfico abaixo, foi justamente a interrupção do crescimento dos rendimentos domiciliares advindos do auxílio emergencial o responsável por essa redução da velocidade em que tem aumentado a renda. Já as demais fontes têm registrado crescimento próximo.


Fonte: Elaboração própria com base na PNAD Covid-19

A partir de setembro, o auxílio emergencial sofreu uma grande redução do seu valor, de R$ 600 para R$ 300, até o final do ano. Em setembro, portanto, cerca de 80% dos beneficiários terão esse benefício reduzido à metade (tendo em vista que, em maio, já estavam incorporados 85% dos beneficiários do programa, de modo que se faz a hipótese de uma diferença de 5 p.p. entre o mês atual e abril, enquanto os demais 20% receberam a primeira parcela posteriormente).[FOJD1] 

Caso aleatorizássemos os recebedores do auxílio emergencial em dois grupos, um que terá e outro que não terá a redução, qual seria o impacto sobre os níveis de pobreza e desigualdade? Pode-se, adicionalmente, pressupor que a renda para além do programa aumentaria para cada decil o equivalente ao crescimento registrado entre julho e agosto, mostrado no gráfico abaixo.


Fonte: Elaboração própria com base na PNAD Covid-19

Utilizando ambas hipóteses, portanto, é possível projetar as variações de renda média, pobreza e desigualdade para o mês de setembro. O gráfico abaixo mostra que, de fato, a redução à metade do valor do auxílio emergencial para 80% de seus beneficiários levaria a uma grande queda da renda média, puxada por uma contribuição negativa de 4 pontos percentuais do programa (que hoje corresponde a quase 10% de todos rendimentos da população).


Fonte: Elaboração própria com base na PNAD Covid-19

Já a pobreza e a desigualdade seriam também fortemente impactadas. O gráfico abaixo mostra que a pobreza teria uma alta (chegando a 23,7%) que a aproximaria de seu nível inicial dessa série histórica, em maio. A pobreza extrema, por sua vez, teria uma elevação ainda mais forte (chegando a 5%), colocando-a em seu patamar mais elevado desde o início da pesquisa.

 
Fonte: Elaboração própria com base na PNAD Covid-19

Já a desigualdade também sofreria grande aumento, com o Índice de Gini chegando a quase 0,5, seu maior nível desde maio, tal como registrado na PNAD Covid-19. Desse modo, o Brasil novamente se aproximaria dos patamares de desigualdade que se registravam anteriormente à pandemia, com índices geralmente próximos a 0,53.


Fonte: Elaboração própria com base na PNAD Covid-19

Tamanhas altas, tanto da desigualdade quanto da pobreza (principalmente extrema) se devem ao fato que o auxílio emergencial, além de transferir um grande volume de recursos no geral, têm também um peso crescente para a população mais pobre, de modo que esta é ainda mais sensível do que a média a reduções dessas transferências.

Evidentemente, a projeção exposta acima está sujeita a imprecisões – a queda do valor do programa pode levar, por exemplo, a um intenso aumento da taxa de participação dos mais pobres, o que potencialmente elevaria ainda mais o rendimento extra auxílio destes. No entanto, tendo em vista o forte impacto da pandemia sobre o mercado de trabalho, e a flexibilização já ocorrida nos meses de julho e agosto, pode-se esperar uma maior dificuldade dos novos entrantes na força de trabalho de se ocuparem com rendimentos que, ao menos, reponham parcialmente a renda perdida devido à redução e eventual fim do auxílio emergencial.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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Jane Maria Vila...

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