Cenários

Brasil: sete temas para monitorar em 2024

19 jan 2024

Manter sucesso econômico depende de conter folha de servidores e gasto de saúde e educação (em ano eleitoral), de Congresso brecar expansão parafiscal e de freio na reestatização – no contexto de cenário externo desafiador.

Para que os ativos domésticos se apreciem neste ano do mesmo modo que em 2023, a equipe econômica terá de continuar perseverando pelo ajuste fiscal, agora pelo lado da despesa. Ao mesmo tempo, o cenário externo deve continuar adverso.

Neste texto, abordamos quatro temas domésticos e três internacionais sintetizando os desafios que podem reverter a atual visão construtiva a respeito do Brasil, se não forem endereçados de maneira apropriada.

Tema 1: Manutenção das regras no novo arcabouço fiscal

Manter as despesas primárias limitadas a um crescimento real de no mínimo 0,6% ao ano e no máximo 2,5% ao ano é ainda mais importante que a manutenção das vigentes metas de resultado primário prometidas para o triênio 2024-2026: respectivamente, 0%, 0,5% e 1% do PIB, com intervalo de tolerância de 0,25% do PIB para cima e para baixo.

Se esse chamado regime fiscal sustentável (RFS) for mantido (em um governo de centro-esquerda) ao longo do triênio 2023-2026 sem contabilidade criativa, consolidar-se-á a melhoria institucional na política fiscal que o Brasil trilha desde 2016, porquanto isso significar que o governo federal (GF) inexoravelmente terá ajustado despesas obrigatórias.

Vale lembrarmos que, antes de 2016, nunca havia ocorrido ajuste fiscal pelo lado da despesa. No período de 1901 a 2006, a taxa real de crescimento das despesas primárias teve uma média de 7,7% ao ano (a.a.), como detalhado em artigo do Ipea (Os gastos brasileiros são pró-cíclicos? (ipea.gov.br)). A título de ilustração, entre 1999 e 2005, período conhecido por ter gerado superávits primários com estabilidade de preços, o ajuste fiscal foi realizado por meio de aumento de carga tributária.

Especificamente, entre 2003 e 2005, no período ortodoxo de Lula 1, o crescimento real da despesa primária foi acima de 5% e mesmo assim recheado de contabilidade criativa por meio de “pedaladas” de restos a pagar e outros artifícios contábeis, como detalhado aqui neste artigo da Folha de São Paulo  (Folha de S.Paulo - Elio Gaspari: Na mágica de Palocci, ele come o coelho - 20/10/2004 (uol.com.br)).

Por conseguinte, já tendo aprendido que, no Brasil, o ajuste fiscal pelo lado das despesas somente se viabiliza politicamente controlando o reajuste delas, e não as cortando, depreende-se que os presidentes Temer e Bolsonaro foram os primeiros e únicos – até o presente momento – a controlar a despesa federal.

Todavia, de maneira surpreendente, com o RFS, Lula 3 também está legalmente se predispondo a controlar a despesa primária federal no triênio 2024-2026. Se cumprir, sem fazer uso de contabilidade criativa, Lula 3 será ainda mais austero que Lula 1. Mas não é fácil apostar nisso: as tentações para abandonar o RFS ou recheá-lo com contabilidade criativa serão crescentes.

Ademais, o histórico do governo do PT não ajuda a acreditar nesse controle, quando relembramos que a criatividade contábil já ocorria em 2003, como acima exposto na coluna de Elio Gaspari consubstanciada na assessoria do então senador Tasso Jereissati, formada à época pelos economistas Mansueto Almeida e Samuel Pessoa. Tal criatividade somente se intensificou nos anos subsequentes, redundando no impeachment da presidenta Dilma. 

Contudo, destaque-se: o ministro Haddad e o restante da equipe econômica parecem determinados a respeitar o RFS e a cumprir as metas propostas de resultado primário, sem criatividade contábil, de modo a ser ainda possível acreditar que, com a atual equipe econômica e no atual governo petista, vai ser diferente! “Ele dá força ao cansado, e aumenta as forças daquele que não tem nenhum vigor”. Isaías 40:29.

De qualquer forma, apesar da boa vontade da equipe econômica, o fato inequívoco é que o RFS é muito desafiador e não se sustenta apenas com recuperação do nível de receita primária, líquida de transferências, em torno de 19% do PIB, objetivo implícito no discurso e nas ações da equipe econômica até o presente momento, e nível próximo ao existente quando o GF fazia superávit primário de forma sustentável.

De fato, a fim de alcançar as metas e manter os limites do RFS, faz-se necessário fazer ajuste pelo lado das despesas obrigatórias. Não há como fugir disso, frise-se. Ademais, mencione-se: as escolhas (já feitas por Lula 3) mostram que, para manter o RFS intacto, a grande rubrica de despesa primária que deverá sofrer ajuste (ao menos nos próximos três anos) é o servidor público federal, que possui memória afetiva de ganhos reais salariais substanciais na era Lula.

A título de ilustração, Lula 1 herdou a despesa com pessoal no nível de 4,8% do PIB e, no período 2003-2006, concedeu aumento médio real de 2,4% ao ano. Por sua vez, Lula 3 herdou tal despesa no patamar de 3,4% do PIB e, pela aritmética do RFS, terá que conceder aumento real médio em torno de zero no triênio 2024-2026.

Será que Lula 3 topará fazer ajuste fiscal em cima do servidor público? O fato é que categorias emblemáticas da Administração Pública Federal, como o Ibama (Ibama: 95% dos servidores desistem de ação de fiscalização na Amazônia | Metrópoles (metropoles.com)) e o Banco Central (BC: servidores anunciam greve e Pix pode ser afetado - 10/01/2024 - Painel S.A. - Folha (uol.com.br)), já começaram a se movimentar antes mesmo de o ajuste proposto pelo RFS iniciar.

Ainda no tema manutenção do RFS, mencione-se a difícil missão da equipe econômica em propor ajuste (para baixo) no percentual de crescimento dos gastos com Educação e Saúde no ápice da eleição municipal. Em tese, até o dia 31 de agosto do corrente ano, data-limite para encaminhar ao Congresso Nacional (CN) o Projeto de Lei Orçamentária para 2025, Lula 3 terá necessariamente de explicitar para a sociedade que irá diminuir a participação da Educação e da Saúde no orçamento executado em 2025.

Logo, em setembro, no ápice das discussões das eleições municipais, que ocorrerão no primeiro domingo de outubro, o GF proporá ajuste fiscal em despesas bastante discutidas em uma eleição municipal, especialmente as com saúde. Enfim, nesse ambiente de disputa eleitoral, a decisão de diminuir o crescimento das despesas de educação e saúde não será trivial, ao se considerar que o PT almeja elevar o número de prefeituras sob sua alçada.

Consequentemente, ainda em 2024, além da inexistência de aumento salarial em nível federal, que provavelmente acarretará vários movimentos grevistas, a manutenção do RFS exigirá reduções permanentes no ritmo de crescimento das despesas com saúde e educação. É preciso acompanhar o desfecho destas negociações, que deverão impactar sobremaneira os preços dos ativos domésticos, se malsucedidas.

Tema 2: A coordenação das decisões sobre gasto público no governo federal

A experiência nos mostra que ajustes pelo lado da despesa precisam de um lócus que sustente essa coordenação, a exemplo do papel exercido pela Junta de Execução Orçamentária (JEO) no período 2016 a 2022.

Nos últimos meses de 2023, houve muitas notícias indicando haver suntuosa descoordenação na decisão sobre execução de gasto público no Lula 3, a exemplo dessa minuciosa reportagem sobre a política pública que implantou o abono permanência para o ensino médio (Governo ignorou Tesouro ao editar MP com R$ 20 bilhões para bolsa de ensino médio - 09/01/2024 - Mercado - Folha (uol.com.br)).

Nessa reportagem, é possível inferir que, em um contexto de ajuste fiscal, como proposto no RFS, os dois órgãos fundamentais que têm de ser ouvidos sobre qualquer política pública – Secretaria de Orçamento Federal e Secretaria do Tesouro Nacional – foram totalmente ignorados durante a decisão sobre o aludido abono. Conforme esses indícios de descoordenação continuarem a ocorrer, ficará cada vez mais difícil acreditar na manutenção do RFS.

Tema 3: O Congresso irá frear as políticas parafiscais?

É fundamental saber se o Congresso Nacional (CN) irá coibir ou moderar as intenções recentemente demonstradas de expandir a política fiscal por meio de gastos parafiscais, tecnicamente conhecidos como benefícios (subsídios) financeiros e creditícios.

Mais precisamente, considerando que os “subsídios financeiros” estão limitados pelo limite da despesa do RFS e supondo-se que este continuará vigente, o tema que acompanharemos é saber se o CN irá coibir as iniciativas de elevação de “subsídios creditícios”, que se intensificaram no final de 2023 (com vistas à distinção entre subsídios financeiros e creditícios, acesse as páginas 4 a 7 da 7ª edição do Orçamento de Subsídios da União, divulgado em junho de 2023: orcamento-de-subsidios-da-uniao-7a-edicao.pdf (www.gov.br)).

Notícias de dezembro do ano passado mostraram que há intenção de o GF alterar tanto a Taxa de Longo Prazo (TLP) quanto o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), cujas reformas feitas no governo Temer foram fundamentais para a saída do Brasil da maior crise econômica da história republicana, o reflorescimento do mercado de capitais e o ganho de credibilidade para viabilizar a execução de um ajuste fiscal gradual.

No caso do Fies, ainda não há iniciativa legal de reestruturação do programa vigente, mas, em 2023, houve modificações ao se introduzir um limite de 35% na retenção atual da contribuição das empresas de educação no financiamento de seu fundo garantidor, o “FG-Fies”, criado para desconcentrar o risco de crédito da União. Logo, esse novo limite aumentou o risco de crédito da União. Cabe relembrarmos que o ônus fiscal do Fies passou de R$1,9 bilhão, em 2011, para R$ 29,1 bilhões, em 2017, antes da reestruturação do programa (Radar_n58_reestruturação.pdf (ipea.gov.br)).

É importante acompanhar qual será a proposta que o governo Lula 3 fará para o Fies. Notícias recentes apontaram que o governo pensa em alterar o “mecanismo de coparticipação” introduzido na reforma feita em 2017. Esse mecanismo impede que as Instituições de Ensino Superior concedam desconto integral da coparticipação, costumeiramente compensado por elevação no valor da mensalidade do curso, além de deixar claro para o aluno que o Fies é um financiamento, e não uma bolsa. Entendemos que fragilizar o atual mecanismo de coparticipação poderá inviabilizar a sustentabilidade fiscal intertemporal do Fies.

Em relação à TLP, em dezembro de 2023, o governo enviou ao CN o Projeto de Lei 6235/2023 para alterar a TLP. Aqui, em linhas gerais, concordamos com esta análise do economista Sérgio Werlang (https://blogdoibre.fgv.br/posts/emprestimos-em-tlp-por-que-arrumar-algo-que-nao-precisa-ser-consertado), de modo que chegamos ao mesmo questionamento: para que arrumar o que não está precisando ser consertado?  

Ademais, vale mencionar que, especificamente em relação ao BNDES, que se fortalecerá se houver expansão dos benefícios creditícios por meio de alteração na TLP, já foram aprovadas medidas em 2023 que o fortalecerão, como exposto neste artigo do economista Marcos Mendes: (A volta do Granaduto - 12/01/2024 - Marcos Mendes - Folha (uol.com.br)), ainda que o Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas Públicas (CMAP), órgão de avaliação do próprio GF, não recomende esse fortalecimento.

Não custa lembrar que a ausência do controle dos subsídios creditícios dificultará a diminuição da Selic ao longo do tempo, como tão bem explicado na ata da 253ª reunião do Copom, na qual se enfatiza que a adoção de política parafiscal expansionista implica taxa de juros neutra mais elevada, diminuindo, pois, a probabilidade de o Brasil conviver com uma taxa nominal Selic abaixo de 9% já no fim de 2024, como hoje prevista pelo mercado, no boletim Focus. 

Logo, com tantos problemas para serem atacados e resolvidos, qual a necessidade de se mexer na TLP em 2024? Resta acompanharmos para observar como o CN irá se comportar nesse caso: se irá coibir ou apoiar o interesse do GF.

Tema 4: Qual nível de estatização o governo irá promover?

Esse tema veio à tona no apagar das luzes de 2023, explicitado com a defesa do artigo 35-A, § 2º, da Lei 14.790/23 que aprovou os jogos on-line, mas restringiu a um mesmo grupo econômico ou pessoa jurídica 1 (uma) única concessão, e em apenas um Estado ou no Distrito Federal, para a execução desses jogos, assim como a devolução da Lotex para CAIXA, visivelmente tentando fortalecer e buscar recuperar o antigo monopólio da CAIXA no setor de jogos com aposta, quebrado com a Lei 13.756/2018.

Outro exemplo dessa ânsia por recuperar o grau de estatização pode ser visto a partir das decisões da Petrobras de não renovar a licença de marcas para a Vibra, sugerindo intenções de retorno ao mercado de distribuição de combustíveis (Petrobras diz que não renovará licença de marcas para a Vibra (poder360.com.br)).

Nosso entendimento do governo do PT, como ocorreu em Lula 1, era de não mexer no que havia sido decidido, ampliando as concessões. Mas há indícios de que se deseja retroceder em vários segmentos, como os dois exemplos acima. Cabe acompanharmos para saber em que medida retomaremos ao modelo desacreditado de desenvolvimento estatista que deu errado no passado, como chamou atenção este artigo do Financial Times: https://on.ft.com/3U5z8kO.

Com relação aos temas externos dignos de atenção em 2024, pela maior capacidade de atingir o mercado brasileiro, tem-se na geopolítica o pano de fundo de dois (mais importantes) dos três que elencamos aqui: i) eleições para presidente nos Estados Unidos; ii) guerras e agitações ao redor do globo; e iii) uma dinâmica da política monetária diferente da que se imagina atualmente. Todos sugerindo risco elevado de contribuírem para termos taxas terminais de juros maiores que antes da pandemia e de convivermos com curvas de juros mais inclinadas.

Nossa ênfase na geopolítica se consubstancia no fato de o mundo hoje ser um lugar mais hostil do que foi na média dos últimos 30 anos, o que pode ser ilustrado pelos índices de risco geopolítico existentes (uma medida de eventos geopolíticos adversos e riscos associados com base em artigos de jornais que cobrem tensões no globo). Esses índices tendem a subir em eventos adversos e causadores de instabilidade, como as grandes guerras mundiais, a crise dos mísseis em Cuba etc.

Em dezembro de 2022, o índice escolhido (Economic Policy Uncertainty Index e https://www.haver.com/) atingiu o patamar de 168 (sendo que 100 é a média do período de 1900 a 2019), semelhante ao observado em dezembro de 1945 (fim da segunda guerra mundial), 1982 (guerra nas Malvinas e conflitos no Oriente Médio), e junho de 1991 (guerra do Golfo). Em dezembro de 2023 apresentou queda para 129, patamar semelhante ao observado entre os anos de 2002 e 2004 (invasão do Afeganistão e desdobramentos dos ataques às torres gêmeas).

Dito isso, vamos aos pontos de atenção, no âmbito internacional.

Tema 5: Eleição presidencial dos EUA

O ex-presidente Donald Trump, candidato atualmente visto por nós como mais provável de ganhar, enfrenta diversos processos judiciais e, diferentemente do que ocorre no Brasil, onde a Lei da Ficha Limpa exclui um candidato condenado do processo eleitoral, nos EUA não existe nada na Constituição que proíba um candidato condenado na Justiça – ou até mesmo preso – de concorrer às eleições.

De fato, depois de analisar a situação, chegamos à conclusão de que, a despeito de todas as complicações políticas e jurídicas envolvidas (até mesmo considerando possível exclusão do Trump nas primárias de alguns Estados), é provável que o ex-presidente consiga assumir o cargo caso vença as eleições, mesmo se condenado nos referidos processos.

Isso deverá elevar a volatilidade dos mercados no segundo semestre, no ápice da corrida eleitoral americana, especialmente considerando o fortalecimento do retorno das comunicações virtuais instantâneas feitas por Trump, a exemplo das mensagens que transmitia via Twitter durante seu primeiro mandato, nos idos de 2017 a 2020. Cabe acompanharmos e verificarmos como isso impactará os mercados domésticos.

Tema 6: Conflitos geopolíticos ao redor do mundo

No que se refere ao nosso sexto tema de atenção, entendemos que as guerras e agitações atuais no globo refletem, até certo ponto, o vácuo político deixado pelos Estados Unidos no apagar das luzes do século XX e sua política externa instável – notadamente com o advento e saída do ex-presidente Trump –, bem como o aumento da relevância da China no xadrez global e a volta da Rússia a um modus operandi mais belicoso e semelhante ao da União Soviética (se comparado ao observado nas décadas de 1990 e 2000).

A fragilidade da situação fiscal norte-americana – cuja dívida saiu de 100,3% do PIB em 2013 para 123,4% em 2022, com as expectativas do Congressional Budget Office (CBO) para uma trajetória continuamente crescente – em um quadro de altas taxas de juros e menor leniência do mercado em relação à qualidade creditícia do governo norte-americano (vide o rebaixamento do rating do país pelas agências de risco, como ocorrido em 2023 pela Fitch), implicam menor capacidade de financiamento do governo americano e, logo, maior dificuldade em se envolver em conflitos.

Críticas e falta de apoio popular ao financiamento da guerra na Ucrânia já começaram a despontar na definição do orçamento do governo norte-americano de 2024, ao que se somam os gastos com a guerra de Israel. Atentos a isso, outros países mais alinhados ao eixo China/Rússia se sentem mais confortáveis em colocar em prática suas ambições geopolíticas, como a Venezuela tentando anexar parte da Guiana e demonstrações mais acentuadas de poderio militar pela Coreia do Norte.

Outrossim, não é novidade a intenção da China em anexar Taiwan, tema que ganhou notoriedade após a visita à ilha pela então presidente da Câmara dos deputados e democrata Nancy Pelosi no segundo semestre de 2022, e que afeta diretamente os mercados e as cadeias produtivas, dada a relevância da ilha na produção de chips, principalmente.

Aos conflitos já estabelecidos somam-se tensões peculiares na América Latina a exemplo das evidenciadas pelo caos instaurado no Equador e a instabilidade política no Peru, assim como as demais tensões já existentes na África e no Oriente Médio (possível desdobramento da guerra entre Israel e Palestina envolvendo diretamente o Irã), ou, mesmo na Ásia, com as pretensões territoriais chinesas.

Em resumo, as guerras e agitações deverão continuar presentes ao longo do ano, com chances não desprezíveis de escalada, e pressões especialmente sobre o mercado de juros.

Tema 7: Dinâmica da política monetária das economias desenvolvidas

A cautela e atenção para esse tema advém do elevado nível de incerteza vivido após a pandemia, em função da baixa acurácia das projeções, dificultando a vida dos analistas que acompanham as decisões de política monetária ao redor do mundo.

O ano de 2023 foi um exemplo claro disso: as expectativas medianas (SEP) dos membros do FED para o PIB dos EUA naquele ano estavam em 0,4% em março, passaram para 1% em junho, 2,1% em setembro e 2,6% em dezembro, 2,2 pontos percentuais acima do que estavam 9 meses antes, quando o cenário de recessão era tido como provável.

Não só a recessão não ocorreu, como a atividade se mostrou muito mais forte do que não apenas o FED, mas a maioria dos analistas previa, com um consumo das famílias robusto e um mercado de trabalho resiliente. Tal incerteza torna o horizonte à frente nebuloso e difícil de navegar, complicando o trabalho do FED. A celeridade histórica do movimento de alta das taxas de juros americanas (5,5 p.p. em aproximadamente 17 meses) e o nível atingido exacerbam a incerteza apontada acima.

Alguns agentes e setores podem não estar preparados para uma mudança tão rápida, a exemplo do SVB e demais bancos que colapsaram em 2023 (entre eles o histórico Credit Suisse), podendo contaminar o sistema financeiro e a economia real.

Dos setores mais sensíveis aos juros, o mercado imobiliário merece atenção especial, dada a relevância que possui no balanço das famílias e na economia norte-americana. Na ata de dezembro de 2023, o FED se mostrou preocupado com o subsetor de Commercial Real Estate (CRE), no qual “uma quantia significante de propriedades precisará ser refinanciada em 2024 em um cenário de taxas de juros mais altas, continuidade da fraqueza no setor e pressões nos balanços dos emprestadores”.

Ademais, o movimento de alta nas taxas de juros se deu de forma global e tal restrição monetária começa a ser sentida nos demais países. Europa e Reino Unido provavelmente terão os dois últimos trimestres de 2023 com decréscimo ou estagnação no PIB (o que poderia ser considerado recessão técnica), e dados preliminares da Alemanha apontam para uma queda de 0,3% do PIB em 2023.

A China, por sua vez, tenta uma transição para uma economia menos dependente do setor imobiliário (ao mesmo tempo em que ampara o setor para uma transição suave), e implementa uma política fiscal mais responsável, dada a situação deteriorada – o próprio governo chinês não sabe ao certo tamanho da dívida dos governos locais. Medidas fiscais expansionistas como eram feitas no passado estão descartadas tanto pela situação fiscal atual como pelas diretrizes do governo. Espera-se que o governo mantenha a meta de crescimento ao redor de 5%, mas, ainda assim, não se deve esperar que venha de lá o impulso para atividade global em 2024.

Logo, incertezas, possíveis colapsos oriundos de setores sensíveis às taxas de juros e menor demanda global perfazem os principais riscos para uma atividade mais fraca para 2024, o que enxergamos como assimetria em relação às probabilidades de uma atividade mais forte, em que uma demanda mais resiliente por parte dos consumidores norte-americanos (fato já ocorrido em 2023, notadamente no terceiro trimestre), bem como uma inflação mais persistente – que fique na casa dos 3% e teime em voltar para a meta de 2% – obrigariam o FED a manter as taxas em níveis altos por mais tempo.

Apesar de um cenário otimista para a atividade no curto prazo, a manutenção de taxas de juros altas por mais tempo implica maior nível de restrição monetária e maior probabilidade de recessão à frente, frustrando os planos de pouso suave do FED e demais BCs. Em suma, a incerteza sobre se teremos pouso suave ou drástica aterrisagem continua e cabe acompanharmos dia a dia a evolução dos dados, em decorrência da importância da política monetária dos países desenvolvidos para o Brasil.

Concluindo, continuamos construtivos com o Brasil e mantemos nosso cenário positivo, com perspectivas relativamente positivas para atividade econômica, inflação, juros e câmbio, especialmente considerando o atual cenário político. Porém, em vista do exposto, especialmente dos riscos no cenário externo e dos desafios fiscais, ressaltamos a necessidade de superação e endereçamento de maneira apropriada destes, para que eventual materialização dos riscos externos apresente menor impacto sobre a economia e os ativos brasileiros.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

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