Trabalho
Reformas

Capital humano e crescimento da produtividade

24 jul 2023

Os avanços educacionais desde meados da década de 1990 contribuíram para o crescimento do capital humano e da produtividade do trabalhador brasileiro. No entanto, a queda da PTF reduziu o crescimento da produtividade do trabalho. 

A melhoria da educação é fundamental para o crescimento sustentado, na medida em que aumenta o capital humano dos trabalhadores e facilita a criação e absorção de novas tecnologias. Sua importância será ainda maior diante dos avanços recentes da inteligência artificial.

No entanto, apesar do progresso educacional verificado no Brasil nas últimas décadas, a produtividade por hora trabalhada tem crescido muito pouco. Esse padrão é muito diferente do observado em outros países, como Coreia do Sul, em que o aumento da escolaridade é fortemente correlacionado com o crescimento da produtividade.

Neste artigo vou abordar esta questão com base no indicador de capital humano recentemente divulgado pelo Observatório da Produtividade Regis Bonelli do FGV IBRE. O Índice de Capital Humano (ICH) incorpora o acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e, desta forma, a mudança na composição das horas trabalhadas ocorrida ao longo dos anos.

Além disso, leva em consideração o fato de que diferentes combinações de características têm produtividades distintas, que se refletem nos salários de mercado. Na medida em que trabalhadores com maior escolaridade e experiência possuem maior produtividade e remunerações mais elevadas, o aumento da sua participação na população ocupada tende a elevar o capital humano da força de trabalho.

Para a construção do ICH, foi adaptada ao caso brasileiro a metodologia adotada por diversas organizações internacionais para a mensuração do capital humano do fator trabalho, como o Conference Board, o Bureau of Labor Statistics (BLS) dos Estados Unidos, o Office for National Statistics (ONS) do Reino Unido e a OCDE.

Foram construídas séries do ICH em frequência trimestral desde 2012 e anual a partir de 1995. Na última coluna comentei os dados trimestrais, mas neste artigo o foco será a evolução do ICH ao longo das últimas décadas.

Entre 1995 e 2022, o ICH cresceu em média 2,2% ao ano (a.a.), o que corresponde a uma variação acumulada de 81% no período. Este aumento resulta de um acúmulo de anos de estudo e experiência da população ocupada e, consequentemente, de uma mudança na composição da mão de obra em favor de grupos mais qualificados e de maior produtividade.

Esse último efeito foi especialmente notável em 2020, quando a pandemia de Covid-19 provocou a queda da participação relativa de grupos de menor escolaridade e experiência na população ocupada, elevando fortemente o ICH. No entanto, passada a fase mais crítica da pandemia, os trabalhadores menos escolarizados voltaram para o mercado de trabalho, resultando numa queda do ICH em 2021. Em 2022, o ICH retornou para sua tendência de crescimento observada no pré-pandemia.

Além da importância de se mensurar a contribuição do capital humano para o crescimento, o ICH tem grande relevância no cálculo da produtividade total dos fatores (PTF). A razão é que, quando a medida para o fator trabalho não considera a evolução do capital humano, mudanças desse fator de produção são capturadas como variações na PTF. Como o ICH aumentou ao longo dos anos, estimativas que não consideram o capital humano tendem a superestimar o crescimento da PTF.

De fato, enquanto o fator trabalho sem ajuste teve crescimento anual médio de 1,3% entre 1995 e 2022, seu crescimento médio anual ajustado pelo capital humano foi de 3,5%. Em outras palavras, uma vez que se leve em consideração não somente a quantidade, mas também a qualidade da mão de obra, o crescimento do fator trabalho nas últimas décadas foi consideravelmente maior.

Como a PTF é obtida como um resíduo da função de produção, isso afeta sua estimativa de forma significativa. Enquanto a PTF sem ajuste teve crescimento médio de 0,4% a.a. entre 1995 e 2022, a PTF ajustada pelo ICH teve uma queda média anual de 0,9% no mesmo período, sendo a redução mais intensa na última década.

Esses dados mostram que, apesar dos conhecidos problemas de baixa qualidade, os avanços educacionais desde meados da década de 1990 contribuíram para o crescimento do capital humano e da produtividade do trabalhador brasileiro. No entanto, a queda da PTF atuou na direção contrária, resultando em menor crescimento da produtividade do trabalho.

A queda da PTF, por sua vez, provavelmente está associada a fatores que tenho discutido neste espaço, como o aumento das distorções microeconômicas que ocorreram nos governos Lula II e Dilma, assim como a elevação da incerteza fiscal e política nos últimos anos.

Para que os efeitos positivos da melhoria do capital humano sejam colhidos, é preciso reduzir a incerteza e avançar na agenda de reformas. E naturalmente é necessário atacar problemas crônicos do sistema educacional, como a baixa qualidade e elevada evasão escolar, para que o capital humano contribua ainda mais para o crescimento da produtividade.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 21/07/2023.

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