Macroeconomia

Cenários para as relações Bolsonaro-Militares

27 mai 2019

Tidos como um dos pilares do atual governo, quase todos os militares de alta patente que atuam no Palácio do Planalto foram duramente insultados, nas últimas semanas, pelas alas radicais do bolsonarismo com acesso desimpedido ao ouvido presidencial. Jair Bolsonaro – ex-capitão do Exército e, hoje, comandante-em-chefe das Forças Armadas – não se solidarizou com os generais que servem à sua gestão.

Talvez não haja precedentes para o ocorrido. Não à toa, a relação entre Bolsonaro e os militares “trincou”, tendo um dos seus auxiliares da caserna deixado claro que não afundarão com o governo.[1] Cabe, então, refletir sobre quais são os futuros possíveis para a referida relação.

No Boletim Macro Ibre de novembro de 2018, o autor desta coluna esboçou três cenários para o presidente recém-eleito: um otimista, um intermediário e um pessimista[2]. Sob o primeiro, caracterizado por uma relativamente sólida maioria parlamentar de centro-direita, aprovar-se-ia uma “boa” reforma da Previdência, a qual alavancaria a economia e o governo. Sob o segundo cenário, Bolsonaro disporia apenas de maiorias pontuais, implicando decisões inconsistentes, relações conflituosas entre o Executivo e o Legislativo, reformas menos profundas e, consequentemente, uma retomada mais fraca da economia. Sob o último cenário, Bolsonaro se tornaria um governante francamente minoritário, impopular e acuado, o que o levaria a atacar várias instituições. A crise econômica retornaria com força, podendo o país rumar para um novo processo de impeachment ou uma ruptura institucional. O autor da coluna afirmou que o cenário intermediário era o mais provável, uma vez que o colapso do sistema partidário ocorrido em 2018 dificultaria o cenário otimista e a força das instituições democráticas, o pessimista.

O cenário intermediário tem sido corroborado por esses confusos quatro meses e meio (quando este artigo foi escrito) do mandato de Bolsonaro. Porém, dada a grande imprevisibilidade que caracteriza o momento atual, o governo pode, a qualquer instante, resvalar para o cenário pessimista ou, surpreendentemente, até mesmo descortinar o melhor cenário, caso o ministro Paulo Guedes logre um belo êxito com sua proposta de reforma da Previdência. O que esperar dos militares sob os três cenários?

Se o cenário otimista se materializar, isto é, se o atual governo se tornar um governo mais ou menos normal de centro-direita, os militares deverão ir gradativamente saindo da administração para dar lugar a políticos do Centrão. Escaldados pelas intrigas do bolsonarismo radical e temerosos dos custos inerentes ao exercício do poder, os militares dariam sua missão por cumprida, o que seria visto de muito bom grado pelos partidos sequiosos por cargos ministeriais. Esse cenário, contudo, é de baixa probabilidade.

Se o cenário intermediário continuar a viger, a presença dos militares no governo deverá permanecer alta. Reitere-se que, sob esse cenário, Bolsonaro consegue apenas maiorias pontuais no Congresso, a centro-direita dividida não logra tomar decisões consistentes nem moderar os ímpetos disruptivos do chefe de Estado, a oposição se radicaliza, tudo isso resultando numa competição política com caráter marcadamente centrífugo. As frequentes crises e os contínuos fracassos do governo vão criar, para as relações Bolsonaro-militares, um círculo vicioso: quanto mais o governo precisa dos militares, mais esses são combatidos tanto pelo bolsonarismo radical (abertamente) quanto pelos políticos do Centrão que querem seus cargos (veladamente); quanto mais agudas as tensões entre os militares e esses dois grupos, mais o governo erra e fracassa, e mais acaba recorrendo aos militares. Esse cenário continua sendo o mais provável.

O cenário pessimista é a degeneração da dinâmica centrífuga em crise de governo, por conta de um Executivo francamente minoritário e desastroso. Bolsonaro vai para a ofensiva, atacando duramente o Congresso e outras instituições (Judiciário, imprensa, universidades, etc...). Convém enfatizar que esse cenário poderá ser desencadeado justamente por uma retirada em massa dos militares da administração federal, exaustos que estariam pelos insultos que lhes dirige o bolsonarismo radical e pela ausência de solidariedade por parte do comandante-em-chefe das Forças Armadas, tal qual sugeriu recentemente Demétrio Magnoli.[3] Porém, mesmo se o gatilho para o pior cenário não for uma tal retirada, é bastante plausível supor que os militares se apressarão em desvencilhar-se dos custos associados à debacle do presidente, abandonando-o aos leões e favorecendo a formação de um amplo consenso a favor da destituição do atual inquilino do Planalto. De qualquer modo, os militares terão um papel central numa crise terminal do governo. O que significa que o cenário pessimista – cuja probabilidade é crescente – e a ruptura dos militares com Bolsonaro são as duas faces da mesma moeda. Recomenda-se que o bolsonarismo radical reflita sobre isso.

Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de março de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Maio/19

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 


[1] Ver Relatório TAG – Bolsonaro Escapa à Tutela. E Agora?, 14/04/2019, p. 3.

[3] Ver Demétrio Magnoli, “Retirada Tática”, Folha de São Paulo, 11/05/2019, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2019/05/retirada-tatica.shtml.

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