Macroeconomia

China: o que dá para enxergar até o momento

28 abr 2020

Passamos por uma crise sem precedentes. Não somente na intensidade – ainda não está claro se a queda da atividade econômica no mundo será menor ou maior do que o evento de 2008/2009 –, mas também pela natureza do fenômeno.

A crise não nasceu no setor financeiro. Ela originou-se no setor real, que em função de uma epidemia, teve que ser desligado, e atingiu o setor financeiro posteriormente.

Assim, na crise atual os mercados financeiros foram muito menos atingidos do que foram em 2008. Por exemplo, a queda da bolsa norte-americana entre janeiro de 2008 e março de 2009 foi de 52%. No evento atual, entre 12 de dezembro e 23 de março, a queda foi de 34%. Por aqui a Bovespa caiu 60% em 2008, contra queda de 47% no atual episódio.

Se olharmos o impacto sobre as taxas de juros, tanto no mercado de empréstimos entre bancos, também chamado de mercado de moedas, quanto no de títulos de dívida emitidos por empresas com pior qualidade de crédito, a alta no atual episódio foi muito menor do que na crise financeira global.

Apesar de o impacto no setor financeiro ter sido muito menor, aparentemente o impacto na economia real da atual crise é, na melhor das hipóteses, equivalente ao da crise anterior. No mês passado o FMI divulgou suas novas projeções de crescimento econômico. A economia mundial deve recuar 3%, uma piora de cenário, em comparação ao que prevalecia antes do agravamento da crise, de 6,3 pontos percentuais. No biênio 2008-2009 – lembremos que a crise estourou no final de 2008 – o crescimento, com relação à tendência anterior, reduziu-se em 7 pontos percentuais.

Muito difícil construir um prognóstico de como será o seguimento da crise após o período mais agudo da estratégia de distanciamento social (DS). No momento, o facho de luz que temos para olhar por entre o nevoeiro é o desempenho chinês. A China, por ter sido a primeira sociedade fortemente atingida pela pandemia, é a primeira a sair. Assim o desempenho no segundo trimestre sugerirá se a saída será mais rápida, como o cenário básico do FMI considera para a economia mundial, ou mais lenta.

Como amplamente esperado, o PIB do 2020.Q1 para a China mostrou uma contração histórica. A queda em termos interanuais foi de 6,8%, o número trimestral mais fraco desde 1992, leitura próxima tanto a nossa projeção (-7,8% AsA) como da mediana das expectativas de mercado (-6,0% AsA).

Nas aberturas no momento disponíveis, percebe-se recuo em todas os principais componentes da oferta, destacando-se as contrações de 9,6% AsA na indústria (puxada principalmente pelas quedas de 10,2% AsA na transformação e 17,5% AsA na construção civil) e de 5,2% AsA nos serviços (com destaque para os recuos de 35,3% AsA em lazer e recreação, 17,8% AsA em comércio e 14% AsA em transportes, parcialmente compensados por crescimento de 6% AsA na intermediação financeira e 13,2% em tecnologia e serviços de informação).

Passado o choque do primeiro trimestre, como ficam as perspectivas adiante? Por enquanto, não temos dados “reais” disponíveis para o segundo trimestre, ainda que alguns indicadores antecedentes sugiram progressiva volta à “normalidade”. Dados diários compilados pelo jornal Financial Times sugerem alguma retomada nas vendas imobiliárias, no consumo de carvão para a geração de energia, nos engarrafamentos e na poluição atmosférica, ainda que todos permaneçam abaixo dos níveis observados no mesmo momento de 2019. Dados relativos ao comércio exterior e ao lazer (venda de tickets de cinema) trazem cenário bem mais sombrio, reforçando as dificuldades da retomada.

Tentando ir além destes números (que são de difícil tradução em termos de crescimento do PIB), utilizamos uma série de indicadores defasados para medir o momentum da atividade chinesa e, assim, tentar estimar o comportamento da atividade no trimestre corrente. Por enquanto, nossos modelos utilizam basicamente dados relativos ao mercado acionário (tanto Shanghai quanto Shenzen), aberturas (defasadas) dos PMIs oficiais de manufaturas e serviços e o comportamento (também defasado) de variáveis financeiras (crescimento dos agregados monetários e do crédito total – total social financing).

No caso das variáveis mobiliárias, há pequena aceleração na margem (desde o fechamento de março), ainda que as cotações estejam, hoje, aproximadamente 10% abaixo do registrado na média do 2019.Q2. Nos PMIs, houve recuperação em V, com os recuos observados em fevereiro sendo quase totalmente compensados nas leituras de março – o que, nos dados oficiais, serve para praticamente todas as aberturas e tanto para manufaturas quanto para serviços. Por fim, os dados de crédito mostram importante aceleração na margem, com crescimento das concessões de crédito total superior a 50% em março e diretrizes claras de aceleração destas operações durante o segundo trimestre.

Juntando todas essas informações, nossos modelos sugerem expansão de 5,2% AsA para o PIB do 2020.Q2, indicando uma recuperação em V na economia chinesa. Tais projeções são iniciais e sujeitas a elevado grau de incerteza, especialmente porque não há informações reais disponíveis para o trimestre corrente. Nesse sentido, parece haver claro viés de baixa para esses números. No entanto, também nos parece difícil, com a informação já disponível, que observemos nova contração internanual no 2020.Q2. Há evidências relativamente claras de retomada na indústria e, mesmo nos serviços, há melhora nas perspectivas depois de encerrados os shutdowns nacionais ao final do primeiro trimestre.

Se observado tal crescimento interanual para todos os trimestres até o fim de 2020, o crescimento anual chinês desaceleraria para 2,2% em 2020. Se a economia, a partir do primeiro trimestre de 2021 voltar ao crescimento normal de 5,8% interanual, o crescimento em 2021 frente a 2020 será de 8,8%.


Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de outubro de 2020. Leia aqui a versão integral do BMI Abril/2020

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

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