Macroeconomia

Ciclos de commodities

15 set 2021

Ciclos de commodities têm impactos muito diferenciados a depender da conjuntura, com efeitos expansionistas positivos, mas também dilemas de política econômica. Nos ciclos favoráveis dos anos 1990 e 2000 houve bons avanços, mas alta incerteza atenua efeitos do atual ciclo.

De tempos em tempos muitos economistas se surpreendem com os efeitos dos ciclos de commodities no país. É comum que analistas centrem sua análise em questões domésticas, com o pretexto de serem variáveis sob controle dos gestores da política econômica.

Mas é um erro ignorar o que acontece no setor externo. Como mostram Campello e Zucco (2020), os resultados econômicos dos países em desenvolvimento são bastante influenciados pelo que ocorre com as exportações de commodities, influxos de capital externo e taxas de juros internacionais. Meu colega Tony Volpon (2019) expressa essa ideia afirmando que os analistas deveriam colocar um pouco menos de peso em Brasília e olhar mais para a China.

De fato, os ciclos de commodities possuem efeitos expressivos na economia brasileira. O PIB da agropecuária e da indústria extrativa, altamente influenciados pelas commodities, correspondem a 8% do PIB brasileiro a preços constantes. Como o segmento é muito volátil, taxas de crescimento de dois dígitos geram uma grande contribuição para o crescimento do ano.

O setor de commodities é intensivo em capital e sua expansão eleva a demanda por investimentos e serviços de transporte. As principais empresas do Brasil operam nesse setor e os indicadores financeiros são muito sensíveis ao seu desempenho. A expansão desses segmentos e seus efeitos indiretos flexibiliza a restrição de crédito das empresas menores que operam de forma associada. A arrecadação tributária se eleva porque o ciclo atinge atividades cuja tributação média é mais elevada aliviando a restrição fiscal.

Os ciclos de commodities também apresentam desafios para a política econômica pela elevada volatilidade macroeconômica, pressões inflacionárias e seus efeitos distributivos: sendo intensivo em capital, sua expansão não tem maiores repercussões sobre o mercado de trabalho o que gera concentração de renda.

Apesar de não estar sob controle das autoridades domésticas, a forma como se aproveita o ciclo é um tópico relevante de política econômica. Esse tema reapareceu recentemente diante das dificuldades presentes. É recorrente pensar a década de 2000 como um período de sorte desperdiçada durante o Governo Lula. A análise de política econômica, no entanto, não deveria ser transformada em algo pueril entre quem tem sorte e quem tem azar. Se fosse assim, bastaria escolher quem tem sorte.

O Plano Real se beneficiou de um cenário internacional favorável refletido na recuperação dos termos de troca (razão entre preços de exportação e importação, mais apropriado do que as commodities para analisar aquele período), nos fluxos de capitais que retornaram para os países emergentes depois do Plano Brady e da redução das taxas de juros internacionais.

Naquela ocasião, a prioridade era combater a inflação e o cenário internacional mais favorável foi importante para tornar o conjunto de políticas adotadas - taxas reais de juros elevadas e a âncora cambial – viável ao atenuar seus efeitos contracionistas.

O Governo Lula foi eleito com uma bandeira social. O ciclo favorável de commodities foi utilizado para ampliar a rede de proteção social sem necessidade de aumentar a carga tributária, como ocorrido nos anos 1990, e para acumular reservas internacionais que protegem a economia brasileira de choques externos. Isso não é pouca coisa.

O ciclo de commodities se reverteu a partir de 2011 e depois, mais uma vez, em 2014. Considerar o ciclo favorável nos anos 2000 e desconsiderar o ciclo desfavorável que se seguiu é usar dois pesos e duas medidas.

Em um artigo recente, Cunha, Lélis e Linck (2021) investigaram os efeitos dos ciclos de commodities sobre a atividade econômica mostrando que cada ciclo de alta se diferenciou em termos de impacto e de duração ao longo do tempo. A saída da crise pós 2016, por exemplo, não se beneficiou da recuperação ocorrida nos preços das commodities, pois outros fatores intervieram.

Uma possível explicação para o fenômeno é dada por Costa Filho (2020) que argumentou que a melhora das condições financeiras, beneficiada pelo ciclo externo, foi parcialmente neutralizada pelo aumento da incerteza.

No ciclo atual, os efeitos parecem amortecidos pelas sequelas da pandemia após uma recuperação que foi interrompida, da crise política que se instalou e que pode durar até as eleições, de indefinições orçamentárias e incertezas sobre a recuperação mundial.

Seria importante aprofundar a reflexão sobre como aproveitar o atual ciclo de commodities. Conseguimos fazer isso com algum sucesso nos anos 1990 e 2000 estabelecendo prioridades e eliminando os gargalos do país, mas quando todos começam a pensar somente com a cabeça nas eleições essa racionalidade se perde junto com a oportunidade.

Este artigo foi publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 15/09/2021, quarta-feira.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.


Referências

Campello, D. e Zucco, C. (2020). “The Volatility Curse”. Cambridge University Press.

Costa Filho, José Aloisio (2020). “Condições financeiras, incerteza e ciclos econômicos”. Dissertação de Mestrado FGV-DF.

Cunha, A., Lélis, M. e Linck, (2021). “Business cycles fluctuations and commodities prices: evidence for Brazil”. Revista de Economia Política, vol. 41, no 3.

Volpon, T. (2019). “Pragmatismo sob Coação: Petismo e Economia em um Mundo de Crises”. Alta Books.

Comentários

Walter Aquilino...
Artigo oportuno e muito interessante. Venho procurando, há muito, artigos sobre o tema. Tenho grande interesse em realizar um trabalho acadêmico dobre o assunto.

Deixar Comentário

To prevent automated spam submissions leave this field empty.