Macroeconomia

Cochilo de Meirelles na Cúpula do Mercosul pode ser visto como uma metáfora

3 ago 2017

Por ocasião da 50ª Reunião do Conselho do Mercado Comum e da Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, em 21 de julho, a imprensa destacou o “cochilo” do Ministro da Fazenda do Brasil, Henrique Meirelles, durante discurso do presidente Michel Temer. A agenda atribulada para lidar com uma das piores crises da economia brasileira foi apontada como uma das razões para que o ministro cerrasse os olhos, no que pareceu uma sucessão de breves lapsos de sono, durante o evento.

O cansaço do ministro deve de fato ter sido a causa, mas o cochilo pode ser visto também como uma metáfora sobre a falta de um programa efetivo de trabalho que traduza quais são as metas e o compromisso político do Brasil com o Mercosul. Na ausência de um cronograma de metas a serem cumpridas e negociadas, os compromissos políticos ficam na seara das intenções ou de iniciativas relevantes, mas que não representam o cerne de um processo de integração comercial e econômica entre países, como supostamente pretendido pelo Mercosul.

Ilustra-se essa afirmação com os exemplos a seguir, referentes aos temas e destaques dos principais documentos e declarações divulgados no encontro:

  • A questão da pesca não predatória.
  • A importância do compromisso do acordo de Paris sobre mudança climática; o compromisso com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
  • A relevância do Projeto Corredor Ferroviário Bioceânico de Integração, devido à sua articulação para o desenvolvimento da Hidrovia Paraná-Paraguai.
  • A melhora de intercâmbio acadêmicos, com reconhecimento de certificados.
  • A implementação de políticas públicas de inclusão dos afrodescendentes.
  • A integração das políticas públicas transfronteiriças no combate ao tráfico de drogas;
  • O reconhecimento da soberania argentina das Malvinas; entre outros.

Além disso, foi anunciada uma ampliação do acordo Mercosul-Colômbia, que irá aumentar o espaço de livre comércio para os setores de siderurgia, têxtil e automotivo. A Venezuela continua suspensa dos seus diretos de membro pleno do Mercosul.

Os principais documentos e declarações divulgados são relevantes, e não se trata de desmerecê-los. Mas se trata de uma pauta que pouco informa sobre o que esperar do processo amplo de integração do Mercosul.

Há uma séria de questões cruciais que passam ao largo dos temas destacados acima.

Será abandonada de vez a ideia de uma união aduaneira plena, ou esta depende de uma renegociação de uma tarifa externa comum? Ou, alternativamente, será buscada a integração via uma área de livre comércio?

Serão estabelecidos cronogramas para resolver questões de acordos negociados e não plenamente implementados pelos países membros? Quais as áreas prioritárias para a definição de uma agenda de trabalho para o Mercosul?

A integração entre países não é uma questão somente econômica, ou que deva ser necessariamente abordada no contexto de acordos comerciais e econômicos de blocos de nações, como o Mercosul. O Brasil, por exemplo, faz parte da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa (CPLP), junto com Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Há intercâmbio cultural e acadêmico entre essas nações, e a CPLP é um fórum em que diversas questões não econômicas relevantes podem ser tratadas.

Adicionalmente, temas como fronteiras e controle do comércio de armas e narcotráfico independem de um acordo econômico, assim como ações conjuntas na área ambiental.

Dessa forma, quais são as questões que devem necessariamente estar na agenda do Brasil em relação aos parceiros do Mercosul? É preciso aprofundar o projeto de integração econômica ou não? Os mecanismos de cooperação entre os países dependem do formato da integração econômica? De que maneira?

Em termos de instrumentos institucionais e econômicos, os BRICS, por exemplo, estão mais avançados que o Mercosul, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (em contraste com o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul) e o Arranjo Contingente de Reservas.

O “cochilo” do ministro da Fazenda, portanto, pode ser interpretado como uma metáfora dos rumos do debate sobre o Mercosul. O fundamental é esclarecer qual o projeto de integração econômica que o Brasil deseja. Se essa discussão importante no âmbito de um agrupamento como o Mercosul – ou as outras mencionadas acima – não é abordada ou isto se dá de forma apenas tangencial, pode ser que a recente Cúpula seja de fato a hora e o lugar apropriados para o ministro descansar da sua agenda premida por assuntos mais importantes. É uma pena, porém, porque redefinir o Mercosul é uma das partes relevantes do essencial projeto em curso de tentar redefinir o modelo de desenvolvimento sustentável do Brasil.

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