Macroeconomia

Como fazer o crédito chegar nas empresas?

15 jun 2020

Nas últimas duas semanas, ganhou força no debate público do país o tema da concessão de crédito durante a pandemia. De um lado, existem indicações de aumento do número de pedidos de recuperação judicial e de dificuldades por parte das empresas em cumprir seus compromissos com credores e fornecedores. De outro, o próprio governo reconheceu que o principal programa de crédito não atingiu suas expectativas e propôs mudanças nas medidas implementadas, além de estar atuando na implementação de novos programas.

A discussão sobre o crédito para empresas é muito complexa, já que a pandemia provavelmente terá efeitos permanentes na estrutura produtiva da economia. Enquanto alguns setores irão diminuir de tamanho, como restaurantes e transporte aéreo, outros vão se expandir, como saúde e tecnologia da informação. Consequentemente, empresas que eram solventes antes da pandemia deixarão de sê-lo no pós-pandemia. Além disso, mesmo empresas que sejam potencialmente viáveis podem não sobreviver caso a crise sanitária se estenda por um período longo.

Idealmente, mecanismos de reestruturação de empresas, como a recuperação judicial ou a falência, poderiam facilitar a sobrevivência de empresas solventes ou a realocação de ativos produtivos das empresas que deixaram de ser solventes para as demais. No entanto, esse processo pode ser bastante ineficiente no contexto atual, tanto devido a lacunas na legislação, especialmente no caso de pequenas e médias empresas, como devido à possibilidade de sobrecarga sobre o Judiciário se houver grande elevação dos pedidos de recuperação judicial.

Nesse cenário, o crédito pode contribuir para que as empresas façam a travessia para o período pós-pandemia. No entanto, é importante ter em mente suas limitações para cumprir esse papel. Embora possa funcionar bem para antecipar recursos para empresas solventes que no futuro terão capacidade de honrar suas dívidas, o crédito não é o instrumento ideal em um contexto no qual um grande número de empresas pode ter problemas de solvência.

Uma forma de reduzir o risco dos empréstimos e viabilizar sua concessão é o oferecimento de garantias por parte do governo. Essa alternativa, no entanto, é limitada pela situação fiscal do país. Outra questão relevante é se o crédito deve ser condicionado a determinados usos, como manutenção da folha de pagamentos, e se as empresas devem oferecer contrapartidas, como o compromisso de manutenção dos empregos ou a proibição de distribuição de dividendos.

Após um período de experimentação, os programas de crédito adotados nos países desenvolvidos têm convergido para linhas com garantia praticamente integral do governo e poucas exigências em relação ao uso dos recursos. Quando contrapartidas de manutenção do emprego são introduzidas em programas de crédito, elas em geral atuam como incentivo e não como obrigação.

Como os programas de crédito implementados no Brasil durante a pandemia se encaixam nesse arcabouço? A primeira iniciativa foi o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), criado pela MP 944, voltado para o financiamento da folha de pagamento para empresas com receita bruta anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. As empresas que contratam linhas de crédito no âmbito do Pese não podem fazer demissões entre a data da contratação da linha de crédito e o sexagésimo dia após o recebimento da última parcela. Em cada operação de crédito, 85% do valor é custeado com recursos da União e os restantes 15% são custeados pelas instituições financeiras participantes, com montante total de R$ 40 bilhões.

A Lei 13.999 instituiu o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que oferecerá linhas de crédito para empresas com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões. Diferentemente do Pese, os recursos poderão ser utilizados não somente para financiamento da folha de pagamentos, mas também para investimentos e capital de giro. No entanto, as empresas que contratarem as linhas de crédito terão de preservar o quantitativo de empregados até 60 dias após o recebimento da última parcela. As instituições financeiras participantes do Pronampe operarão com recursos próprios e poderão contar com garantia do Fundo Garantidor de Operações (FGO), que terá um aporte de R$ 15,9 bilhões da União.

Semana passada foi editada a MP 975, que instituiu o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (Peac), voltado para empresas com receita bruta anual entre R$ 360 mil e R$ 300 milhões, com garantia do Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) e aporte de R$ 20 bilhões da União. O FGI assumirá até 80% do risco de crédito de cada operação, limitado a 30% da carteira do agente financeiro no âmbito do programa. A MP 975 também determinou que, no caso do Pronampe, o FGO assumirá até 100% do risco de cada operação, limitado a 85% da carteira de cada agente financeiro.

Após resultados do Pese abaixo das expectativas, os programas que vieram em seguida foram incorporando alguns aspectos bem-sucedidos da experiência internacional, como a redução de restrições ao uso dos recursos e maior garantia do governo, como no caso do Pronampe. No Peac as garantias são menores, mas o programa abrange empresas de porte bem maior e risco menor de crédito.

Alguns aprimoramentos ainda seriam desejáveis. Por exemplo, a exigência do Pese de manutenção de 100% da folha de pagamento deveria ser flexibilizada, o que pode ser feito com uma modificação da MP 944, que se encontra na pauta de votação da Câmara. A exigência de manutenção do quantitativo de empregados no âmbito do Pronampe também pode reduzir a demanda das empresas. Os bons resultados da MP 936 mostram que, assim como em outros países, a proteção ao emprego funciona de forma mais efetiva por meio de mecanismos de redução de jornada ou suspensão do contrato de trabalho.

A situação fiscal delicada que o Brasil enfrenta limita a capacidade do governo de oferecer garantias. Apesar das dificuldades, existem formas de fazer o crédito chegar nas empresas. É necessário que isso seja feito com o senso de urgência que a situação exige.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 12/06/2020.

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