Como a Lava-Jato afetou o PIB? Novas evidências para o debate
Segundo o CODACE-FGV, o ciclo recessivo mais recente da economia brasileira se estendeu do 2º trimestre de 2014 ao 4º trimestre de 2016. Foi uma das recessões mais severas e duradouras já enfrentadas pelo Brasil. Ademais, a retomada após o “fundo do poço” também tem sido uma das mais lentas da história (ver figuras abaixo).
Muitos posts neste blog foram dedicados ao debate sobre quais seriam os principais fatores por detrás da desaceleração abrupta do crescimento econômico em 2012-13 (nos dados oficiais do PIB, mas não quando reestimo o PIB corrigindo a “jabuticaba” do deflator) e da recessão de 2014-16 – ver aqui o capítulo mais recente desse debate.
Como muitos dos leitores que acompanham este blog sabem, sem menosprezar os (grandes) erros de política econômica doméstica (bad policy), meus estudos apontam um impacto relevante (e subestimado por muitos analistas) daquilo que denomino como bad luck – eventos exógenos deletérios, internacionais e domésticos. Dentre os eventos exógenos domésticos, sempre destaquei o quadro climático/hídrico/energético bastante desfavorável em boa parte do período 2012-2016 (mais até do que aquele que levou ao “apagão” de 2001) e, também, os efeitos da Operação Lava-Jato (que foi deslanchada em março de 2014, no final do trimestre imediatamente anterior ao início “oficial” da recessão de 2014-16, e chegou recentemente à sua 53ª etapa).
Há muita controvérsia sobre qual seria o impacto da Operação Lava-Jato (LJ daqui em diante) sobre o desempenho do PIB brasileiro: alguns analistas apontam que seus impactos seriam altamente negativos (15% do PIB segundo alguns) e outros sugerem exatamente o oposto (“não fosse a LJ, a recessão seria ainda pior” ou coisa do tipo). Como quase tudo no Brasil nos últimos anos, tem havido enorme politização em torno desse assunto (inclusive dentre economistas) e tem faltado uma avaliação mais objetiva e imparcial desses possíveis impactos.
É preciso reconhecer que parte dessa controvérsia resulta do fato de que é bastante difícil isolar os eventuais efeitos puros da LJ, já que vários outros eventos importantes aconteceram quase ao mesmo tempo, como a derrocada totalmente inesperada do preço internacional do petróleo entre o final de 2014 e o começo de 2016 (que impactou uma Petrobrás já sofrendo com os efeitos da má gestão dos anos anteriores), dentre outros.
Em um outro post, eu argumentei, com base em um estudo recente do BCE sobre impactos de “ondas reformistas” em vários países, que possivelmente os impactos da LJ teriam sido liquidamente negativos no curto prazo, podendo se tornar bastante positivos no médio e longo prazos caso a “sangria não fosse estancada”. O gráfico abaixo, extraído desse estudo do BCE, aponta o impacto estimado, ao longo do tempo, de “ondas reformistas” sobre o desempenho do PIB (a partir de uma abordagem de controle sintético com 23 países, incluindo alguns emergentes).
Implícito naquele meu argumento era a consideração de que a LJ poderia ser tratada como uma “onda reformista” (ao aumentar a eficiência do gasto público; gerar melhor alocação de recursos da economia; representar um salto positivo na governança das empresas privadas e estatais; dentre vários outros possíveis impactos positivos), mas com um custo de transição relativamente elevado (ao gerar instabilidade política, por envolver quase todo o establishment político; e por trazer o risco de uma crise sistêmica em caso de quebradeira geral de boa parte das empreiteiras brasileiras). Vale notar que a ausência de uma institucionalidade bem definida para que as empresas envolvidas fechassem seus acordos de leniência – foi somente neste ano de 2018 que o primeiro acordo “completo”, envolvendo AGU, CGU, MPF, PGR e TCU, foi fechado – contribuiu decisivamente para propagar e magnificar os riscos de uma crise sistêmica[1].
Um Working Paper do FMI recém-saído do forno reforça essa minha percepção sobre o impacto de curto prazo da Lava-Jato sobre o PIB brasileiro: os autores construíram um índice de notícias de corrupção (e um outro de esforços anticorrupção) a partir de cerca de 665 milhões de notícias em jornais internacionais e testaram os seus impactos em diversas variáveis macroeconômicas.
Antes de apresentar os resultados, é importante ter em mente que esse novo índice não mede exatamente o nível de corrupção nos países, como vários outros disponíveis publicamente (abaixo, o subcomponente “Government integrity” do Economic Freedom Index – quanto maior, melhor).
Muitos desses índices já disponíveis sofrem do chamado “paradoxo de Tostines”: uma eventual alta significaria um aumento da corrupção ou simplesmente refletiria o fato de que ela está aparecendo mais e/ou sendo mais investigada?
O novo índice do estudo do FMI passa ao largo desse problema, ao meramente utilizar um algoritmo que busca a frequência de notícias associadas à corrupção (e também aos esforços anticorrupção), construindo um índice do fluxo dessas notícias. Os autores apontaram que há uma correlação positiva e razoavelmente elevada desse novo indicador com vários indicadores tradicionais que buscam medir corrupção. Eles ainda não disponibilizaram as bases de dados, mas um gráfico apresentado no estudo mostra claramente esse índice de fluxo de notícias de corrupção para o caso brasileiro (embora a figura “não dê nome aos bois”).
O passo seguinte do estudo do FMI correspondeu em testar os impactos de “choques” de notícias de eventos/escândalos de corrupção e, também, de esforços anticorrupção sobre variáveis financeiras e macroeconômicas.
No caso do PIB, os autores identificaram, a partir da estimação de vários modelos em painel e com diversos controles, que, em média, choques positivos de notícias de corrupção reduziram o PIB per capita em cerca de 3% em um horizonte de dois anos. E esses impactos são maiores em economias emergentes e em desenvolvimento.
Os economistas do FMI ainda encontraram o seguinte resultado: notícias envolvendo esforços anticorrupção não chegam compensar os impactos negativos associados à revelação de eventos de corrupção, ao menos em um primeiro momento. Somente fluxos continuados e persistentes de notícias anticorrupção, associados a melhorias institucionais efetivas nesse campo (“reformas”), tendem a gerar efeitos positivos sobre o PIB, mais no médio e longo prazo.
Por fim, é importante ressaltar que este texto não representa um posicionamento contrário ao combate à corrupção – que deve ser permanente, justamente para evitar que a emergência de escândalos de proporções expressivas possa eventualmente desestabilizar a economia e mesmo a sociedade. A ausência de um combate mais efetivo à chamada “grande corrupção” no Brasil até o início da década atual (quando a Lei da Ficha Limpa foi aprovada, bem como a Lei de Acesso à Informação, além da Lei Anticorrupção, já em 2013) acabou gerando um acúmulo enorme de “sujeira embaixo do tapete”, que vem de longa data – e cuja limpeza pode acabar nos levando a um equilíbrio político pior (e não melhor) do que o anterior, que já era sub-ótimo.
Um trecho de um artigo publicado em meados do ano passado no New York Times, citando os economistas Miriam Golden e Raymond Fisman[2], deixa evidente que reformas anticorrupção, sobretudo aquelas que acontecem de forma mais descontínua, não podem ser consideradas low hanging fruits e podem até mesmo acabar resultando em outro equilíbrio sub-ótimo, talvez até pior do que o predecessor (como parece ter sido o caso da emergência de Silvio Berlusconi na Itália após a Mani pulite):
“Political corruption (…) is a kind of equilibrium. It spreads by incorporating every actor and institution, who become invested in maintaining it. Upending that equilibrium can destabilize everything it once touched, a process whose resolution is impossible to predict.”
Bráulio Borges, pesquisador-associado do IBRE/FGV e economista-sênior da LCA Consultores.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
[1] Houve uma tentativa de normatizar esses acordos por meio da edição da Medida Provisória nº 703/2015. Não obstante, ela foi duramente criticada pelo Ministério Público e mesmo por boa parte da opinião pública, o que levou o governo a deixar que ela “caducasse” em maio de 2016. Não houve mais nenhuma tentativa depois disso, criando enorme incerteza jurídica, com as empresas envolvidas tendo que negociar diversos acordos, paralelos, com os vários órgãos públicos (MP, CGU, AGU e PGR), sem garantias robustas de que cada um deles se sustentaria.
[2] Autores do livro “Corruption: what everyone needs to know”, lançado em 2017.
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