Como não escapar da armadilha da renda média
A lição desses episódios é que o Brasil deveria facilitar a importação de tecnologias em vez de subsidiar a inovação nacional. A Nova Indústria Brasil, no entanto, repete os erros do passado ao incentivar a inovação nacional.
Em 2007 o Banco Mundial publicou um relatório intitulado “An East Asian Renaissance: Ideas for Economic Growth”, que cunhou a expressão “armadilha da renda média”. O conceito tornou-se bastante popular entre acadêmicos e formuladores de política econômica e foi o tema do World Development Report 2024 (WDR 2024) do Banco Mundial.
Segundo a classificação do Banco Mundial, existem 108 países de renda média, com renda per capita entre US$ 1.136 e US$ 13.845. Esse grupo concentra 38,6% do PIB global e 75,4% da população mundial. Metade desses países são considerados de renda média baixa, com renda per capita entre US$ 1.136 e US$ 4.465. Os demais países, incluindo o Brasil, são classificados como renda média alta, com renda per capita entre US$ 4.466 e US$ 13.845. Já os países de renda baixa são aqueles com renda per capita inferior a US$ 1.136 (26 países) e os de renda alta possuem renda per capita acima de US$ 13.845 (83 países).
O termo “armadilha da renda média” foi criado para retratar o fato de que, desde o início da década de 1990, somente 34 países conseguiram transitar do grupo de renda média para o de renda alta. Embora existam diversas explicações para a dificuldade de fazer essa transição, a interpretação adotada no relatório do Banco Mundial, baseada em pesquisas de Philippe Aghion e coautores, é de que ao longo do processo de desenvolvimento os principais determinantes do crescimento mudam.
Nos estágios iniciais a acumulação de fatores de produção, como capital físico e humano, tem o papel mais importante. Ao longo do tempo, a adoção de tecnologias produzidas nas economias avançadas torna-se fundamental e, à medida em que o país se aproxima da fronteira tecnológica, a inovação passa a ser essencial. Essa é a estratégia que o WDR 2024 chama de 3i (“investiment, infusion, innovation”).
Outro ponto importante é que as instituições precisam mudar ao longo do processo de desenvolvimento em consonância com a mudança nos determinantes do crescimento. Em particular, arranjos institucionais e políticas econômicas que tiveram bom desempenho na transição da renda baixa para a renda média podem tornar-se um entrave na transição da renda média para a alta.
O relatório analisa três exemplos de países que conseguiram fazer a transição da renda média para a renda alta seguindo essa estratégia: Coreia do Sul, Polônia e Chile. Algumas características comuns a essas economias foram a redução progressiva da intervenção direta do Estado no processo produtivo e uma grande integração comercial com a economia global, estimulando um processo de competição e progresso tecnológico.
Já o Brasil é citado como exemplo de uma economia que está presa na armadilha da renda média há várias décadas. Segundo o WDR 2024, após atingir o status de país de renda média na década de 1970, o Brasil tomou o caminho errado ao incentivar as empresas a inovar sem ter passado pelo estágio anterior de adoção de tecnologias. Essa tentativa de queimar etapas fracassou porque as empresas não tinham nem a capacitação tecnológica nem o capital humano necessário para inovar.
Como exemplo de uma política equivocada, o relatório cita uma pesquisa recente de Gustavo de Souza, pesquisador brasileiro do FED de Chicago, intitulada “The Labor Market Consequences of Appropriate Technology”.
O estudo avalia os efeitos do Programa de Inovação para Competitividade, que foi criado em 2001 com o objetivo de incentivar a substituição de tecnologia importada por inovações nacionais. Com esta finalidade, o governo federal passou a tributar em 10% o pagamento de royalties de tecnologias estrangeiras e utilizou os recursos para subsidiar projetos de inovação em atividades específicas, como biotecnologia, aviação, saúde e agricultura.
Segundo o estudo, o programa não teve efeito positivo em medidas de qualidade da inovação e não contribuiu para a criação de novos produtos ou adoção de maquinário mais eficiente. Por outro lado, houve queda do emprego e redução da qualificação média dos trabalhadores nas empresas que se beneficiaram do subsídio.
Apesar dos efeitos negativos no nível microeconômico, o impacto agregado do programa foi pequeno porque uma parcela reduzida das empresas aumentou a inovação. O autor estima que uma elevação de 1 ponto percentual na inovação exigiria um subsídio de 2% do PIB e teria um impacto negativo no PIB de 0,2%.
Embora não discutido no WDR 2024, o aumento do protecionismo na aquisição de produtos eletrônicos no Brasil no final da década de 1970 é outro exemplo de uma política que procurou substituir a importação de tecnologia pela produção doméstica, culminando na reserva de mercado que proibiu a importação de computadores na década de 1980 e estabeleceu requisitos de conteúdo local na produção de seus componentes.
Um estudo clássico de Eduardo Luzio e Shane Greenstein (“Measuring the Performance of a Protected Infant Industry: The Case of Brazilian Microcomputers”) avaliou o desempenho da indústria brasileira de microcomputadores durante a vigência da reserva de mercado.
Os autores mostram que a defasagem entre o padrão de desempenho e preço dos computadores no Brasil em relação ao vigente nos Estados Unidos foi de 3 a 5 anos, com computadores brasileiros consideravelmente mais caros e de qualidade inferior aos americanos. Em função disso, estimam que os consumidores brasileiros tiveram uma perda equivalente a 33% das despesas médias anuais com computadores domésticos entre 1984 e 1988.
A lição clara desses episódios é que o Brasil deveria facilitar a importação de tecnologias em vez de subsidiar a inovação nacional. A Nova Indústria Brasil, no entanto, corre o risco de repetir os erros do passado ao incentivar a inovação nacional, particularmente na área de inteligência artificial. Se seguirmos esse caminho, não vamos escapar tão cedo da armadilha da renda média.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 30/08/2024.
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