Como o cenário macroeconômico afetou a previdência social?
Todo o ano, na primeira quinzena de abril, o governo encaminha para o Congresso Nacional o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), que define as regras para a elaboração e execução do orçamento do ano seguinte. Normalmente, o foco do PLDO está na definição das metas de resultado primário.
Mas o PLDO possui uma série de informações relevantes sobre o estado das finanças públicas, como projeções previdenciárias (do setor público e privado), análise de sustentabilidade da dívida pública e dos benefícios assistenciais e trabalhistas.
Uma análise mais detalhada das projeções de longo prazo do RGPS mostra como o cenário fiscal da Previdência se alterou em função da recessão e da lenta recuperação da economia.
Para avaliar essa questão, utilizei as projeções do RGPS divulgadas pelos PLDOs de 2015 até 2019. Como o PLDO de 2015 foi divulgado em abril de 2014, ainda não havia percepção da profundidade da recessão que atingiu o Brasil. Uma forma simples de pensar esse exercício é verificar qual foi o impacto das revisões de cenário macro para a Previdência Social.
Analisando a questão pelo lado da receita previdenciária, é possível verificar que as projeções feitas antes da recessão indicavam que a arrecadação da Previdência se estabilizaria em 6,86% do PIB em 2021. Com a frustração do cenário macro, traduzida em menor nível de emprego e de crescimento dos salários, esses números foram sendo revisados. Essas revisões produzem reduções da arrecadação em todos os anos. A revisão mais substancial aconteceu no PLDO de 2017, elaborado em abril de 2016. As revisões se tornam bem menores a partir do PLDO 2018, já que os erros de previsão de cenário macroeconômico se tornam menores. A projeção atual, apresentada pelo PLDO 2019, indica que a arrecadação previdenciária atingirá 5,70% do PIB em 2021. É uma diferença, pelo lado das receitas, de 1,16 ponto percentual (p.p.) do PIB entre o que se esperava em 2015 e o que se espera no momento atual.
Pelo lado da despesa, o mesmo exercício permite concluir que também houve ajuste significativo. No PLDO de 2015 projetava-se que a despesa atingiria 7,98% do PIB em 2021. Atualmente, projeta-se que a despesa chegue a 8,76% do PIB. Assim como nas receitas, a maior revisão ocorreu no PLDO 2017.
Esse fenômeno pelo lado das despesas ocorre basicamente pelo comportamento do PIB, que afeta o denominador dessa relação. Para verificar isso, é importante notar que a projeção nominal da despesa previdenciária para 2021, presente no PLDO 2015, foi de R$ 727 bilhões; no PLDO 2017, de R$ 790 bilhões; e de R$ 758 bilhões no PLDO 2019. Ou seja, a projeção para 2019 tem um valor nominal inferior à projeção feita em 2017.
Analisando esses efeitos em conjunto, podemos verificar como ocorreu o impacto da revisão do cenário no resultado da Necessidade de Financiamento (déficit) do RGPS. Os dados indicam que a revisão total chegou a 1,94 p.p. do PIB em 2021. A projeção elaborada para o PLDO em 2015 era de que o déficit da Previdência chegasse a 1,12% do PIB em 2021. A projeção mais recente indica, no entanto, que o resultado deve chegar a 3,06% do PIB.
Para entender as implicações dessa revisão, é necessário voltar às projeções de 2015 e verificar que a estimativa de déficit em torno de 3% do PIB só seria atingida em 2037. Isso significa que a frustração de cenário macroeconômico, com o advento da recessão e da lenta recuperação, antecipou os resultados financeiros – crescentemente deficitários – da Previdência de 2037 para 2021. Esse fato traz implicações relevantes para o debate da reforma. Se, no cenário anterior, era possível fazer uma reforma bastante gradual como vinha ocorrendo no passado, em que cada governo realizava um ajuste no sistema, o cenário agora é diferente. É necessário fazer uma reforma mais completa.
A partir desses dados, outra conclusão também é possível. Como as projeções se mostram muito sensíveis ao cenário macroeconômico, elas podem melhorar bastante se a economia voltar a crescer de forma mais significativa.
O crescimento econômico compra algum tempo, mas a questão demográfica permanece. Essa questão já estava presente nas projeções anteriores à recessão. Se em uma crise é mais fácil fazer reformas pelo sentido de urgência que se cria em torno do tema, por outro lado, um cenário macro mais favorável permite diluir os efeitos de uma reforma complexa, ao torná-la mais gradual e palatável para a sociedade – já que é possível ter uma percepção diferente do problema. Esse balanço terá que ser feito pelo governo e em breve poderemos ver como esse tema será abordado.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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