Macroeconomia

Composição e dinâmica do governo Bolsonaro

27 mar 2019

Passados mais de dois meses e meio após a posse do novo presidente, o que se sabe do governo Bolsonaro?

Tal como prometido durante a campanha, o ex-capitão do Exército, de fato, não vestiu o figurino do presidencialismo de coalizão. Seu gabinete conta, hoje, com oito militares da ativa ou da reserva, nove ministros apartidários e cinco políticos ligados a três partidos (PSL, DEM e MDB). A nomeação de nenhum dos ministros políticos foi oficialmente endossada por suas siglas. Com efeito, essa composição ministerial em muito difere das de Cardoso, Lula, Rousseff e Temer. Portanto, ainda não está claro se o governo comanda uma maioria estável no Congresso e qual é a efetiva extensão do seu apoio legislativo, variáveis-chave para uma avaliação sólida de qualquer presidência. Não à toa, Bolsonaro já sofreu uma fragorosa derrota no plenário da Câmara no dia 19 de fevereiro, quando da votação relativa ao decreto que ampliava a lista de funcionários públicos que podem transformar dados públicos em ultrassecretos. Além disso, persistem dúvidas a respeito de se e quando o Executivo conseguirá o respaldo de 60% de parlamentares para aprovar a reforma da Previdência, conquanto a promulgação de algum tipo de reforma seja provável.

Até agora, o governo pode ser caracterizado como uma coleção de grupos que ainda não mantêm relações estáveis entre si. Os grupos são os seguintes: (1) os filhos do presidente; (2) os militares; (3) os liberais liderados pelo Ministro da Economia Paulo Guedes; (4) a turma da lei e da ordem liderada pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro; (5) os representantes ideológicos do bolsonarismo; (6) os políticos do tipo peso leve com assento no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios; (7) a bancada congressual do PSL; e (8) o conjunto difuso de partidos e parlamentares que segue a liderança de Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados. Do ponto de vista ideológico, os grupos (1), (5) e (7) são de extrema-direita; os restantes, de centro-direita.

Não se sabem ainda o peso relativo e a posição hierárquica de cada grupo dentro da coleção montada por Bolsonaro. Isso tem gerado intensos conflitos entre eles. Um dos grandes desafios que Bolsonaro terá ao longo de 2019 será justamente o de estabelecer valores claros para aqueles dois atributos. Muitos analistas afirmam que os grupos (3) e (4) são os mais importantes e poderosos. No momento atual, tal afirmação não passa de uma hipótese ou de um desejo. Aparentemente, o grupo (2), o dos militares, é o mais coeso.

Sob um cenário otimista, Bolsonaro arbitraria os conflitos acima referidos a favor dos cinco grupos de centro-direita, estabelecendo, finalmente, a cara do seu governo e aplacando os temores de diversos segmentos das sociedades nacional e internacional. Para que tal cenário se materialize, é fundamental que o presidente da República e seus operadores políticos cheguem a um acordo muito bem costurado com o grupo liderado por Rodrigo Maia, o que garantiria uma maioria parlamentar sólida ao Executivo. Tem havido esforços nesse sentido, mas, quando da elaboração deste texto, não havia como estimar sua probabilidade de êxito.

A dinâmica de uma presidência depende também da sua relação com a oposição. Sobre esta, paira a mesma bruma de incertezas que se verifica no governo, dado que não se sabe nem sua composição nem o peso relativo de seus possíveis integrantes. Em recente entrevista, Ciro Gomes sinalizou que pretende ser o líder de um bloco de centro-esquerda, ao reconhecer enfaticamente a necessidade da reforma de Previdência, diferenciando-se do PT, e ao distanciar-se da pauta identitária do PSOL.[1] Se tal bloco se firmar como o principal núcleo da oposição, isto poderá fortalecer os grupos de centro-direita dentro do governo.

Para que houvesse um governo de centro-direita interagindo com uma oposição predominantemente de centro-esquerda, ajudaria muito se Jair Bolsonaro e Ciro Gomes aprendessem a moderar sua linguagem. Seria como pedir a um homem que se dedicou à musculação a vida inteira que passasse a, de repente, fazer apenas Pilates. É possível, mas não é fácil. A ver, como diria o cego...


Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de março de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Março/19. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

[1] Ver a entrevista em “Mourão é oportunista e quer o governo”, Valor Econômico, 12/03/2019, disponível em https://www.valor.com.br/politica/6155497/mourao-e-oportunista-e-quer-o-governo.

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