Condições financeiras favoráveis alicerçam o aquecimento recente da demanda doméstica
Após um início de ano desanimador com a notícia de que o PIB do primeiro trimestre havia retraído 0,2%, especulações a respeito de uma possível recessão técnica começaram a pipocar na mídia. Alguns analistas chegaram a apostar em um crescimento abaixo de 0,8% para este ano, o que seria equivalente a um crescimento inferior a 0,3% por trimestre. A despeito do pessimismo que tomou o mercado no período, mantivemos nosso cenário de crescimento beirando 1,2% neste ano, o qual sustentamos até hoje.
Os dados divulgados ao longo do segundo semestre exibiram importante aceleração e surpreenderam positivamente a maioria dos analistas. A projeção mediana dos especialistas para o crescimento do PIB do segundo trimestre, segundo os dados da Bloomberg, era de 0,2%, contudo o resultado oficial se revelou o dobro do esperado. Já no terceiro trimestre, a expectativa mediana era de 0,4%, isto é, 0,2 p.p. abaixo do resultado posteriormente divulgado pelo IBGE.
Ainda mais relevante do que o avanço do PIB agregado no terceiro trimestre, foi sua composição. O crescimento foi basicamente explicado pelo avanço da demanda interna privada, com destaque para o Consumo das Famílias, que cresceu 0.8% ante o trimestre anterior e cujo peso no PIB excede 60%.
O aquecimento recente da demanda doméstica, puxado pelo Consumo das Famílias, costuma ser associado a impressionante redução de 975 pontos base da taxa Selic, iniciada no final de 2016. Todavia, é provável que o efeito pleno defasado dessa queda não tenha se materializado até pouco tempo atrás. A razão é que as condições financeiras mais desfavoráveis, os choques e incertezas em 2018 atuaram no sentido oposto. Muitas vezes, os preços dos ativos financeiros não respondem à política monetária conforme previsto na teoria. Isto ocorre porque a atividade econômica não depende somente dos juros de política monetária.
Apesar do impulso monetário em curso, eventos como a greve dos caminhoneiros, incerteza eleitoral, aperto monetário nos principais países do mundo, avanço da guerra comercial entre Estados Unidos e China e as turbulências nos mercados emergentes (Turquia e Argentina), promoveram forte aperto das condições financeiras no Brasil em 2018, o que dissipou, ao menos parcialmente, o impacto da redução dos juros reais sobre o crescimento do PIB.
Contudo, as condições financeiras caminharam para terreno estimulativo ao longo de 2019, em decorrência de eventos como o andamento e aprovação da reforma da previdência, mudanças regulatórias no setor financeiro (como as medidas implementadas no mercado de cartões de crédito) e o afrouxamento monetário em curso no Brasil e no mundo. Essa melhora das condições financeiras ao longo deste ano tem sido capaz de potencializar os efeitos da política monetária sobre a demanda doméstica nos últimos trimestres e deixa o caminho livre para que esse estímulo se perpetue ao longo do ano que vem – desde que não haja uma piora do cenário externo ou potenciais crises políticas.
Por fim, vale lembrar que a despeito dos choques não antecipados que atingiram a economia brasileira este ano – crise argentina, desastre natural em Brumadinho e desaceleração global – o PIB teria condições de crescer acima de 2%. Para 2020, nosso cenário base é de crescimento de 2,2%. Estímulos mais intensos sobre a demanda doméstica advindos da política monetária nos próximos anos dependem, dentre outras medidas, de avanços na agenda BC#.
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