Macroeconomia

Considerações sobre o cenário externo

1 out 2019

A economia mundial se encontra em fase de desaceleração. Isso parece claro. Os desdobramentos desse processo, contudo, não são de fácil identificação. Seriam elevadas as chances de o processo desaguar num sério quadro recessivo? A economia mundial enfrentará nova recessão?

Essa é uma questão que traz preocupação para as autoridades econômicas do Brasil, e certamente para as de outros países também. Acontecimentos recentes observados na zona do euro seguramente contribuem para acentuar tal preocupação. O fato de, a despeito da forte oposição dos representantes da Alemanha, da Holanda e da França no board da instituição, o presidente Mario Draghi ter levado o Banco Central Europeu à adoção de um amplo conjunto de medidas, voltadas para impulsionar a economia e elevar a taxa de inflação para o patamar oficialmente desejado, dá uma boa dimensão das preocupações prevalecentes nos próprios países da zona do euro. Tanto a economia quanto o ritmo de crescimento dos preços dão sinais de arrefecimento.     

Entre nós, as atenções se voltam não apenas para a questão relacionada com o futuro da economia mundial, mas particularmente para o caso particular dos Estados Unidos. Afinal, eventos econômicos e financeiros relevantes nesse país costumam ter efeitos importantes sobre os mercados e a economia do Brasil.

A esse respeito, o ponto a ser destacado tem a ver com o fato de que a economia americana se encontra numa situação privilegiada, relativamente às demais economias avançadas do planeta. O contraste com a zona do euro, por exemplo, parece claro.

A economia dos EUA cresce atualmente em torno de 2,0% ao ano. A inflação tem comportamento estável, não havendo sinais de tendência declinante. A taxa de desemprego permanece baixíssima. As contratações líquidas no mercado de trabalho continuam apresentando bom desempenho (geração média mensal de 150.000 empregos, nos últimos seis meses) e as condições financeiras mostram-se favoráveis. Além disso, a taxa nominal de crescimento da absorção doméstica situa-se em 4,0% ao ano (média para o período 2011-18). É um ritmo inferior ao da década anterior (5,2%), mas perfeitamente compatível com o crescimento nominal do PIB potencial, também de 4,0%.

A relevância dessas considerações pode ser vista sob dois ângulos. Primeiro, se a economia americana se mantiver sólida, fica menor a chance de a economia global entrar em recessão. Segundo, mesmo na hipótese de a desaceleração econômica persistir, e na medida em que os EUA sejam menos afetados que outras regiões de peso na economia mundial, a implicação para os mercados cambiais é clara, ou seja, o dólar tende a permanecer relativamente forte. Nesse caso, o real permaneceria com dificuldades para ganhar força, mesmo diante de continuidade das reformas.

O fato de o Fed ter optado por reduzir a taxa básica de juros novamente em ritmo modesto, de 25 pontos, parece realmente caracterizar uma estratégia preventiva. Como estratégias desse tipo são geralmente aplicadas em situações nas quais não parece certo que a economia precise de estímulo, tudo indica que o Comitê de Política Monetária da instituição tem uma visão relativamente positiva acerca da saúde da economia dos EUA. Aliás, ao revelar que “several participants” não se mostraram confortáveis para reduzir os juros naquela ocasião, a ata da reunião de julho deixa claro que a decisão foi cercada de controvérsia. Por certo, a controvérsia só surgiu porque uma parte significativa do Comitê não via razões para dar novos estímulos monetários à economia. Essa impressão se confirma com a divulgação do comunicado relativo à reunião do último dia 18.

Em suma, parecem modestas as chances de a economia mundial entrar em recessão; a despeito de certa desaceleração recente, a economia americana permanece bastante saudável; é provável que o dólar continue revelando força nos mercados internacionais, com reflexos sobre o Brasil; e as reduções de juros nos EUA têm tido caráter apenas preventivo, objetivando somente deixar a economia mais bem preparada para a eventualidade de a desaceleração se tornar mais acentuada.


Este artigo faz parte do Boletim Macro IBRE de setembro de 2019. Leia aqui a versão integral do BMI Setembro/19. 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

 

 

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