Macroeconomia

As contradições do populismo

6 mar 2023

Governo Lula tem indicado que vai seguir caminho populista na política econômica. Devido à sua natureza de oferecer benesses sem considerar consequências negativas, esta estratégia vai acumular contradições ao longo do tempo. 

Os resultados do PIB e do mercado de trabalho no final de 2022, divulgados pelo IBGE esta semana, confirmaram o quadro de desaceleração que já se manifestava em indicadores de alta frequência. Após um período de enormes flutuações durante a pandemia, a economia parece estar de volta ao padrão de crescimento medíocre.

Como discuti na última coluna, nas últimas décadas tem prevalecido uma busca de atalhos para o crescimento por meio de políticas populistas. Existem algumas exceções, como as reformas implementadas entre a década de 1990 e a primeira metade dos anos 2000 e, posteriormente, o período reformista iniciado em 2016, mas esses episódios tendem a ser esporádicos e de curta duração.

As recorrentes políticas populistas em nossa história deixaram um legado de destruição econômica, com duas décadas perdidas nos últimos 40 anos. Essas crises, por sua vez, tiveram graves consequências sociais, como a hiperinflação dos anos 1980 e primeira metade da década de 1990 e, mais recentemente, a recessão devastadora de 2014-2016, que resultou em aumento persistente da pobreza, da desigualdade e da informalidade.

Apesar dessas evidências, o governo Lula tem dado várias indicações de que vai seguir o caminho populista na política econômica. Em decorrência de sua natureza de oferecer benesses sem considerar consequências negativas, trata-se de uma estratégia que tende a acumular contradições ao longo do tempo. Na tentativa de corrigir os problemas decorrentes das decisões populistas, novas distorções são criadas, o que acaba por agravar ainda mais a situação.

Um exemplo é a dificuldade de lidar com as consequências da PEC da Transição. Aprovada em dezembro do ano passado com atuação decisiva do então governo eleito, a emenda constitucional resultou em elevação de despesas em cerca de 2% do PIB e forte revisão para cima das projeções da trajetória da relação dívida/PIB, o que se refletiu nas expectativas inflacionárias.

Um estudo divulgado ontem no Valor Econômico, de autoria de Silvia Matos (FGV IBRE), Carlos Carvalho (Kapitalo Investimentos), Marco Bonomo (Insper), Daniel Abib (FGV EPGE), João Ayres (BID), Marina Perrupato (BID) e Stefano Eusepi (University of Texas at Austin) constrói um índice de desancoragem com base no descompasso entre os dados de expectativas inflacionárias do Boletim Focus e as metas de inflação para um prazo mais longo.

A principal contribuição do artigo é mostrar que o índice de desancoragem está correlacionado com os repasses de variações cambiais aos preços por parte das empresas, com base em informações do Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) do FGV IBRE desagregadas no nível da firma. Em outras palavras, quanto maior o grau de desancoragem, maior o repasse de variações cambiais para os preços dos produtos.

Os autores mostram que este indicador tem aumentado desde o governo Bolsonaro e teve uma forte aceleração no início do governo Lula, já se aproximando do patamar verificado no governo Dilma. Isso poderá levar as empresas a intensificarem ainda mais os reajustes de seus preços, o que por sua vez tende a dificultar ainda mais a tarefa do Banco Central de assegurar a convergência da inflação para a meta.

No entanto, ao invés de lidar com o problema de desancoragem das expectativas por meio da apresentação imediata de um plano que sinalize de forma crível um compromisso com a estabilidade fiscal, o governo tem optado por um ajuste baseado em projeções irrealistas de aumento das receitas, combinado com discussões sobre elevação da meta de inflação e pressões sobre o Banco Central para reduzir juros.

O resultado tem sido um aumento da desancoragem das expectativas, o que torna mais difícil que o Banco Central possa reduzir a Selic no futuro próximo. Isso, por sua vez, tende a agravar ainda mais a pressão sobre o BC e a busca de soluções imediatistas.

Outro exemplo típico das contradições do populismo foi a solução proposta pelo governo para a questão da reoneração dos combustíveis. Na tentativa de evitar uma reação negativa por parte dos consumidores, optou-se por uma reoneração parcial, que na prática estimula o consumo de combustíveis fósseis, o que contradiz a agenda do governo de preservação do meio ambiente.

Para compensar o menor ganho de receita decorrente do caráter parcial da reoneração, serão tributadas as exportações de petróleo durante um período de quatro meses. Na medida em que desestimula potenciais investidores a aportarem recursos no setor e traz insegurança jurídica, esta medida prejudica a retomada do crescimento desejada pelo Executivo. Além disso, contradiz a reforma tributária defendida pelo governo, que tem como um dos seus objetivos a desoneração das exportações para aumentar sua competitividade.

Nosso passado mostra claramente que o populismo não acaba bem. Caso o rumo inicial do governo Lula não seja rapidamente corrigido, as consequências econômicas e sociais serão bastante negativas.


As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV. 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Broadcast da Agência Estado em 03/03/2023.

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