Conversa com Pedro Jobim
É factível que Haddad execute em 2023 gasto público, fora RGPS, abaixo do limite do teto, que saltará 0,9pp do PIB em 2023. E, como economista, não opino sobre tamanho da carga tributária, que me parece escolha da sociedade.
Pedro Jobim no seu blog escreveu o texto “Em cartaz: realidade paralela”. Ele cita, sem diretamente se referir a mim, a minha coluna intitulada “Caminho para Haddad” publicada na Folha de São Paulo no domingo de Natal.
Segue a citação:
Outro representante do clube argumenta que bastaria que os gastos não fossem expandidos ao limite permitido pela PEC, ou que “se negocie com a sociedade e com o Congresso Nacional medidas que elevem os impostos e reduzam gastos e subsídios” para que a taxa de câmbio deslizasse para o patamar de 4,5 ou menos.
Aqui temos um caso de quase dissonância cognitiva. Por acaso houve momento em que o teto de gastos, em algum momento dos seus seis anos de existência, não tenha sido utilizado até o seu limite, mesmo por governos que, reconhecidamente, praticaram políticas fiscais menos expansionistas do que o do PT? Para além desse devaneio, o articulista implicitamente parece acreditar que tudo se resume a um jogo de soma zero. Basta “negociar com a sociedade” mais 2% do PIB em carga tributária - e – voilà – a conta fecha, como se nossa já reduzida capacidade de crescimento fosse inelástica à carga tributária a que o setor privado é submetido. Para além desta inconsistência temporal, o artigo não traz nem uma palavra a respeito da evidente dificuldade política associada ao aumento de impostos em uma situação de contração da atividade econômica e elevado endividamento das famílias, em que, como já argumentei em artigo anterior, o Brasil já parece se encontrar.
Dois pontos: primeiro, Pedro está certo quando sugere que é estranho eu acreditar que um governo petista pode não usar o gasto no limite permitido. Diz que eu sofro de “dissonância cognitiva”. Para entender a estranheza vale olhar com mais cuidado os dados. Meu colega do FGV IBRE Bráulio Borges, em recente apresentação, documentou que o gasto primário do governo central, excluindo a despesa do RGPS, será em 2022 de 10,3% do PIB. Com o espaço dado pela PEC da transição, essa parcela gasto atingirá 11,2% do PIB em 2023. Não é comum aumento de 0,9pp do PIB nessa rubrica de um ano para outro. Mais incomum ainda é uma elevação em um primeiro ano de governo. Assim, é perfeitamente possível que Haddad execute em 2023 gasto público abaixo desse limite.
O segundo ponto refere-se à coluna não tratar dos possíveis efeitos da elevação da carga tributária sobre a capacidade de crescimento. Segundo o autor, a hipótese implícita da coluna é que uma possível elevação da carga tributária seria neutra para o crescimento econômico. Na expressão do texto seria “um jogo de soma zero”. Adicionalmente acusa a coluna de não trazer “nenhuma palavra a respeito da evidente dificuldade política associada ao aumento de impostos”.
Começando pela segunda observação: coluna de jornal não é texto em blog. Há limitação de tamanho. Por exemplo, o texto de Jobim tem mais de 10.000 caracteres, incluindo espaços. Minha coluna tem 3.400. Não é possível tratar de todos os temas. Tratei do tema da dificuldade do governo em conseguir a elevação da carga tributária requerida em algumas colunas nas últimas semanas. Cinco de seis colunas publicadas entre 5 de novembro e 17 de dezembro trataram de diferentes aspectos desse tema (em ordem cronológica, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).
A crítica mais importante de Jobim foi eu não tratar das consequências sobre a capacidade de crescimento da economia de uma elevação da carga tributária. Jobim está correto aqui. Não tratei desse tema.
Minha visão é que não é verdade que a sociedade sempre necessariamente prefira crescer. Em sociedades desiguais e democráticas, é perfeitamente possível que o contrato social não priorize o crescimento, mas sim a equidade. Ou seja, o processo eleitoral pode gerar demanda por elevação da carga tributária e redução do crescimento. O conhecimento sistemático de um economista não permite uma escolha inequívoca entre maior equidade e menor crescimento, ou vice-versa.
Entendo que, em uma sociedade complexa como a brasileira e em uma democracia cheia de imperfeições como a nossa, o processo de escolha social é mais complicado do que somente a escolha da sociedade entre mais crescimento e menos equidade e vice-versa. No Brasil, como bem lembrou Jobim citando o clássico “Os donos do poder” de Raymundo Faoro, os grupos de pressão, em processo de escolha social tão bem descrito por Mancur Olson, têm papel relevante. Tratei desse tema na coluna de 15 de outubro (A vitória dos grupos de pressão).
De qualquer forma a minha avaliação e, penso Jobim discorda de mim nesse ponto, é não me pronunciar com relação ao tamanho da carga tributária. Sempre avaliei que essa é uma escolha de natureza eminentemente política, não cabendo em uma coluna de economia posicionamento a esse respeito.
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.
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